Projetos de infraestrutura federais usam territórios estaduais e municipais sem necessariamente consultá-los formalmente sobre a obra que será realizada. Todavia, como qualquer grande obra, estes projetos causam impactos tanto positivos quanto negativos para o território e sua população.
O diálogo com o governo federal é imprescindível para que governos estaduais e municipais desenvolvam ações que evitem ou mitiguem os efeitos negativos de tais projetos ou mesmo compensem populações negativamente afetadas. Entretanto, para que os governos locais possam se posicionar, é fundamental que tenham conhecimento sobre quais obras estão sendo planejadas para seu território, sua governança, sua área de influência e seus potenciais impactos.
Utilizando metodologias desenvolvidas por pesquisadores do Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio), esse estudo realiza um mapeamento detalhado das principais obras federais no setor de infraestrutura terrestre para ocorrer no estado do Pará: EF-170 Ferrogrão e BR-155/158, ainda não iniciadas, e BR-163/230/MT/PA e BR-230, em processo de execução. Esse mapeamento permitirá o governo estadual entender o ciclo desses projetos, seus potenciais impactos e possibilidades de debate com o governo federal. Além de um panorama geral, este documento aborda cada um dos quatro estudos de caso com maior profundidade. O trabalho utiliza duas metodologias básicas: a metodologia de mapeamento do ciclo de projetos para identificação de oportunidades de diálogo com o governo federal e a abordagem de acesso a mercado para identificação da área de influência e impactos previstos dos projetos.[1]
Para apresentar os principais projetos de infraestrutura terrestre federal no estado do Pará, o CPI/PUC-Rio focou (i) na análise do ciclo de vida dos projetos, bem como nos estudos socioambientais, identificando eventuais pontos que podem ser fortalecidos, e (ii) no potencial de desmatamento que cada projeto apresenta.
Mapeamento do Ciclo de Projetos
O primeiro passo para entender um projeto é saber em qual momento do seu ciclo de vida ele se encontra. Nesse sentido, cada projeto é representado em um fluxograma que indica: (i) por quais etapas o projeto irá passar, (ii) por quais etapas ele já passou, (iii) quais são os documentos disponíveis para cada etapa, (iv) qual etapa atual do projeto. O segundo passo é entender quais são os momentos oportunos para o diálogo e com quem dialogar. O terceiro passo é compreender o que abordar em cada momento.
Análise dos Componentes Socioambientais
O CPI/PUC-Rio estudou, também, no contexto do ciclo de vida dos projetos, os critérios empregados para a avaliação dos componentes socioambientais. Para esse fim, analisou, o Termo de Referência (TR) dos Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA), o manual para elaboração de EVTEA do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT), assim como guias internacionais para a verificação de componentes socioambientais de rodovias, segundo os quais dez componentes estão sempre presentes, indicando que são importantes quando da elaboração de estudos.[2],[3],[4],[5],[6],[7],[8]
Análise de Acesso a Mercado
Em uma aplicação inovadora, pesquisadores do CPI/PUC-Rio adaptaram a abordagem de acesso a mercado para quantificar os efeitos da construção de uma rodovia, ferrovia, ou hidrovia sobre desmatamento. A análise identifica infraestruturas de transporte construídas ou aprimoradas ao longo do tempo para determinar custos bilaterais de comércio. Ferramentas de geoprocessamento e informações de fretes de diversos produtos agrícolas são utilizados para gerar dados de custos bilaterais de transporte entre todos os municípios brasileiros e entre os municípios e o porto mais próximo no período de 1990-2010. A análise fornece uma maneira de definir a área de influência e quantificar riscos ambientais muito mais precisa do que é feito atualmente, quando utiliza-se critérios exclusivamente de distância.
Oportunidades de Diálogo com o Governo Federal
O CPI/PUC-Rio elaborou um resumo dos principais momentos ao longo do ciclo de vida dos projetos federais de infraestrutura terrestre que representam oportunidades formais para diálogo com o Governo Federal, indicando qual seria o órgão federal com maior probabilidade de ser o interlocutor e o que abordar nesse diálogo.
BR-155/158 | Em relação às oportunidades para o estado do Pará estabelecer um diálogo com o Governo Federal, considerando que o projeto ainda está em fase inicial, há uma oportunidade para o estado do Pará acompanhar com atenção o andamento do projeto e quais impactos estão sendo identificados pelo EVTEA para, desde já, manifestar-se em relação às demandas do estado. |
FERROGRÃO | Em relação às oportunidades para o estado do Pará estabelecer um diálogo com o Governo Federal, tendo em vista a decisão judicial que suspendeu o processo em razão do questionamento quanto a redução da área do Parque Nacional do Jamanxim, é oportuno que haja diálogo imediato com o Governo Federal para expressar as demandas estaduais. Além disso, embora a análise se encontre suspensa no TCU, há também um questionamento do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU) – que defende que o EVTEA seja devolvido imediatamente à ANTT e que retorne ao órgão de controle apenas quando o empreendimento tiver sua primeira licença ambiental.[9],[10] Assim, paralelamente ao diálogo com o Governo Federal, é oportuno o diálogo imediato com o TCU para que as demandas estaduais também sejam levadas em consideração na análise no eventual retorno do EVTEA à ANTT. |
BR-163/230/MT/PA | Em relação às oportunidades para o estado do Pará estabelecer um diálogo com o Governo Federal, considerando que a BR-163/230/MT/PA já foi leiloada, ou seja, já em fase de implementação, não há mais momentos próprios para discutir o projeto em si, porém a articulação política ainda é possível considerando que os eventuais impactos do projeto permanecem independente do status do projeto. |
BR-230 | Em relação às oportunidades para o estado do Pará estabelecer um diálogo com o Governo Federal, considerando que os editais já estão em execução e, há possibilidade de inclusive já terem sido finalizados, as chances teóricas de um diálogo com o Governo Federal são significativamente reduzidas. Todavia, na prática, a articulação política ainda é possível considerando que os eventuais impactos do projeto permanecem independentes do status do projeto. |
[1] Para saber mais sobre o trabalho e metodologia do CPI/PUC-Rio, acesse a compilação dos estudos sobre infraestrutura sustentável: Climate Policy Initiative. Agenda de Infraestrutura Sustentável. 2021. bit.ly/3skY6g4.
[2] Infra Eco Network Europe. International Guidelines for Ecologically-adapted Linear Infrastructure. 2018.
[3] International Finance Corporation. Environmental, Health, and Safety Guidelines for Railways. 2007.
[4] International Finance Corporation. Environmental, Health, and Safety Guidelines for Toll Roads. 2007.
[5] International Road Federation. Moving Towards Green Road Infrastructure. 2013.
[6] Quintero, Juan D. A Guide to Good Practices for Environmentally Friendly Roads. Latin America Conservation Council, 2016.
[7] World Bank. Roads and the environment, a handbook. 1997.
[8] World Bank. Environmental and Social Framework. 2017.
[9] Daniel Rittner. Ferrogrão enfrenta novo obstáculo no TCU. Valor, 14 de abril de 2021. glo.bo/3CRJtpo.
[10] Apesar de a minuta de contrato de concessão disponibilizada em audiência pública e submetida ao TCU prever que a obtenção da LP será obrigação da concessionária (cláusula 8.1.1). Agência Nacional de Transportes Terrestres. Audiência Pública nº 14/2017. bit.ly/2Ul6obi.