Resumo do Evento
Em dezembro de 2023, o Brasil assumiu a presidência do G20. Com isso, surgiram diversas oportunidades para fortalecer a implementação do financiamento climático e para avançar em importantes discussões internacionais sobre o tema. Alguns exemplos de debate são a reforma da arquitetura financeira internacional, ações de nível nacional e novas questões, incluindo tributação, comércio e financiamento da natureza.
Como resultado, em 1º de março de 2024, o Instituto Clima e Sociedade (iCS), o Climate Policy Initiative (CPI), o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) e o CONCITO convocaram um debate de alto nível para estabelecer uma agenda de diálogo internacional com formuladores de políticas internacionais e líderes desta agenda para avaliar o progresso do financiamento climático e discutir desafios e soluções inovadoras para o seu aprimoramento.
Os participantes delinearam os desafios de financiamento e investimento para o clima e o desenvolvimento socioeconômico. Em seguida, o diálogo se concentrou em identificar as ações necessárias para alcançar os objetivos da agenda, focando especialmente no papel que o Brasil deve desempenhar a fim de causar um impacto real no financiamento climático.
O resumo a seguir apresenta os principais destaques das discussões. As autorias dos comentários não foram explicitadas, seguindo os princípios de anonimato da Regra de Chatham House.
Do G20 à COP30: Recomendações para um Financiamento Climático Eficaz
Com o Brasil assumindo posições de liderança em espaços internacionais proeminentes, há potencial para o desempenho de um papel central no combate às mudanças climáticas e no avanço da transição para uma economia mais resiliente, inclusiva e sustentável. A nossa posição e as ações a serem implementadas são claras. O governo brasileiro, em sua liderança no G20, pode se basear no trabalho existente e liderar pelo exemplo nas plataformas nacionais e na mobilização do setor privado.
Diagnóstico
Modificar a trajetória das emissões de carbono para limitar o aumento da temperatura global e mitigar seus efeitos prejudiciais torna-se cada vez mais urgente, o que evidencia a necessidade de uma mobilização eficaz de recursos. O atraso em atender integralmente as necessidades de investimento climático apenas aumenta os custos dos esforços de mitigação e adaptação, assim como os custos sociais e econômicos decorrentes do aumento da temperatura global, como a perda de produtividade, o aumento dos custos de saúde e os danos a ativos e capital.
Os países em desenvolvimento são os mais afetados pelos impactos da crise climática, mas recebem o menor volume de financiamento climático. O financiamento externo e a mobilização interna de recursos são insuficientes, principalmente nos mercados emergentes e nas economias em desenvolvimento (Emerging Markets and Developing Economies – EMDEs). Os países em desenvolvimento enfrentam crises fiscais e de dívida que restringem o espaço fiscal e a capacidade de alavancar o capital privado de modo semelhante aos países desenvolvidos.
Embora o financiamento climático tenha aumentado nos últimos anos, atualmente, ele representa apenas 1% do PIB global, com a maior parcela concentrada nas economias desenvolvidas e na China. O financiamento climático continua insuficiente, ineficiente e distribuído de forma desigual, colocando desafios significativos para os esforços globais de descarbonização, especialmente para os EMDEs.
A Oportunidade Única do Brasil
Nos próximos três anos, o Brasil assume um papel central na liderança da ação climática global. O país tem uma oportunidade única de alavancar sua liderança em fóruns internacionais por meio de suas presidências do G20 (em 2024) e do BRICS e COP30 (em 2025). A COP30 marca o prazo final para que os países apresentem suas novas Contribuições Nacionalmente Determinadas (Nationally Determined Contributions – NDCs), estabelecendo metas mais ambiciosas para o combate às mudanças climáticas. O Brasil tem, assim, a oportunidade de liderar a construção de um consenso global sobre as características essenciais das próximas NDCs. As novas NDCs devem ser resilientes e os planos de transição econômica devem abranger toda a economia, estar alinhados com a meta de limitar o aquecimento global a 1,5ºC, ser motores para o desenvolvimento e o crescimento econômico sustentáveis e ser implementados através de uma plataforma nacional.[1]
O cenário do G20 está mudando. As agendas de clima e desenvolvimento estão intrinsecamente ligadas e devem ser tratadas em conjunto por meio de uma abordagem sistêmica, uma realidade que está sendo refletida no trabalho das trilhas de Sherpa e de finanças, incluindo a Força-Tarefa para Mobilização Global contra a Mudança do Clima (TF-Clima). Além disso, o Brasil colocou a justiça social no topo dos diálogos climáticos do G20, criando a oportunidade de discutir o financiamento climático com foco na sociedade. Essa perspectiva ajudou a romper os obstáculos entre o financiamento do desenvolvimento socioeconômico e o financiamento climático, promovendo uma abordagem holística, que contemple ambos, sem diluir as responsabilidades. Ao promover o diálogo e a colaboração, o Brasil pode impulsionar soluções de financiamento climático mais equitativas e eficazes, preparando o terreno para uma COP30 bem-sucedida e para um progresso significativo em direção a um futuro sustentável.
Principais Questões de Financiamento Climático para o Brasil
Reforma da Arquitetura Financeira
As duas presidências anteriores do G20 (Indonésia e Índia) concentraram-se na reforma dos Bancos Multilaterais de Desenvolvimento (BMDs). A presidência brasileira tem agora a oportunidade de implementar recomendações específicas para promover a reforma dos BMDs. As reformas criarão uma organização mais ousada, capaz de ampliar significativamente e de forma equitativa os investimentos em adaptação e mitigação das mudanças climáticas. Além disso, diante das contínuas crises de dívida e liquidez, que afetam especialmente os países de baixa renda (os mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas), e da urgência em aumentar o financiamento climático, a reforma da arquitetura financeira também deve incluir uma reflexão sobre o papel do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre as mudanças que precisam ser implementadas.
O Brasil tem a oportunidade de impulsionar melhorias no FMI, propondo revisões em seu papel de apoio e avaliação da exposição fiscal e reformas, assim como das medidas de resposta rápida e do suporte necessário a países vulneráveis.
O Brasil também poderia desempenhar um papel mais significativo no diálogo sobre a regulamentação geral do sistema financeiro, ampliando o entendimento e os incentivos para a mobilização de investimentos internacionais e domésticos, integrando o custo de capital dos riscos climáticos, precificação do carbono e revisando os padrões de classificação de acordo com os esforços dos países. A reforma do FMI deve ainda incluir mudanças em seu modelo operacional para possibilitar um maior volume de suporte financeiro e prazos de desembolso mais rápidos. Além disso, o G20 pode aproveitar sua posição de liderança em instituições financeiras internacionais para estimular a colaboração entre os países-membros visando a implementação de ações compatíveis com a urgência da crise climática.
O Papel das Plataformas Nacionais como Planos de Desenvolvimento e Investimento
As plataformas nacionais podem resultar em uma visão mais coesa com impactos de longo prazo, combinando ambição e apoio para criar mudanças transformadoras. Elas podem promover o desenvolvimento e a inclusão de projetos, o gerenciamento de riscos, a colaboração, a coordenação e a adaptabilidade entre governos e parceiros, mobilizando, assim, recursos domésticos e criando um ambiente mais eficiente para a ação coletiva. Elas também podem ser uma solução para promover a criação de novos projetos financiáveis e a conexão entre as questões da Arquitetura Financeira Internacional (International Financial Architecture – IFA) e a mobilização de capital doméstico. Compreender a NDC através de uma perspectiva de desenvolvimento econômico e como um plano de investimento alinhado com o Acordo de Paris poderia inspirar outros países do G20 a seguir esse exemplo.
Diversos governos de países em desenvolvimento, especialmente entidades subnacionais, enfrentam desafios para gerar projetos de alta qualidade e passíveis de investimento. Plataformas nacionais, feitas em colaboração e estabelecidas com o apoio de parceiros internacionais (como os membros do G20), poderiam acelerar esse processo e vincular potenciais investidores a diversas fontes de financiamento, incluindo o setor privado, investidores, filantropias e BMDs. O G20 pode fornecer recomendações valiosas e chegar a um acordo sobre critérios e compromissos para plataformas nacionais, o que poderia conferir mais segurança e facilitar a implementação de NDCs mais ambiciosas. Em particular, o Brasil poderia liderar sendo exemplo a partir da estruturação e implementação de sua NDC e de outros planos climáticos (como o Plano de Transformação Ecológica) por meio de uma plataforma nacional e tornando-a totalmente funcional até o início de 2025.
Gerenciamento de Riscos
O elevado custo do capital nos EMDEs torna inviáveis projetos que poderiam ser financiados em países com custo de capital mais baixo. A partilha de riscos, como risco de crédito, risco cambial, risco do comprador, risco político e risco de liquidez, desempenha um papel fundamental na mobilização do investimento privado. Vários instrumentos de gerenciamento de risco podem ser usados, incluindo garantias, que são uma ferramenta importante, mas subutilizada, para alavancar o capital privado no financiamento climático.
O G20 possibilita um ambiente para que os mercados emergentes liderem a redução de riscos para países em desenvolvimento, principalmente, no que diz respeito à integração dos riscos climáticos aos portfólios de investimento e à garantia de que as agências de classificação de riscos os considerem adequadamente, sem penalizar os países que priorizam a ação climática e a eliminação gradual dos combustíveis fósseis.
Tributação Internacional
A tributação internacional tem o potencial de alavancar novos financiamentos para o desenvolvimento e a ação climática em escala, conforme destacado por uma nova Força-Tarefa lançada pela França, Quênia e Barbados durante a COP28. O Brasil deve continuar assumindo a liderança e facilitando a inclusão da tributação internacional na agenda do G20, sugerindo um conjunto de opções concretas para corrigir as desigualdades na tributação internacional e combater a evasão fiscal.
Meta Financeira Quantificável
A COP29 é considerada a “COP das Finanças”. O G20 pode contribuir para o avanço das discussões sobre o Novo Objetivo Coletivo Quantificado (New Collective Quantified Goal on Climate Finance – NCQG), priorizando componentes implementáveis que possam ser rastreados. Essa transparência promoverá a confiança no sistema entre os membros do G20, o que, por sua vez, deverá permitir mais capital no sistema. No entanto, será muito difícil chegar a um acordo sobre a NCQG na COP29 se, como parte das discussões do G20 e das decisões sobre os BMDs, não houver progresso nas crises de dívida e liquidez nem resultados significativos em termos de reformas e medidas tangíveis relativas ao aumento de recursos para combater as mudanças climáticas.
Financiamento da Natureza
O valor da natureza não é quantificável. A natureza é o coração do bem-estar e da prosperidade humana; ela sustenta nossa economia, nossa sociedade e nossa própria existência. Portanto, proteger a natureza traz enormes benefícios econômicos, ambientais e sociais, inclusive para a mitigação e adaptação ao clima. O Brasil, considerando as suas características específicas, incluindo sua posição no bioma Amazônia e o enorme potencial para aumentar significativamente as remoções por sumidouros com a restauração e a reposição florestal, tem um interesse implícito em promover o financiamento da natureza e a bioeconomia. Entre as possíveis abordagens a serem exploradas, estão as soluções baseadas na natureza, os mercados de carbono e o aproveitamento de tecnologias avançadas de captura de carbono, que podem tanto contribuir para a sustentabilidade ambiental quanto estimular a revitalização econômica, melhorando, em última instância, os meios de subsistência das comunidades.
Financiamento da Adaptação Climática
A lacuna de financiamento para adaptação climática global está aumentando. Atualmente, o financiamento para adaptação é insuficiente, representando apenas uma pequena fração do total dos fluxos financeiros climáticos e das necessidades reais. O financiamento para adaptação também é desequilibrado no tocante à origem dos recursos, sendo a maior parte proveniente do setor público. Nesse sentido, são necessários mecanismos e incentivos mais inovadores para mobilizar o financiamento privado para a adaptação, como financiamento misto, títulos verdes e seguros. Torna-se imperativo também o aumento do apoio técnico e baseado em conhecimento, bem como a implementação de reformas institucionais e de governança, para aprimorar o acesso e a eficácia do financiamento para adaptação climática. Ademais, resultados mensuráveis sobre os impactos das mudanças climáticas nos membros do G20 também são necessários. Como o G20 nunca se concentrou em adaptação, o Brasil tem uma oportunidade concreta de incluir o tópico na agenda e liderar ações para a sua implementação.
Custo da Inação
Atrasar a ação climática e não conseguir manter a meta de 1,5°C resultará em custos significativos. Os impactos das mudanças climáticas, como o aumento das temperaturas, a elevação do nível do mar e a maior frequência de eventos climáticos extremos, provocarão perdas de mão de obra, redução da produção agrícola e diminuição do turismo global, além de danos a ativos, capital e terras produtivas. O aumento das temperaturas e a piora da qualidade do ar também aumentarão as taxas de mortalidade, as doenças relacionadas ao clima e os gastos gerais com saúde.
O Brasil deveria propor uma análise do custo da inação para entender o impacto que a crise climática poderia ter sobre as economias dos países membros do G20. Com isso, o G20 conseguiria obter um melhor entendimento do custo de capital e das vulnerabilidades da estabilidade fiscal relacionada aos impactos climáticos, quantificando as perdas econômicas advindas de desastres climáticos nos anos anteriores e estimando outras potenciais perdas, caso as medidas necessárias de adaptação e mitigação não forem tomadas (custo da inação). Isso possibilitaria a recomendação de medidas de gestão orçamentária, fiscal e financeira o que, por conseguinte, poderia estimular um debate sobre a importância da mobilização de recursos para combater os impactos ambientais e o papel dos fóruns internacionais.
Conclusão
O G20 tem um potencial significativo para aumentar a atenção à agenda de ação climática alinhada ao desenvolvimento socioeconômico, inclusive por meio do aumento e da aceleração do financiamento climático. O Brasil está no epicentro da ação global. O país tem a oportunidade de moldar o discurso dentro do G20, promovendo a continuidade da agenda existente, como a reforma da arquitetura financeira internacional. A implementação das reformas do FMI e dos BMDs e o desenvolvimento de uma NDC ambiciosa através de uma plataforma nacional adaptada ao contexto brasileiro devem estar entre as prioridades da presidência brasileira no G20. Ao fomentar o diálogo e a colaboração e, ao mesmo tempo, liderar pelo exemplo, o Brasil pode impulsionar soluções financeiras climáticas mais equitativas e eficazes, preparando o terreno para a COP30.
O avanço das metas de finanças sustentáveis no G20 exige uma ação coordenada entre vários atores, abrangendo ministérios das finanças, bancos centrais, BMDs, bancos públicos de desenvolvimento (Public Development Banks – PDBs), atores não estatais e a sociedade civil. Cada entidade traz conhecimentos e recursos exclusivos para o debate, permitindo estratégias abrangentes e uma implementação eficaz. A colaboração entre atores diversos é fundamental para alinhar os incentivos, impulsionar a inovação para o crescimento e o desenvolvimento econômico sustentável e, em última instância, para aumentar a pressão por ações concretas que atendam os desafios ambientais e sociais.
Há várias maneiras de iniciar este trabalho, incluindo as Reuniões de Primavera (Spring Meetings) do Banco Mundial e do FMI e a Reunião do G20/Finance in Common System (FiCS) em maio, onde esse diálogo continuará focado nas ações que podemos — e devemos — nos engajar para impulsionar o progresso das finanças sustentáveis.
[1] Uma plataforma nacional é uma abordagem, liderada pelo governo de um país, para organizar sistematicamente várias partes do governo, instituições financeiras internacionais, Organizações Não Governamentais (ONGs), Organizações da Sociedade Civil (OSCs), filantropias, investidores do setor privado e que atuem no setor de desenvolvimento em abordagens colaborativas que apoiem a ação em direção a uma meta de desenvolvimento comum, como: ação climática ou desenvolvimento econômico sustentável.