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Introdução

O combate às mudanças climáticas e à perda de natureza exige uma mudança significativa na alocação dos recursos financeiros. Os bancos centrais e os reguladores financeiros podem desempenhar um papel crucial na orientação dos bancos e dos investidores rumo à transição para uma economia de baixo carbono e positiva para a natureza. Para garantir que os investimentos estejam alinhados a objetivos sociais, ambientais e climáticos, tais autoridades financeiras devem utilizar uma série de ferramentas, que incluem medidas e políticas estratégicas, instrumentos financeiros inovadores, quadros políticos e incentivos concebidos para canalizar os fluxos financeiros para projetos sustentáveis. Simultaneamente, precisam atualizar as suas metodologias de avaliação de riscos para integrar de forma abrangente os diversos riscos e impactos das mudanças climáticas e da perda de natureza no sistema financeiro.

Dotado de ecossistemas vastos e biodiversos, o Brasil enfrenta um desafio premente para mitigar as emissões e deter a perda de natureza. Historicamente, o país tem testemunhado rápidas mudanças no uso da terra associadas ao desmatamento, particularmente na floresta amazônica, e à conversão de outros ecossistemas naturais não florestais, incluindo formações de savana e pastagens, notadamente no Cerrado. Ao longo dos anos, os governos federal e estadual têm implementado várias iniciativas para lidar com esse problema, incluindo legislação e regulamentos ambientais, intervenções políticas e colaborações internacionais.

O Banco Central do Brasil (BCB) juntou-se a esses esforços, desempenhando recentemente um papel crucial na orientação do setor financeiro para o financiamento sustentável. Em 2020, o BCB incluiu uma dimensão de Sustentabilidade em sua Agenda BC#. A iniciativa alinha-se com a tendência global de interesse regulatório nas mudanças climáticas, reconhecendo-as não apenas como uma preocupação social e ambiental, mas também como um risco para a estabilidade financeira. No âmbito desta agenda, o BCB estabeleceu parcerias importantes, aderindo à Rede de Bancos Centrais e Supervisores para um Sistema Financeiro Mais Verde (Network for Greening the Financial System -NGFS) e apoiando a Força-Tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas às Mudanças Climáticas (Task Force on Climate-related Financial Disclosures – TCFD). Além disso, o BCB deu passos significativos na avaliação e gestão de riscos sociais, ambientais e climáticos. O BCB também adotou uma estratégia setorial específica, com ênfase no crédito rural. Isso é relevante tendo em vista que as emissões no Brasil estão predominantemente associadas à mudança no uso da terra e ao setor agropecuário. As medidas envolvem regulamentos para alinhar o financiamento agropecuário às metas de sustentabilidade, restringindo o acesso ao crédito rural para os agricultores que não cumprem os critérios ambientais. A abordagem do BCB está comprometida com a promoção de uma economia de baixo carbono e com o combate ao desmatamento em múltiplas frentes, reforçando sua posição como pioneiro na interseção entre finanças e conservação ambiental.

Para entender os esforços do BCB no combate ao desmatamento e à conversão, pesquisadores do Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio) realizaram um estudo abrangente sobre as iniciativas de sustentabilidade do banco. O trabalho analisa os desafios, o marco regulatório e os possíveis impactos dessas medidas no cenário ambiental brasileiro. Este estudo oferece uma compreensão diferenciada sobre o papel central do BCB na luta contra o desmatamento, fornecendo insights que ressoam não apenas em nível nacional, mas também nos diálogos globais mais amplos sobre finanças sustentáveis. Além disso, propõe recomendações estratégicas para avançar a agenda de sustentabilidade e sinaliza as lacunas que ainda precisam ser preenchidas.

O presente relatório segue esta estrutura: a seção 2 descreve a metodologia de pesquisa; a seção 3 contextualiza historicamente o desmatamento e a conversão no Brasil, explorando seus determinantes e estratégias de enfrentamento, e apresenta o contexto institucional, legal e político nacional; a seção 4 detalha as ações e medidas regulatórias do BCB para o sistema financeiro nacional, com foco especial no crédito rural; a seção 5 consolida insights sobre o nexo entre finanças e conservação ambiental; e, por fim, a seção 6 aponta lacunas remanescentes e passos futuros.

Sobre o Desmatamento e a Conversão

Em português, é comum usar o termo “desmatamento” para se referir tanto à remoção de floresta natural como à conversão de ecossistemas. No entanto, quando se trata da conversão de ecossistemas não florestais, o termo “desmatamento” não é o mais adequado. Para este estudo de caso, estamos empregando as seguintes definições:

Desmatamento: Redução permanente do coberto arbóreo abaixo do limiar mínimo de 10%. Inclui áreas de floresta convertidas em agricultura, pastagem, reservatórios de água, minas e áreas urbanas. Exclui as áreas onde as árvores foram removidas como resultado do abate e onde se espera que a floresta se regenere naturalmente ou com o auxílio de medidas silvícolas.

Para o caso do Brasil, é relevante mencionar que se estima que aproximadamente 95% de todo o desmatamento na Amazônia e conversão no Cerrado, considerando a região do Matopiba[1] (incluindo o estado do Tocantins e partes dos estados do Maranhão, Piauí e Bahia) é ilegal (Valdiones et al. 2021). Esses dois biomas respondem por 82% do desmatamento total do Brasil (TerraBrasilis 2023a).

Conversão: A conversão de ecossistemas refere-se ao processo de transformação de um tipo de ecossistema em outro, muitas vezes com alterações significativas na sua estrutura, composição e funções ecológicas. Esta conversão pode resultar de atividades humanas, processos naturais ou uma combinação de ambos. A conversão de ecossistemas está frequentemente associada a atividades humanas como a agropecuária, a urbanização, o desenvolvimento industrial e a construção de infraestruturas. A conversão de ecossistemas também pode ocorrer naturalmente ao longo do tempo devido a alterações ambientais, como mudanças climáticas ou eventos geológicos. Por exemplo, à medida que uma região transita de um clima úmido para condições áridas, o ecossistema pode converter-se naturalmente de uma área florestal para um deserto.

Metodologia

Este relatório examina as iniciativas do BCB para combater o desmatamento e a conversão. A abordagem foi concebida para garantir uma compreensão completa do panorama regulatório das ações do BCB, bem como de suas lacunas e desafios.

Este estudo envolve uma extensa revisão da literatura, examinando publicações acadêmicas, documentos de políticas públicas e relatórios relacionados às políticas e resoluções do BCB sobre desmatamento e conversão. Essa revisão fornece um contexto histórico, traçando a evolução das medidas regulatórias e seu impacto sobre as práticas de desmatamento e conversão.

Além disso, esta investigação fornece dados empíricos sobre a eficácia das políticas públicas e das medidas do BCB. Isso inclui um foco em resultados e análises disponíveis em domínio público, propiciando uma avaliação baseada em dados sobre o impacto das políticas e ações.

O contato direto com os principais departamentos do BCB foi fundamental para a obtenção de informações em primeira mão. As discussões com os funcionários do BCB oferecem uma dimensão qualitativa ao estudo, fornecendo perspectivas sobre a implementação prática, os desafios enfrentados e os resultados das iniciativas regulamentares.

Além disso, a análise incorporou uma revisão de documentos oficiais. Isso incluiu o exame de resoluções do BCB e do Conselho Monetário Nacional (CMN), além de consultas públicas, instruções normativas, circulares e relatórios, como os Relatórios de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticos do BCB. Essa análise ajuda a entender as estruturas formalizadas, os marcos regulatórios e os resultados das iniciativas do BCB.

Esta metodologia multifacetada visa proporcionar uma compreensão abrangente das iniciativas do BCB relativas ao desmatamento e à conversão. A integração de evidências empíricas aumenta a profundidade do estudo e contribui para a análise do papel desempenhado pelo BCB na interseção entre finanças e conservação ambiental.

Leia o relatório completo


Este estudo de caso é coproduzido e financiado pela Iniciativa “Greening Financial Regulation” do WWF.

Os autores gostariam de agradecer a Wagner Oliveira, Natalie Hoover El Rashidy e o Banco Central do Brasil pelos comentários e sugestões, Rogério Reis pela assistência à pesquisa, Maud Abdelli, Pablo Pacheco, Verónica Robledo Vallejo, Maxime Garde, Fabricio Campos, Rariany Monteiro e Carolin Carella pelo trabalho de edição e revisão do texto e Meyrele Nascimento pelo trabalho de design gráfico.


[1] Matopiba é o acrônimo dos estados do Maranhão (MA), Tocantins (TO), Piauí (PI) e Bahia (BA).

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