Entre 2015 e 2020, instrumentos de gestão de risco agropecuário totalizaram R$ 4,0 bilhões/ano em financiamento climático. Esses instrumentos representam o principal mecanismo de adaptação climática por aumentarem a resiliência das atividades agropecuárias e diminuírem a vulnerabilidade a eventos climáticos que geram perdas da produção, como chuvas excessivas e secas.[1]
Assim como o crédito rural, a gestão de risco agropecuário é incentivada por políticas públicas. Atualmente, os principais programas brasileiros nessa área são o PSR, o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), o Garantia-Safra e a Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM).[2] Esses programas possuem diferentes formas de operacionalização, objetivos e públicos-alvo.
A participação das fontes de recursos públicas e privadas nos instrumentos para gestão de risco considera os recursos dos diferentes atores nas políticas mencionadas. O prêmio pago por produtores para a contratação de um instrumento de gestão de risco agropecuário é considerado um recurso privado. Portanto, o financiamento climático privado incluiu tanto o prêmio pago pelos produtores para a contratação do seguro rural (R$ 1,9 bilhão/ano) quanto o valor para adesão ao Proagro (R$ 548 milhões/ano).[3] Dessa forma, aproximadamente R$ 2,4 bilhões/ano dos recursos foram provenientes de fontes privadas, o que corresponde a 60% do financiamento climático via instrumentos de gestão de risco agropecuário no período.
Os recursos públicos para instrumentos de gestão de risco totalizaram R$ 1,6 bilhão/ano e incluíram os gastos do governo federal para operacionalização do PSR (R$ 482 milhões/ano),[4] Proagro (R$ 651 milhões/ano) e Garantia-Safra (R$ 467 milhões/ano).
O objetivo do PSR é apoiar produtores rurais na mitigação de riscos associados à atividade agrícola e assegurar a capacidade de recuperação financeira em casos de eventos climáticos adversos (Souza e Assunção 2020). O PSR é administrado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e, através desse programa, o governo federal subsidia o custo de aquisição da apólice do seguro rural contratada por produtores junto a seguradoras privadas (Souza, Pereira e Stussi 2022).
O Proagro, por sua vez, exonera os produtores do cumprimento de obrigações financeiras em operações de crédito rural de custeio e indeniza-os pelos recursos próprios utilizados com despesas operacionais da produção, em caso de perdas decorrentes de eventos climáticos. As instituições financeiras são responsáveis pela parte operacional do programa, mas os riscos são assumidos pela União, uma vez que as indenizações do programa são pagas com recursos públicos (Souza, Pereira e Stussi 2022).[5] Dessa forma, este trabalho contabilizou como recurso público as indenizações pagas pelo governo federal no âmbito do Proagro, que totalizaram, em média, R$ 651 milhões/ano no período analisado.
Figura 6. Financiamento Climático para Gestão de Risco Agropecuário por Tipo e Origem do Recurso, 2015-2020
Nota: Os valores referem-se à média anual, deflacionados pelo IPCA, tendo como referência dezembro de 2020. A taxa adicional é similar ao “prêmio” pago na contratação de um seguro. No Proagro essa taxa é calculada como uma alíquota do valor total a ser coberto pelo Proagro (BCB 2022).
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Sicor BCB, Siop/MPO, Mapa e SES/Susep, 2023
O Garantia-Safra é uma política pública de apoio à agricultura familiar na região semiárida brasileira e está integrada à linha de crédito rural Pronaf. O seu pagamento é um benefício condicional para produtores residentes em municípios que, comprovadamente, tenham sofrido perdas de safra devido a eventos de seca ou excesso de chuvas.[6] A criação e manutenção do Fundo Garantia-Safra possibilita o pagamento aos beneficiários com base nas contribuições dos produtores — uma pequena taxa de adesão — e do governo federal, estabelecidas anualmente pelo Comitê Gestor do Fundo. O governo federal é o garantidor do fundo, sendo que, no caso de não haver recursos suficientes no fundo para cobrir o montante a ser pago aos beneficiários, ele deve complementar o valor necessário (Souza, Herschmann e Assunção 2020). As contribuições do governo federal ao Fundo Garantia-Safra totalizaram R$ 467 milhões/ano no período de 2015 a 2020.[7]
RISCO AGROPECUÁRIO E MUDANÇAS CLIMÁTICAS
A agropecuária é extremamente vulnerável às mudanças climáticas. A sensibilidade das culturas, pecuária e pesca à temperatura, disponibilidade de água e eventos climáticos extremos colocam em risco os rendimentos, os ganhos históricos de produtividade e os próprios agricultores (Sadler 2016).
Os riscos da atividade agropecuária têm se intensificado nos últimos anos. Secas e outros eventos climáticos cada vez mais frequentes vêm gerando perdas significativas na produção. O aumento da sinistralidade faz crescer o montante de indenizações e, consequentemente, as despesas do governo e das seguradoras. Ao mesmo tempo, as perdas volumosas de produção podem levar os produtores a buscar mais ajuda governamental (Souza, Pereira e Stussi 2022; Souza, Stussi e Oliveira 2022).
Nesse contexto, os instrumentos de gestão de riscos agropecuários são cada vez mais importantes, pois contribuem tanto para aumentar a resiliência dos produtores às mudanças climáticas como para incentivar o investimento na adoção de práticas sustentáveis (Chiriac, Naran e Falconer 2020). De fato, instrumentos inadequados de gerenciamento de risco podem conduzir a um subinvestimento na agricultura e, consequentemente, a uma produção menos eficiente, gerando impactos adversos para o uso da terra e pressionando as florestas (Souza, Pereira e Stussi 2022).
Portanto, as políticas públicas devem ser efetivas na promoção do aumento de produtividade, da adoção de novas tecnologias e de melhores práticas agrícolas. Além disso, é importante direcionar recursos para produtores rurais de regiões mais vulneráveis a eventos climáticos extremos, garantindo, assim, uma melhor cobertura dos riscos.
[1] A análise inclui apenas os fluxos financeiros para gestão de risco agropecuário com cobertura exclusivamente relacionada a riscos climáticos, como chuvas excessivas, seca, variação extrema de temperatura, granizo, geada, ventos fortes e ventos frios, doenças e pragas, entre outros. Portanto, apenas um subconjunto das apólices de seguro rural está contabilizado nos números apresentados, não incluindo, por exemplo, a modalidade seguro de vida do produtor. Ver Apêndice II.
[2] A PGPM é uma política focada em corrigir distorções de preços dos produtos agropecuários e, portanto, não tem relação direta com a ocorrência de eventos climáticos. Sendo assim, essa política não foi incluída no mapeamento de financiamento climático deste trabalho.
[3] Os fluxos privados de seguro rural indicam a soma dos prêmios líquidos pagos pelos produtores, que foram calculados pelos valores totais das apólices descontadas dos valores dos subsídios via PSR. Além disso, também foi contabilizado o valor total dos prêmios pagos por produtores para apólices de seguro rural sem PSR.
[4] Os fluxos de PSR analisados cobrem os seguros agrícolas e florestais.
[5] As instituições financeiras que operam crédito rural têm um papel central na provisão de seguros do Proagro.
[6] O Garantia-Safra é um benefício condicional para promover uma segurança mínima para a sobrevivência da população. Para receber o benefício, os produtores devem (i) ter renda familiar mensal de até 1,5 salário mínimo; (ii) cultivar entre 0,6 e 5 hectares de algodão, arroz, feijão, mandioca ou milho ou outras atividades agrícolas definidas pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA); (iii) e residir em município, seja na área de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) ou no estado do Espírito Santo conforme a Lei no 9.690/1998, que comprovadamente tenha perdido pelo menos 50% do conjunto da produção do grupo de culturas devido à seca ou ao excesso de chuvas.
[7] As contribuições municipais e estaduais não foram contabilizadas nos fluxos apresentados, pois exigiria um esforço adicional de dados que não foram incluídos no escopo deste trabalho.