Para que o financiamento climático seja ampliado e aperfeiçoado de forma a alcançar a escala necessária para enfrentar os desafios de mitigação e adaptação no setor de uso da terra no Brasil, um conjunto de medidas e ações devem ser tomadas por atores públicos e privados nas diferentes áreas mapeadas nesta publicação.
Política de Crédito Rural
O crédito rural é a principal fonte de financiamento climático para o uso da terra no Brasil, com uma média de R$ 50,8 bilhões/ano mapeados. No entanto, os métodos de verificação da sustentabilidade desses recursos são limitados, sobretudo devido a informações autodeclaratórias sem monitoramento rigoroso.
Para incentivar boas práticas sustentáveis no setor agropecuário brasileiro, é importante definir critérios que classifiquem práticas agropecuárias sustentáveis e estabeleçam condições diferenciadas de financiamento, como descontos na taxa de juros ou aumento de limites de crédito.
Esses critérios devem ser precisos, técnicos e harmonizados a iniciativas já consolidadas, alinhar-se à Taxonomia Sustentável Brasileira, atualmente em desenvolvimento, sob a liderança do Ministério da Fazenda. Além disso, é necessário que as práticas sustentáveis sejam mensuradas de forma confiável e que os produtores alinhados recebam incentivos eficientes. É fundamental que esses critérios sejam aplicados e monitorados além da autodeclaração, assegurando transparência e impacto real nas práticas do setor.
Dado o alto custo fiscal da política de crédito rural, que destinou R$ 13,6 bilhões em subsídios no Plano Safra 2023/2024, é crucial que esses recursos gerem retornos efetivos, que modernizem o setor e promovam a transição para uma agropecuária de baixo carbono e sustentável.
As instituições financeiras devem reforçar os requisitos ambientais ao conceder crédito rural, verificando o histórico de desmatamento da propriedade e exigindo a apresentação de instrumento administrativo que autoriza o desmatamento em uma determinada área, tal como a Autorização de Supressão de Vegetação (ASV) ou documentação equivalente. Além disso, é fundamental monitorar regularmente novos desmatamentos após a concessão do crédito, com a suspensão da operação caso o produtor não comprove a legalidade do desmate. O BNDES já adota essa prática desde fevereiro de 2023.
No âmbito do RenovAgro, que financia as práticas para a agropecuária de baixo carbono, é importante um monitoramento rigoroso da implementação dos projetos financiados, além de uma melhor articulação com assistência técnica e instrumentos de gerenciamento de risco. Esse acompanhamento visa garantir que os recursos subsidiados produzam os resultados de sustentabilidade esperados. Linhas de crédito do RenovAgro, como aquelas voltadas à recuperação de pastagens, necessitam de acompanhamento constante para assegurar a correta implementação dos projetos.
Finalmente, o Plano Safra deve incentivar a regularização ambiental dos produtores rurais e o cumprimento do Código Florestal, oferecendo condições de crédito diferenciadas para aqueles em conformidade com a legislação ambiental. Produtores que estejam em conformidade com o Código Florestal, possuam excedente de Reserva Legal ou tenham aderido ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) devem ser priorizados. O incentivo pode se dar através de aumento de limite de crédito, descontos nas taxas de juros ou maior prazo de financiamento para projetos de restauração e adequação ambiental. O Plano Safra possui instrumentos cruciais para incentivar a implementação do Código Florestal, o que é essencial para equilibrar a produção agropecuária e a conservação ambiental.
Gestão de Risco Agropecuário
Instrumentos de gestão de risco agropecuário mobilizaram, em média, R$ 13,4 bilhões/ano, tendo sido o principal mecanismo de financiamento para adaptação climática e para pagamentos por perdas e danos. Os recursos mapeados para gestão de risco agropecuário cresceram 172% em relação aos dados de 2015-2020. Esse aumento gerou um impacto significativo nas contas públicas, com um custo anual de R$ 5,5 bilhões/ano, o que torna necessário a revisão das políticas de risco agropecuário.
Com o aumento da frequência e intensidade dos eventos climáticos adversos, tende a ocorrer um crescimento da demanda por seguros agropecuários. No entanto, o custo das apólices também acaba aumentando devido ao maior volume de indenizações. De fato, seguradoras podem ter dificuldade de manter a oferta de seguro para determinados produtos e regiões. Dado que os custos das mudanças climáticas já estão se materializando, é essencial implementar estratégias públicas que garantam a resiliência da produção agropecuária, um dos setores mais vulneráveis aos efeitos do clima.
Os subsídios do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) devem seguir os mesmos critérios sociais, ambientais e climáticos já aplicados ao crédito rural. O novo Plano Nacional de Gestão de Risco Agropecuário incorpora parte desses critérios, como a proibição de recursos para propriedades envolvidas com trabalho escravo, áreas embargadas, terras indígenas, unidades de conservação, sítios arqueológicos e comunidades quilombolas. Embora esse plano represente um avanço importante, ele ainda não está completamente harmonizado com as restrições do crédito rural, que também incluem a análise da situação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), especialmente em casos de cancelamento ou suspensão do CAR, além de propriedades localizadas em áreas de Floresta Pública Tipo B.
É fundamental que os critérios socioambientais da subvenção do PSR abranjam toda a área registrada no CAR, e não apenas a parcela segurada. Além disso, os recursos do PSR e do Proagro devem ser direcionados de forma prioritária para produtores que não estejam envolvidos em desmatamento ilegal e que adotem práticas agropecuárias sustentáveis. Dada a escassez de recursos do PSR, a alocação dos subsídios poderia ser usada como um incentivo para promover melhores práticas no setor. Também seria estratégico direcionar a subvenção para produtores que contratem linhas de crédito voltadas à sustentabilidade, como o RenovAgro. Outra proposta é ampliar a cobertura do PSR para incluir viveiros e atividades relacionadas à restauração ambiental.
Os recursos do PSR devem, prioritariamente, favorecer pequenos produtores e regiões com cobertura insuficiente. Pequenos agricultores enfrentam maiores dificuldades de acesso a instrumentos de gerenciamento de risco e, atualmente, dependem majoritariamente do Proagro, cujo limite de enquadramento foi reduzido este ano, o que pode deixar muitos produtores desamparados. Em regiões com alto risco climático, há uma tendência de que as seguradoras aumentem os preços, limitem a oferta de seguros ou até decidam não entrar no mercado, deixando produtores ainda mais vulneráveis. O Brasil possui regiões e perfis de produtores com pouco ou nenhum acesso a seguro e outras ferramentas de gerenciamento de risco.
Avançar na regulamentação e operacionalização de um fundo público-privado é central para garantir a expansão do mercado de seguros rurais. Esse fundo ajudaria a proteger as seguradoras contra perdas generalizadas, que dificultam o pagamento de indenizações, especialmente diante do cenário de crescente risco climático. As resseguradoras também desempenham um papel fundamental para o funcionamento desse mercado, sendo essenciais para garantir a solvência das seguradoras em tempos de crise.
Gastos do Governo
As despesas do orçamento público federal para uso da terra com objetivos de mitigação e adaptação climática totalizaram, em média, R$ 2,9 bilhões/ano entre 2021 e 2023, representando 3% do total mapeado para esse período. Esses fluxos apresentaram uma queda de 46% entre 2016 e 2021 (de R$ 4,5 bilhões para R$ 2,4 bilhões), período de austeridade fiscal e de não priorização da agenda climática e de florestas. A retomada no período analisado, com crescimento de 39%, chegando a R$ 3,4 bilhões em 2023, aponta para a retomada da priorização da agenda. No entanto, o montante ainda é insuficiente para garantir uma política ambiental e climática ambiciosa e efetiva.
O orçamento público é o principal instrumento canalizador de recursos para políticas no setor de florestas nativas, que envolve ações de conservação, restauração e reflorestamento. O funcionamento do MMA e de órgãos, como o Ibama, o ICMBio e a Funai, essenciais para a preservação ambiental, o combate ao desmatamento e a proteção dos povos indígenas, depende desses gastos do governo. É necessário recuperar e expandir o orçamento administrativo para garantir a capacidade de atuação desses órgãos.
Além disso, o Fundo Clima — instrumento estatal com potencial disruptivo para financiamento de uma economia de baixo carbono — apresenta dificuldade de mobilização dos recursos disponíveis. A facilitação de acesso ao crédito e a doações, concomitante ao já anunciado aporte de recursos, pode desbloquear um grande financiador da agenda climática no país, não exclusivo ao setor de uso da terra.
Para aprimorar os gastos governamentais destinados ao meio ambiente e ao clima, é essencial promover a transparência e eficiência no uso dos recursos, maximizando o impacto das políticas públicas. A continuidade e consistência dessas políticas são fundamentais para que programas e ações governamentais gerem impactos duradouros e efetivos.
Para que isso seja possível, o planejamento e o financiamento das iniciativas devem estar ancorados em estratégias de longo prazo, garantindo que as políticas climáticas não sejam vulneráveis a mudanças políticas. A adoção de previsões orçamentárias e de mecanismos financeiros estáveis pode reduzir a volatilidade no financiamento, proporcionando a estabilidade necessária para que os resultados sejam alcançados e os impactos se consolidem. Orçamentos plurianuais, por exemplo, possibilitam uma alocação mais consistente, especialmente importante para projetos de conservação e restauro, que muitas vezes demandam anos para apresentar resultados concretos.
Um sistema de monitoramento acessível e abrangente, que acompanhe os gastos com políticas ambientais e climáticas, é igualmente essencial. Relatórios regulares sobre a execução desses orçamentos facilitam a avaliação e possibilitam ajustes estratégicos, promovendo um uso mais eficaz dos recursos.
Adicionalmente, é crucial integrar metas de sustentabilidade em todos os ministérios, inserindo critérios ambientais e climáticos nas diretrizes orçamentárias de setores como agricultura e energia. Isso amplia o impacto positivo do investimento público e facilita uma abordagem interministerial para atingir as metas climáticas.
Esses aprimoramentos da política pública contribuirão para tornar o orçamento público mais eficaz e sustentável, promovendo resultados concretos para a preservação ambiental e o combate às mudanças climáticas no Brasil.
Mercado de Capitais e Outros Instrumentos Financeiros
Os títulos temáticos mobilizaram, em média, R$ 12,9 bilhões/ano em financiamento climático para uso da terra no triênio, representando 15% dos fluxos mapeados. Esse montante, contudo, reflete um pico de R$ 22,1 bilhões em 2021, seguido por uma queda de 89% até 2023, quando registrou apenas R$ 2,5 bilhões. O alto custo financeiro e o tempo necessário para rotular um título têm afastado o mercado desse tipo de ativo. Portanto, é essencial que outros instrumentos do mercado de capitais se adaptem para proporcionar a transparência necessária à mensuração de impactos climáticos.
Os CBIOs têm sido mecanismos relevantes para o financiamento do setor de biocombustíveis no país, movimentando R$ 3,1 bilhões/ano. Estabelecidos a partir do RenovaBio, os CBIOs direcionam fluxos de agentes poluidores para agentes mitigadores de emissões. Entretanto, os CBIOs são alvo de críticas em relação à governança, estrutura e volatilidade de preços.
Também é importante ressaltar o papel do BNDES como ator transversal no financiamento climático no Brasil, atuando em diversas frentes mapeadas neste estudo e com potencial significativo para atrair fluxos privados, especialmente por meio de mecanismos de financiamento misto (blended finance). O financiamento climático do banco para uso da terra totalizou R$ 2,2 bilhões/ano, com foco em biocombustíveis e florestas plantadas. Contudo, a atual gestão do BNDES está desenvolvendo novas frentes para florestas nativas, o que pode diversificar as opções de financiamento e fortalecer o setor de florestas.
A mobilização de recursos privados através do mercado de capitais ainda encontra barreiras, sobretudo na falta de transparência em operações e fundos destinados à sustentabilidade. Para garantir o comprometimento do mercado de capitais com a construção de uma economia de baixo carbono, é necessário estabelecer mecanismos sólidos de avaliação e mensuração dos fluxos destinados à agenda climática.
É essencial aprimorar a transparência das fontes de dados, estabelecer diretrizes para a classificação dos fluxos e aumentar a disponibilidade de dados detalhados em nível de projeto, incluindo sua localização específica. Regulamentações e normas mais claras de divulgação de informações permitirão estimativas mais precisas. É também importante o alinhamento aos padrões globais de divulgação e transparência climática, como os estabelecidos pela Força-tarefa para divulgações financeiras relacionadas às mudanças climáticas (Task Force on Climate-related Financial Disclosures -TCFD) e pelo Conselho Internacional de Padrões de Sustentabilidade (International Sustainability Standards Board – ISSB), que são amplamente reconhecidos e contribuem para aumentar a confiança dos investidores.
A mobilização de recursos privados em escala é crucial para financiar a transição para uma economia de baixo carbono, pois os recursos públicos são insuficientes para atingir as metas climáticas. O Brasil tem um potencial expressivo para alavancar práticas agropecuárias sustentáveis e promover a conservação e o restauro de florestas, gerando oportunidades para atrair recursos privados. O desenvolvimento de produtos financeiros inovadores é fundamental para ampliar o portfólio de instrumentos, como títulos de impacto ligados à conservação e ao uso sustentável da terra.
Em especial, o mercado regulado de carbono e sua conexão com a NDC brasileira também pode ser um importante catalizador para alavancar investimentos na transição climática. Esse mercado pode oferecer segurança regulatória, criar novas oportunidades de negócios e estabelecer uma estrutura robusta para mensurar e reportar emissões de carbono, fomentando o interesse dos investidores.
Desenvolvimento e Cooperação Internacional
As fontes de recursos para desenvolvimento e cooperação internacional canalizaram, em média, R$ 2,8 bilhões/ano em financiamento climático para uso da terra no Brasil entre 2021 e 2023, representando 3% dos fluxos financeiros alinhados ao clima. Esses recursos foram majoritariamente provenientes de bancos multilaterais, responsáveis por 60% dos recursos, e governos internacionais, com 29% do que foi mapeado.
Parte significativa do financiamento internacional foi alocada para o setor de florestas, com destaque para os governos da Alemanha e Noruega, representando 16% dos fluxos para florestas nativas mapeados entre 2021 e 2023.
O Fundo Amazônia, por sua vez, volta a ter grande potencial de impacto sobre a Amazônia Legal, contribuindo para o combate ao desmatamento, para a promoção da conservação e para o fortalecimento de uma economia sustentável alinhada à floresta. Após um período de paralisação entre 2019 e 2022, o fundo retomou suas atividades em 2023, destinando R$ 132 milhões para cinco projetos. No entanto, o anúncio de R$ 3,8 bilhões em novas doações sinaliza uma ampliação significativa das operações do fundo, que poderá ter um impacto maior na proteção e valorização da região. O reestabelecimento da estrutura de governança do Fundo Amazônia foi essencial para atrair a confiança dos doadores internacionais, promovendo um modelo de gestão que inspira parcerias e novas doações.
Apesar da mudança de governo e da adoção de uma política comprometida com o meio ambiente e o clima, os números mostram que a captação de recursos internacionais ainda se encontra aquém do potencial. Existe muita expectativa de que o país consiga atrair grandes volumes de financiamento internacional para essa agenda, mas a capacidade de atração de novos recursos está diretamente atrelada ao compromisso governamental com metas ambiciosas e claras para o clima. Isso inclui o comprometimento para zerar o desmatamento, a transição para uma agropecuária de baixo carbono e a ampliação do uso de energia limpa. Estabelecer metas de financiamento para setores específicos pode facilitar o fluxo para áreas estratégicas.
Nesse contexto, a definição da Taxonomia Sustentável Brasileira de forma robusta e mensurável pode alavancar a atração de recursos voltados à agenda climática. A taxonomia deverá proporcionar uma estrutura de classificação que permitirá maior transparência e rastreabilidade dos investimentos. Ao definir critérios claros sobre o que constitui um investimento sustentável, o Brasil pode ampliar a confiança internacional, atraindo novos fluxos e fomentando a construção de uma economia de baixo carbono e resiliente.
Outras iniciativas vêm sendo adotadas, fazendo uso de conceitos inovadores, com potencial de facilitar a atração de investimentos privados estrangeiros de longo prazo e viabilizar projetos de descarbonização da economia brasileira. Em especial, cabe ressaltar a criação, pelo Governo Federal, em 2024, do Programa de Mobilização de Capital Privado Externo e Proteção Cambial, mais conhecido como Eco Invest Brasil, no âmbito do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC). A iniciativa tem por objetivo facilitar a captação de recursos no exterior por parte de entidades brasileiras para financiamentos sustentáveis e fomentar o desenvolvimento de soluções de proteção cambial (hedge) de longo prazo em moeda estrangeira, mitigando os riscos associados à volatilidade de câmbio.[1]
[1] Para saber mais: Tesouro Nacional. Eco Invest Brasil – Sobre o programa.sd. Data de acesso: 25 de outubro de 2024. bit.ly/4elEv5Q.