Nesta seção, são apresentadas outras iniciativas de classificação de atividades de uso da terra que não são consideradas taxonomias, pois não constituem sistemas completos de classificação de diversos setores econômicos. Na verdade, trata-se de iniciativas domésticas com foco em atividades agropecuárias ou florestais, com diversos objetivos, mas que, em maior ou menor grau de detalhe, estabelecem critérios de sustentabilidade diretamente aplicáveis ao caso brasileiro. Tais iniciativas servem, portanto, como uma importante base para discussão dos critérios da Taxonomia Sustentável Brasileira:
- Ambitec-Agro (Embrapa)
- APOIA-NovoRural (Embrapa)
- Sistemas, Práticas, Produtos e Processos de Produção Sustentáveis do Plano ABC+ (SPSABC) do Mapa
- Critérios de Sustentabilidade Aplicáveis à Concessão de Crédito Rural da Consulta Pública nº 82/2021 do BCB
- Sistemas Produtivos Ambientalmente Sustentáveis (SPAS) e o Plano Safra (Mapa)
- Programa Carbono + Verde (Mapa)
- Programas Selo Verde e Selo Amazônia (MDIC)
Ambitec-Agro (Embrapa)
O Sistema de Avaliação de Impactos Ambientais de Inovações Tecnológicas Agropecuárias (Ambitec-Agro) é uma iniciativa da Embrapa (Rodrigues, Campanhola e Kitamur 2003). A iniciativa é citada no Plano de Ação da Taxonomia Sustentável Brasileira como uma das referências para se pensar os critérios para as atividades de uso da terra (MF 2023a). Trata-se de um conjunto de 148 indicadores de desempenho socioambiental (agrupados em 27 critérios) para avaliar o impacto na propriedade rural da adoção de tecnologias e práticas de manejo agropecuário. São consideradas tecnologias qualquer inovação agrícola, como novos tipos de manejo, maquinários, cultivo ou sistema de produção. A caracterização do impacto da adoção é avaliada nas seguintes dimensões:
- Uso de insumos e recursos;
- Qualidade ambiental;
- Respeito ao consumidor;
- Emprego;
- Renda;
- Saúde;
- Gestão.
Os dados para formulação dos indicadores são obtidos no campo junto ao administrador do estabelecimento, prescindindo de uma abordagem instrumental e laboratorial. O produtor, de posse dos resultados, pode avaliar quais práticas geram maior impacto no desempenho de sua atividade em cada uma das sete dimensões.[1] Entretanto, a iniciativa não tem o objetivo de avaliar a qualidade ambiental ou de sustentabilidade do empreendimento rural.
O resultado é dependente do estado em que se encontrava o estabelecimento rural antes da adoção de uma determinada prática que se busca avaliar. Nesse sentido, ela não estabelece critérios para avaliar a sustentabilidade de um estabelecimento segundo um determinado padrão, não podendo ser utilizada para fins de certificação ou fiscalização. O método do APOIA-NovoRural, que será apresentado a seguir, foi pensado de forma mais precisa para essa avaliação da sustentabilidade do empreendimento, em relação ao Ambitec-Agro.
O Ambitec-Agro também não apresenta uma lista de critérios considerados sustentáveis segundo alguma definição, mas sim uma avaliação multicritério voltada para avaliar o impacto da adoção de uma tecnologia em uma série de dimensões. Alguns exemplos de aspectos considerados são: mudança no uso da terra, uso de insumos agrícolas, consumo de energia e água, emissões à atmosfera, qualidade do solo e da água, conservação da biodiversidade, geração de renda, segurança alimentar, entre outros.
APOIA-NovoRural (Embrapa)
A ferramenta de Avaliação Ponderada de Impacto Ambiental de Atividades do Novo Rural (APOIA-NovoRural) da Embrapa também é citada no Plano de Ação da Taxonomia Sustentável Brasileira como uma das referências para se pensar sobre os critérios para as atividades de uso da terra (MF 2023a). Ela permite uma análise quantitativa da sustentabilidade de atividades rurais, com objetivo de fazer uma avaliação do desempenho ambiental de um empreendimento agropecuário. São construídos 62 indicadores distribuídos em cinco dimensões de sustentabilidade:
- Ecologia da paisagem;
- Qualidade ambiental;
- Valores econômicos;
- Valores socioculturais;
- Gestão e administração.
Esses indicadores são verificados com dados técnicos dos estabelecimentos rurais, exigindo vistoria em campo, coleta de dados e amostras de solo, análise laboratorial e levantamento de informações junto aos produtores/administradores da propriedade.
O resultado desse processo é um índice geral que reflete as contribuições das atividades para a sustentabilidade do estabelecimento rural analisado. Cada indicador resultante precisa ser comparado com um valor de linha de base para a avaliação do desempenho ambiental.
Quando o valor de um determinado indicador se encontra acima da linha de base, diz-se que existe estabilidade na performance da atividade em relação ao aspecto medido pelo indicador de sustentabilidade.[2]
Diferentemente de outras iniciativas, a ferramenta não propõe uma classificação prévia aplicável a atividades, linhas de financiamento ou práticas agropecuárias definidas de forma ampla. A ferramenta gera indicadores específicos para cada empreendimento e serve principalmente para reorientar processos dentro da gestão da atividade rural, com foco em aspectos ambientais. Nesse sentido, um estabelecimento terá um bom desempenho socioambiental se os indicadores mensurados ficarem acima de um benchmark pré-definido para cada indicador (linha de base).
Exemplos de aspectos considerados são: cumprimento com requerimento de Área de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal (RL), condição de manejo da produção agropecuária, diversidade produtiva, regeneração de áreas degradadas, incidência de doenças endêmicas, risco de incêndio, indicadores de qualidade do ar (ex: presença de partículas de fumaça), da água (ex: coliformes fecais) e do solo (ex: matéria orgânica e erosão), acesso a serviços básicos, renda líquida do estabelecimento, condição de comercialização e disposição de resíduos, entre outros.
A ferramenta cobre um amplo espectro de informações sobre a propriedade rural, o que está em linha com a abordagem de múltiplos objetivos da Taxonomia Sustentável Brasileira, pensada tanto em termos climáticos e ambientais quanto socioeconômicos. A aplicabilidade da metodologia da Embrapa no âmbito da Taxonomia pode estar relacionada à fundamentação de protocolos para certificação de propriedades e práticas a partir de critérios definidos na Taxonomia. Há um desafio em aberto sobre como operacionalizar esse tipo de certificação na escala necessária para orientar os financiamentos para atividades de uso da terra no Brasil.
Sistemas, Práticas, Produtos e Processos de Produção Sustentáveis do Plano ABC+ (SPSABC) do Mapa
O Plano de Adaptação e Baixa Emissão de Carbono na Agricultura (Plano ABC+) é a principal iniciativa governamental para reduzir emissões na agropecuária brasileira. O plano inclui uma série de diretrizes sobre tecnologias consideradas de baixa emissão de carbono, consolidadas bianualmente, a partir de consultas públicas e sistematização de conhecimento técnico sobre o assunto.
O escopo para inclusão de uma tecnologia no rol daquelas preconizadas pelo Plano ABC+ é que ela tenha “comprovada capacidade de adaptação à mudança do clima e mitigação de GEEs, com base em critérios científicos” (Mapa 2021). Ou seja, trata-se de uma classificação com olhar específico para mudança climática, não levando necessariamente em conta outros aspectos ambientais e sociais que fazem parte de uma definição mais ampla de sustentabilidade.
Na versão mais recente (Mapa 2023d), que fundamenta o plano para o horizonte de 2020 a 2030, o plano contempla as seguintes tecnologias:
- Práticas para Recuperação de Pastagens Degradadas (PRPD), incluindo renovação de pastagem (com introdução de nova espécie forrageira);
- Sistema Plantio Direto (SPD), que consiste na adoção conjunta de: mínimo revolvimento do solo,[3] cobertura permanente com plantas vivas ou palhadas, e diversificação de plantas na rotação de cultivos. O plano ABC+ reconhece o uso do SPD para grãos (SPDG) e para hortaliças (SPDH);
- Sistemas de Integração, podendo ser qualquer variação de sistemas de consórcio, rotação ou sucessão entre lavoura, pecuária e floresta — Integração Lavoura-Pecuária (ILP), Integração Lavoura-Floresta (ILF), Integração Pecuária-Floresta (IPF) ou Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) — ou ainda Sistemas Agroflorestais (SAFs), que normalmente incorporam um componente ecológico e de biodiversidade mais explícito;
- Uso de Bioinsumos no lugar de fertilizantes químicos (sobretudo nitrogenados), incluindo a fixação biológica de nitrogênio (FBN) e outros microrganismos promotores do crescimento de plantas (MPCP);
- Sistemas Irrigados (SI), que consistem em sistemas de plantio que utilizam a irrigação de forma sustentável, com manejo correto dos solos, rotação de culturas e obtenção de água de forma legal. Apenas o uso isolado da irrigação não caracteriza a adoção dos SI;
- Florestas Plantadas (FP) para produção comercial ou recuperação de áreas ambientais;
- Manejo de Resíduos da Produção Animal (MRPA), incluindo todos os tipos de resíduos oriundos da produção animal. As principais tecnologias são a biodigestão e a compostagem;
- Terminação Intensiva (TI), que consiste na adoção de regimes de confinamento, semiconfinamento e suplementação ao pasto na fase final da produção de bovinos destinados ao abate.
Esse conjunto de técnicas já é utilizado como base para programas de crédito rural específicos para investimento na transição para uma agropecuária de baixo carbono, como é o caso do Programa de Financiamento a Sistemas de Produção Agropecuária Sustentáveis (Renovagro, antigo Programa ABC+) e de algumas linhas do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) voltadas para Agroecologia, Bioeconomia e Florestas. Na Tabela 10, consideramos apenas esses programas e subprogramas explicitamente relacionados ao Plano ABC+ como alinhados aos SPSABC para fins do exercício de mensuração do alinhamento do crédito rural com sustentabilidade segundo essa iniciativa.
Vale ressaltar que parte dessas práticas já pode ser visualizada e monitorada via satélite, o que pode facilitar a aplicação dos critérios da Taxonomia Sustentável Brasileira, bem como funcionar como critério de priorização no momento de definição dos critérios. Em particular, a plataforma MapBiomas (2023) possui informações sobre classes de vigor de pastagens (para recuperação de pastagens degradadas), florestas plantadas e sistemas de irrigação.[4] O avanço no monitoramento das demais práticas é um desafio para utilização em larga escala dos SPSABC como base para definição dos critérios da Taxonomia.
Critérios de Sustentabilidade Aplicáveis à Concessão de Crédito Rural da Consulta Pública nº 82/2021 do BCB
O BCB é o órgão do governo responsável por supervisionar as instituições financeiras que operam as linhas de crédito rural. As condições específicas para as linhas de crédito estão sujeitas à aprovação do Conselho Monetário Nacional (CMN) e são registradas anualmente no MCR pelo BCB (BCB 2023; Souza, Herschmann e Assunção 2020).
Em setembro de 2020, o Banco Central lançou a dimensão Sustentabilidade de sua Agenda BC#. Duas iniciativas devem ser destacadas: (i) o anúncio do Bureau Verde (hoje chamado de Bureau de Crédito Rural), associado ao sistema do crédito rural com informações de natureza ambiental dos tomadores de empréstimo; e (ii) o intuito de gerar incentivos para tornar o crédito rural mais verde (Souza, Herschmann e Assunção 2020; BCB 2023).
Inicialmente, uma das ações previstas pelo Bureau de Crédito Rural era definir critérios de sustentabilidade nas operações de crédito rural (BCB 2021c), sendo uma das ações do BCB a Consulta Pública nº 82/2021 (BCB 2021a), que propõe uma regulamentação para definir critérios de sustentabilidade aplicáveis às operações de crédito rural. Segundo a proposta de resolução, essas operações podem ser classificadas como crédito rural sustentável se suas informações registradas no Sicor[5] forem equivalentes ao Anexo da Resolução (BCB 2021b). Entretanto, atualmente, essa definição de critérios não está mais prevista no âmbito do Bureau (BCB 2023).
Além disso, de acordo com a proposta de regulamentação da consulta, a classificação das operações como sustentáveis seria condicional à conformidade com uma série de dispositivos legais ou infralegais relativos a questões sociais, ambientais e climáticas. O rol de impedimentos dessa natureza, previstos no MCR, se expandiu consideravelmente desde o anúncio da proposta. Atualmente, a definição de atividades sustentáveis deve estar em linha com os impedimentos previstos no capítulo de “Impedimentos Sociais, Ambientais e Climáticos” do MCR (2-9), criado pela Resolução BCB nº 140/2021 e cuja versão mais atual contempla os requisitos da Resolução CMN nº 5081/2023. A resolução indica não só os requisitos para os imóveis rurais associados às operações de crédito rural como também aponta para quais bases de dados podem ser consultadas para verificação e monitoramento. Após essa resolução, o MCR foi atualizado, passando a impedir a concessão de crédito rural para empreendimentos situados em imóveis rurais que estejam:
- Com Cadastro Ambiental Rural (CAR) suspenso ou cancelado;
- Em sobreposição com Unidade de Conservação (UC);
- Em sobreposição com Terra Indígena;
- Em sobreposição com terras de comunidades quilombolas;
- Em que exista embargo federal ou estadual decorrente do uso econômico de áreas desmatadas ilegalmente;
- Em sobreposição com Florestas Públicas Tipo B (não destinadas);
- Além disso, o tomador de crédito não pode constar no cadastro de empregadores que mantiveram trabalhadores em condições análogas à escravidão.[6]
A proposta de norma apresentada à consulta pública se restringe à identificação de campos do Sicor, nos quais podem ser identificadas informações de alinhamento da operação a práticas sustentáveis. No entanto, ela não especifica uma relação de critérios do Anexo que precisariam ser cumpridos para que determinada operação fosse classificada como sustentável. A proposta tampouco determina um objetivo, benefício ou uso para as operações sustentáveis, seja para a instituição financeira, seja para o tomador do crédito rural.[7] A consulta pública não resultou em uma regulação de fato, e tampouco existe a previsão de publicação de uma norma nesses moldes. Os critérios que constam no documento para consulta pública são apresentados na Tabela 10.
Sistemas Produtivos Ambientalmente Sustentáveis (SPAS) e o Plano Safra (Mapa)
A Secretaria de Política Agrícola (SPA) é a responsável por conduzir o Plano Safra no Mapa, sendo a elaboração de estudos e diagnósticos uma de suas competências (Decreto nº 11.332/2023). Nas últimas três safras, a SPA divulgou uma série de publicações intitulada “Sistemas Produtivos Ambientalmente Sustentáveis (SPAS)”, que tem como objetivo analisar o volume de financiamento via crédito rural para sistemas de bases sustentáveis a partir da Matriz de Dados do Crédito Rural (MDCR) (Mapa 2021b).[8]
- A Secretaria define como SPAS os sistemas produtivos que geram benefícios como:
- Aumento da produtividade (efeito poupa-terra);
- Redução da emissão de gases de efeito estufa;
- Prevenção e recuperação de perdas na produção agropecuária;
- Racionalização do uso dos recursos naturais e de insumos;
- Recuperação e conservação dos solos;
- Melhoria da qualidade e sanidade da produção agropecuária;
- Tratamento de dejetos e resíduos da agricultura;
- Reflorestamento e a recomposição de áreas de vegetação nativa;
- Geração de energia limpa nas propriedades (Mapa 2022).
Os SPAS utilizam uma definição mais ampla de sustentabilidade, que vai além das práticas ABC+, questões climáticas e de proteção florestal, mas não inclui explicitamente questões sociais. Nas publicações, a SPA/Mapa identifica as operações de crédito rural concedido com base nos SPAS a partir dos critérios abaixo, apresentados separadamente, de acordo com a finalidade do crédito.[9] Esses critérios são detalhados na Tabela 10:[10]
Finalidade investimento
i. Linhas de apoio à agricultura de baixa emissão de carbono:
- Renovagro (Programa ABC+);
- Pronaf: subprogramas Floresta (ABC+), Agroecologia (ABC+), Semiárido (ABC+) e Bioeconomia (ABC+).
ii. Linhas de apoio às práticas sustentáveis:
- Programa de Financiamento à Agricultura Irrigada e ao Cultivo Protegido (Proirriga);
- Programa de Modernização da Agricultura e Conservação dos Recursos Naturais (Moderagro): subprograma Recuperação de Solos;
- Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos Associados e Colheitadeiras (Moderfrota);
- Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica na Produção Agropecuária (Inovagro);
- Programa para Construção e Ampliação de Armazéns (PCA); e
- Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé): subprograma Recuperação de Cafezais Danificados.
iii. Finalidade Investimento e Custeio
Outras contratações ambientalmente sustentáveis: produtos que poderiam ter sido financiados por meio das linhas mencionadas nas categorias i e ii. Esses produtos são selecionados a partir da lista de produtos registrados no Sicor, sendo selecionados a partir da maior afinidade com os programas/subprogramas indicados nas categorias i e ii.
A seleção das linhas de apoio à agricultura de baixa emissão de carbono está alinhada a critérios climáticos, pois são linhas estabelecidas com o objetivo de apoiar o setor agropecuário a alcançar as metas climáticas das NDCs. Entretanto, para os outros dois critérios de seleção (ii e iii), não existe especificação de quais seriam os benefícios a partir da lista dos SPAS gerados pela contratação de crédito rural.
No que se refere ao ponto ii, é importante destacar que nem todos os programas elencados foram desenhados com fins de promover a sustentabilidade ambiental. Por exemplo, Proirriga inclui o financiamento de itens inerentes aos sistemas de irrigação em geral, não considerando se a prática de irrigação contribui com esforços de mitigação ou adaptação ao clima/manutenção de estoque de carbono ou se o uso da irrigação gera efeitos negativos
de disponibilidade de água. Mesmo para programas como o Moderfrota e o PCA, ainda que possam gerar efeitos positivos do ponto de vista ambiental, não há garantia a priori de que esse será o caso, dado que não são programas desenhados especificamente para esse fim.
Além disso, ainda que operações associadas a práticas sustentáveis possam ser financiadas a partir de linhas de crédito que não possuem esse fim explicitamente, existem alguns riscos em se adotar esse critério de afinidade a partir dos produtos. O critério utilizado pelos SPAS considera parâmetros fixos para medir essa afinidade. Considere o exemplo de culturas como soja e milho, segundo esse critério, 78,9% de todas as contratações de crédito rural para esses produtos são consideradas SPAS devido à afinidade ao subprograma ABC – Plantio Direto.[11] Esse parâmetro é calculado a partir da relação entre a área de plantio direto de 33,1 milhões de hectares (levantada no Censo Agropecuário de 2017 do IBGE) sobre a área total de plantio agrícola de 41,9 milhões de hectares.[12] Esse parâmetro é o mesmo para todos os anos, o que significa que, para cada safra analisada, mais de três quartos de todas as operações de crédito para esses produtos será sempre considerada sustentável para a metodologia dos SPAS.
Vale destacar que esses produtos correspondem a uma parte muito relevante do crédito rural no Brasil. Para se ter uma ideia, o financiamento de custeio e investimento para soja e milho representam 27% do valor total do crédito rural concedido na safra 2022/23.[13] Além disso, os mesmos produtos dentro de contratos do Renovagro, antigo Programa ABC+, por exemplo, devem ser produzidos segundo uma série de critérios que devem constar em um projeto técnico, algo que não necessariamente será demandado em outras linhas de financiamento.
Programa Carbono + Verde (Mapa)
O Programa Nacional de Cadeias Agropecuárias Descarbonizadas (Programa Carbono + Verde) é conduzido pela Secretaria de Inovação, Desenvolvimento Sustentável, Irrigação e Cooperativismo (SDI) do Mapa. O programa apresenta diretrizes, orientações, conceitos, requisitos e critérios para a concessão do Selo Carbono + Verde. O selo é uma certificação voluntária, que, por meio de uma avaliação de conformidade, estabelece critérios para a produção e comercialização de créditos de carbono para produtos primários agropecuários (alimentos, grãos, fibras e energia). O programa destina-se aos produtos que utilizem sistemas ou tecnologias cientificamente reconhecidas e validadas como mitigadoras e reduzam suas emissões de GEEs.
O programa tem como objetivos principais: promover a sustentabilidade do setor agropecuário, garantir a competitividade e facilitar o acesso dos produtos certificados ao mercado nacional e global e orientar o mercado sobre o tema. Em seu primeiro ciclo, priorizará 13 cadeias produtivas: açaí, algodão, arroz, borracha, cacau, café, pecuária de corte, erva-mate, leite, milho, soja, trigo e uva (Mapa 2023b).
O desenvolvimento dessa iniciativa tem cunho participativo. Os critérios para avaliação de conformidade, habilitação e elegibilidade deverão considerar os sistemas produtivos e as tecnologias de baixa emissão de carbono do Plano ABC+, assim como as peculiaridades de cada cadeia de produção agropecuária incluída pela iniciativa. Esses critérios e as ferramentas de gestão para o monitoramento e avaliação do programa serão estabelecidos pelo Mapa a partir de três dimensões:
- Ambiental;
- Transparência; e
- Social e trabalhista.
Em 2023, o Mapa realizou uma consulta pública para receber contribuições da sociedade para o Programa Carbono + Verde. Entretanto, ainda não foram publicadas informações adicionais sobre a operacionalização do Programa (Mapa 2023a). Para entrar em vigor, é necessário publicar normativo que o estabeleça formalmente.
Apesar de abranger um escopo similar ao da Taxonomia Sustentável Brasileira, incluindo aspectos ambientais, econômicos e sociais, o programa não foi mencionado explicitamente no Plano de Ação da Taxonomia. É importante que a certificação fornecida pelo programa esteja em linha com os futuros critérios da taxonomia.
Programas Selo Verde e Selo Amazônia (MDIC)
Em 2023, o governo federal, através do MDIC divulgou propostas para estabelecer programas de certificação de produtos e serviços brasileiros com foco em sustentabilidade ambiental e social: (i) o Programa Selo Verde; e (ii) o Programa Selo Amazônia. As propostas de decreto que estabelecem as iniciativas foram colocadas em consulta pública pela Secretaria de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do MDIC. Para entrar em vigor, é necessário publicar ato normativo que estabelece o Programa.
Os dois programas estabelecem selos de certificação voluntária, com o objetivo de promover a sustentabilidade ambiental, garantir a competitividade e facilitar o acesso dos produtos certificados ao mercado nacional e global.
O Programa Selo Verde tem como objetivo “estabelecer e desenvolver uma estratégia nacional de certificação para o reconhecimento de produtos e serviços brasileiros que comprovadamente possuem ciclo de vida socio-ambientalmente responsável e que atendem aos requisitos de sustentabilidade exigidos pelos principais mercados globais” (MDIC 2023a). De acordo com o MDIC, o programa pretende unificar e harmonizar, na certificação do Selo Verde, a comprovação de que exportadores brasileiros cumprem normas, padrões e regulamentos ambientais dos principais mercados internacionais. O programa pretende agir como um “passaporte para exportar”, simplificando o processo para os exportadores brasileiros, que passariam a contar com o Selo Verde Brasil, uma certificação voluntária de terceira parte.
Já o Programa Selo Amazônia tem como finalidade desenvolver uma estratégia nacional de normalização e avaliação da conformidade para o reconhecimento e promoção de bioprodutos e serviços da Amazônia Legal produzidos ou prestados de forma socioeconômica e ambientalmente sustentável (MDIC 2023b). Esse Programa também estabelecerá uma certificação voluntária de terceira parte. Esse Programa também terá a função de contribuir para o desenvolvimento de critérios e requisitos mínimos para a normalização técnica de bioprodutos e serviços da Amazônia.
O desenvolvimento de cada um dos programas será participativo. Cada programa terá um comitê gestor, composto por órgãos públicos e entidades privadas, para apoiar o desenvolvimento de critérios da norma técnica brasileira para certificar os produtos e serviços considerados. As empresas certificadoras do Selo Verde e do Selo Amazônia devem ser acreditadas pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e seguir as normas técnicas determinadas para os selos pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
As consultas públicas para enviar contribuições para o texto do decreto para instituir os programas foram encerradas em dezembro de 2023 e, de acordo com o MDIC, os critérios devem ser estabelecidos em 2024 (MDIC 2023c). Na proposta de decretos, não há menção explícita à Taxonomia Sustentável Brasileira, e o Plano de Ação também não menciona essas duas iniciativas. É importante que essas certificações também estejam em linha com os futuros critérios da Taxonomia.
[1] A planilha para inserção das informações e geração dos indicadores pode ser baixada em Embrapa (2015a).
[2] A planilha para inserção das informações e geração dos indicadores pode ser baixada em Embrapa (2015b).
[3] Apenas a prática de mínimo revolvimento de solo, chamada apenas de “Plantio Direto” ou “Semeadura Direta” (PD/SD), não garante a adoção do SPD, que deve seguir os três princípios da agricultura conservacionista. Segundo o Mapa (2021), menos de 15% da área de lavoura que adota PD/SD adota integralmente o conceito de SPD.
[4] A plataforma ainda apresenta limitações para análise no nível da propriedade, uma vez que, em alguns casos, a unidade de análise (pixel) da imagem de satélite corresponde a uma área maior do que muitas propriedades rurais.
[5] Campos informados: subprograma, sistemas de produção (tipo de agricultura, tipo de integração/consórcio, tipo de cultivo/exploração, tipo de irrigação), modalidade, produto financiado e variedade.
[6] Relação disponibilizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE 2023).
[7] Recentemente, o anúncio do Plano Safra 2023/24 previu um desconto de 0,5 ponto percentual na taxa de juros para operações de crédito que comprovarem utilização de práticas sustentáveis (Mapa 2023c). Apesar de essa ser uma possível forma de utilizar a definição de critérios, a partir dos campos do Sicor, para identificar tais práticas, o anúncio ainda não se transformou em uma regulamentação de fato.
[8] Os dados coletados são referentes ao crédito rural concedido para as finalidades custeio e investimento.
[9] O crédito rural possui quatro finalidades: custeio, investimento, industrialização e comercialização.
[10] Levantamento realizado a partir da versão mais recente da publicação (Mapa 2022).
[11] Os produtos considerados com afinidade ao subprograma “ABC – Plantio Direto” são: algodão, amendoim, arroz, aveia, azevém, canola, centeio, cevada, feijão, girassol, milheto, milho, soja, sorgo, trigo, trigo sarraceno/mourisco e triticale.
[12] O número considerou apenas culturas de 1ª safra, dado que as de 2ª e 3ª safras e de inverno, que totalizam cerca de 19,7 milhões de hectares, são plantadas nas áreas de 1ª safra.
[13] O montante de crédito rural destinado às finalidades de custeio (e investimento) para o milho e a soja aumentou de 24,7% na safra 2015/16 para 26,9% na safra 2022/23.