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A legislação fundiária tem sido objeto de constantes alterações e está sob a ameaça de uma nova investida. Nos últimos cinco anos já foram editadas ao menos duas medidas provisórias, uma lei, três decretos e três instruções normativas do Incra, além de vários outros atos normativos como resoluções e portarias, para alterar a Lei nº 11.952/2009, que trata da regularização fundiária de posses em terras públicas federais, e seus regulamentos. Além disso, há vários projetos de lei (PL) tramitando no Congresso Nacional com o objetivo de alterar o marco legal da regularização fundiária. As modificações já implementadas e as que estão sendo propostas flexibilizam as regras para a regularização fundiária, beneficiando sobretudo médios e grandes posseiros e anistiando crimes como a grilagem e o desmatamento ilegal. Estas mudanças sinalizam que vale à pena invadir terras públicas porque, em algum momento, a legislação poderá ser novamente alterada.

No dia 22 de fevereiro de 2021, o Senador Irajá protocolou um novo projeto de lei (PL nº 510) para modificar mais uma vez a Lei nº 11.952/2009. O Senador Irajá foi o relator da Medida Provisória nº 910, de 10 de dezembro de 2019 e apresentou dois pareceres à Comissão Mista da MP. Entretanto, seu parecer não chegou a ser aprovado, pois as atividades da comissão foram suspensas em decorrência da pandemia de Covid-19. O Congresso Nacional implementou o Sistema de Deliberação Remota e um novo procedimento para a tramitação de medidas provisórias. Neste processo, o Senador Irajá acabou sendo substituído por outro relator, o Deputado Zé Silva.

A MP nº 910/2019 perdeu a validade por não ter sido apreciada no prazo legal. Em seu lugar, foi apresentado o PL nº 2633, em 14 de maio de 2020, de autoria do Deputado Zé Silva. Do texto original da MP nº 910/2019 ao texto atual do PL nº 2633/2020, muitas proposições foram feitas e a redação mudou substancialmente. Esse PL ainda está em tramitação, tendo sido designado um novo relator recentemente.

O PL nº 510/2021 é praticamente uma cópia do segundo parecer do Senador Irajá sobre a MP nº 910/2019. O PL altera o marco temporal, flexibiliza os requisitos para a regularização, estende o procedimento simplificado para imóveis até 2.500 hectares e enfraquece as salvaguardas ambientais.

Além disso, o PL nº 510/2021 inova ao propor alterações que beneficiam ainda mais médios e grandes posseiros e especuladores de terras públicas, pois: (i) permite a regularização fundiária por quem já é proprietário de outro imóvel rural; (ii) permite a regularização fundiária de requerente que já tenha sido beneficiado de programa de reforma agrária ou regularização fundiária; e (iii) permite que o beneficiário que transferir ou negociar por qualquer meio o título obtido nos termos da lei, possa ser novamente beneficiado no futuro de programas de reforma agrária ou regularização fundiária. 

Para entender o que está em discussão e avaliar as implicações do PL nº 510/2021 nas políticas fundiária e ambiental, pesquisadoras do Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio) selecionaram os principais parâmetros da Lei nº 11.952/2009 alterados pelo PL nº 510/2021 (Tabela 1) e compararam a lei em vigor com os dois principais projetos de lei em discussão, o PL nº 2633/2020 e o PL nº 510/2021. Como ambos os projetos de lei são originários da MP nº 910/2019, esta norma também faz parte do quadro comparativo (Figura 1).

O PL nº 510/2021 retoma os retrocessos do texto original da MP nº 910/2019 e ainda propõe novas alterações que beneficiam médios e grandes posseiros e especuladores de terra pública, incentivando a ocupação de novas áreas de floresta pública, promovendo a grilagem e o desmatamento ilegal.

Tabela 1. Principais Parâmetros da Lei nº 11.952/2009 e suas Implicações nas Políticas Fundiária e Ambiental

PARÂMETROSEXPLICAÇÃO DOS PARÂMETROSIMPACTO NAS POLÍTICAS
FUNDIÁRIA E AMBIENTAL
Marco temporalA Lei nº 11.952/2009 estabelece dois marcos temporais para permitir a regularização fundiária. A regra geral define a data limite da ocupação para que a mesma possa ser regularizada, com desconto no valor da terra. Já a regra especial estabelece a data limite da ocupação para que a mesma possa ser regularizada mediante pagamento do valor máximo da terra, de acordo com a pauta de valores do Incra.A mudança dos marcos temporais para permitir a regularização de ocupações mais recentes incentiva novas ocupações (grilagem).
Requisitos para a regularizaçãoA Lei nº 11.952/2009 estabelece alguns atributos do ocupante e da posse para que a área possa ser regularizada.A flexibilização dos requisitos para a regularização favorece médios e grandes ocupantes e a grilagem de terras.
Procedimento simplificado de titulação por “autodeclaração”A Lei nº 11.952/2009 dispõe de procedimento simplificado de titulação, de acordo com o qual a regularização se dá por meio da análise de documentos, da declaração do ocupante e da verificação das informações por sensoriamento remoto, sem vistoria no local.A extensão do procedimento simplificado para imóveis maiores que quatro módulos fiscais facilita fraudes e beneficia médios e grandes ocupantes.
Salvaguardas ambientaisA Lei nº 11.952/2009 estabelece algumas salvaguardas ambientais, que são dispositivos que promovem a proteção do meio ambiente e/ou vinculam a regularização fundiária ao cumprimento de regras de conformidade ambiental, sobretudo as regras do Código Florestal para a regularização ambiental das Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal.
As salvaguardas ambientais pré-titulação estabelecem os requisitos de conformidade ambiental na etapa de instrução do processo de regularização fundiária. As salvaguardas ambientais pós-titulação estabelecem os requisitos de conformidade ambiental para a titulação definitiva da posse.
Como as salvaguardas ambientais se baseiam principalmente na verificação de autos de infração ambiental, algumas propostas de alteração da lei estabelecem uma definição própria.
A falta de salvaguardas ambientais ou o estabelecimento de salvaguardas fracas permite que a regularização fundiária seja feita em desacordo com a legislação ambiental, servindo de prêmio para quem cometeu crime ambiental.
A definição de infração ambiental é dada pelo Decreto nº 6.514/2008 que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente. Qualquer definição mais restritiva para a aplicação da lei fundiária é um retrocesso ambiental.
Regras que limitam a regularização fundiária A Lei nº 11.952/2009 estabelece regras para limitar a regularização fundiária, como a restrição de participar novamente de programas de reforma agrária ou regularização fundiária de beneficiário que transmite, vende ou negocia por qualquer meio o título obtido nos termos da lei.A possibilidade de um beneficiário que vendeu o seu título de participar no futuro de novo programa de regularização fundiária, incentiva a continuidade de ocupação de terras públicas (grilagem).
Direito de preferência na licitação de terras públicasO direito de preferência permite que ocupantes de terras públicas que não possuem os requisitos para a regularização fundiária, como área maior que 2.500 hectares ou ocupação posterior ao marco temporal, tenham direito de preferência na licitação da área.O direito de preferência de ocupante de terras públicas incentiva a grilagem de novas áreas e o desmatamento ilegal.
Dispensa de cobrança de custas e emolumentosA lei pode prever a dispensa de cobrança de custas e emolumentos, ou seja, isentar o beneficiário das despesas para o registro do título no Registro Geral de Imóveis (RGI) e para a emissão do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR).A isenção das taxas pode fazer sentido para pequenas propriedades, entretanto, a isenção para imóveis maiores que 4 módulos fiscais beneficia médios e grandes ocupantes de terras públicas, que podem pagar as taxas.

Figura 1. Quadro Comparativo dos Parâmetros da Lei nº 11.952/2009 e as Propostas de Alteração pela MP nº 910/2019, PL nº 2633/2020 e PL nº 501/2021

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Para saber mais sobre o histórico da Lei nº 11.952/2009 e a aplicação de suas regras e outras formas de regularização fundiária de terras públicas, sugerimos a leitura de: 

Panorama dos Direitos de Propriedade no Brasil Rural

Para saber mais sobre o histórico de tramitação da MP nº 910/2019 e do PL nº 2633/2020 e sobre as salvaguardas ambientais na legislação fundiária, sugerimos a leitura de: 

Avanços ou Retrocessos na Regularização Fundiária? Análise do Projeto de Lei nº 2633/2020 sob o enfoque das salvaguardas ambientais

Para saber mais sobre a MP nº 910/2019 e os pareceres dos relatores, sugerimos a leitura de: 

Medida Provisória Recompensa Atividades Criminosas: Análise da MP 910/2019 que Altera o Marco Legal da Regularização Fundiária de Ocupações em Terras Públicas Federais

Relator da MP 910/2019 Flexibiliza Ainda Mais a Regularização Fundiária

Novo Relatório do Senador Irajá Abreu Sobre a MP 910/2019, Mantém Regras Prejudiciais à Regularização Fundiária

Perguntas & Respostas sobre a MP 910/2019

Leia a versão em PDF da nota técnica aqui

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