O desmatamento da Floresta Amazônica aumentou consideravelmente nos últimos anos, promovendo impactos ambientais, sociais e econômicos, não só no nível local, mas também nacional e mundial. As ações de monitoramento, fiscalização e responsabilização por infrações ambientais possuem um papel fundamental no combate ao desmatamento.[1] Assim, o procedimento de apuração dos ilícitos ambientais é um elemento chave no enfrentamento do desmatamento ilegal e torná-lo mais eficaz é fundamental.
Em abril de 2019, o governo editou o Decreto nº 9.760, alterando o procedimento de apuração das infrações ambientais, criando a etapa de conciliação ambiental, anterior à etapa de julgamento do auto de infração. Esta inovação foi acompanhada por grandes mudanças na governança e por alterações consecutivas na regulamentação do procedimento sancionador do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Em publicação recente, pesquisadoras do Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio) examinaram, em detalhe, todas estas mudanças e concluíram que há falhas graves nesta nova sistemática, que podem ter um impacto significativo na política de combate ao desmatamento na Amazônia.[2]
Nesta publicação, que é fruto de uma parceria técnica entre o CPI/PUC-Rio e o WWF-Brasil, é dado um passo à frente para compreender as implicações e os desafios destas alterações na prática. Para tanto, foram levantados e analisados os autos de infração e termos de embargo aplicados pelo Ibama, relativos ao desmatamento na Amazônia, nos últimos 13 anos (agosto de 2008 a maio de 2021). Além disso, também foram examinados os processos administrativos referentes às 10 maiores multas e 15 maiores áreas desmatadas nesse período. Por fim, dados das audiências de conciliação ambiental, relativas às infrações por desmatamento, que passaram a vigorar em outubro de 2019, também foram objeto de análise e avaliação pela equipe.
Esta publicação traz os principais resultados dessa pesquisa e recomendações para o aprimoramento de políticas públicas de combate ao desmatamento na Amazônia.
DESTAQUES
– As trajetórias referentes à aplicação de sanções administrativas associadas ao desmatamento na Amazônia revelam um padrão de enfraquecimento das ações de controle ambiental a partir de 2015, com sinais de agravamento desde 2019. O desmatamento apresentou tendência de aumento durante esse período, com expressiva aceleração também desde 2019. Enquanto o desmatamento aumentava, as ações de controle do Poder Público diminuíam.
– A quase totalidade (98%) dos 1.154 autos de infração lavrados após 8 de outubro de 2019, quando o governo mudou as regras em vigor e instituiu a audiência de conciliação ambiental como etapa obrigatória do processo administrativo, estava paralisada quando da conclusão da pesquisa, em 6 de maio de 2021. A razão central para essa paralisação de mais de um ano e meio na atividade punitiva do Estado foi a incapacidade do Ibama em cumprir com as novas regras estabelecidas, ou seja, realizar as audiências de conciliação. Essa situação não só aumenta a sensação de impunidade na Amazônia, ao tornar ainda mais moroso o processo e aumentar o risco de prescrição da multa, como demonstra que não houve qualquer preparação administrativa para que o órgão pudesse aplicar as novas regras a ele impostas, o que denota um grave problema em termos de gestão pública.
– Nem mesmo os casos mais graves de desmatamento escaparam da morosidade habitual do processo administrativo no Ibama. Apenas 4 dos 17 processos administrativos relativos às maiores áreas desmatadas ou com maiores multas aplicadas nos últimos 13 anos chegaram à etapa de trânsito em julgado administrativo. Nesses quatro casos, as multas foram confirmadas, mas não foram pagas e são objeto de processo judicial de execução fiscal.
– A publicação no Portal de Dados Abertos do Ibama de dados referentes a autos de infração e termos de embargo é fundamental para dar transparência às ações de controle ambiental. As informações disponibilizadas, contudo, apresentam importantes limitações. Além da ausência de uma documentação robusta (metadados), há falhas relevantes no preenchimento dos dados. A partir de agosto de 2019, desaparecem informações referentes à extensão geográfica de autuações e embargos, o que impossibilita a identificação e o cálculo sobre as áreas autuadas e embargadas em anos recentes. Ainda que servidores do Ibama tenham se mostrado extremamente empenhados em sanar as dúvidas decorrentes dessas questões, a consolidação de boas práticas para a sistematização e publicação de dados traria ganhos de eficiência e transparência à atuação da autarquia.
– As informações processuais referentes aos autos de infração por desmatamento não estão disponíveis à sociedade. Não é possível identificar o andamento processual nem ter acesso aos documentos relevantes, a menos que haja autorização do Ibama, após solicitação expressa através de uma petição pedindo o ingresso de um advogado ao processo. Manter este procedimento impossibilita o acompanhamento sistemático dos processos e impede que a sociedade civil tenha conhecimento das informações.
RECOMENDAÇÕES
– Regulamentar de forma mais efetiva a etapa de conciliação ambiental. Qualquer alteração das regras que modifique o rito administrativo deve ser precedida de uma análise de impacto regulatório e o órgão deve ter recursos humanos e técnicos capazes de implementar efetivamente as alterações pretendidas. O sucesso da conciliação ambiental depende de regras claras e exequíveis para o agendamento das audiências de conciliação e técnicos em número suficiente para o bom funcionamento dos Núcleos de Conciliação Ambiental nos estados.
– Elaborar uma estratégia capaz de solucionar os problemas com a notificação dos mais de 900 autos de infração, que se encontram paralisados, para que as audiências de conciliação sejam realizadas o mais rapidamente possível.
– Identificar todos os autos de infração em que houve renúncia tácita das audiências de conciliação, por falta de manifestação expressa, e promover imediatamente a instrução processual para julgamento em primeira instância, diminuindo o risco de prescrição e evitando a percepção de impunidade.
– Priorizar o andamento dos 13 processos administrativos relativos às maiores áreas desmatadas e maiores multas aplicadas por desmatamento ilegal ocorridos na Amazônia desde 2008, os quais totalizam R$ 386 milhões[3] em multas e 377 mil hectares de florestas ilegalmente desmatadas ou queimadas.
– Diagnosticar as causas para a demora excessiva nos processos administrativos por desmatamento na Amazônia e elaborar estratégias capazes de aprimorar as ações de combate ao desmatamento.
– Adotar boas práticas para a sistematização e publicação de dados. Sanar as questões levantadas nesse documento reafirmaria e fortaleceria o compromisso do Ibama com a transparência da informação e o acompanhamento de seu trabalho por parte da sociedade.
Enfraquecimento do Controle Ambiental e Escalada do Desmatamento
O desmatamento na Amazônia constitui prática predominante ilegal.[4],[5] Nesse contexto, ações efetivas de controle ambiental são essenciais para combater a perda florestal. De fato, a evidência empírica mostra que o monitoramento e a fiscalização ambiental desempenharam papel central na acentuada queda na taxa de desmatamento observada entre 2004 e 2012, quando a velocidade da perda florestal caiu de 27.700 km2 por ano para 4.600 km2 (Figura 1).[6] Isso se deu, em grande parte, devido ao fortalecimento do arcabouço para controle ambiental na Amazônia. Durante esse período, houve expressiva melhora na capacidade de detecção do ilícito ambiental, graças ao desenvolvimento de um sistema de monitoramento em tempo quase real que usa imagens de satélite para identificar a perda florestal recente. Além disso, importantes mudanças legislativas trouxeram maior segurança jurídica aos processos de aplicação da lei ambiental.
Figura 1. Taxa de Desmatamento na Amazônia Legal (2002 – 2021)
Nota: O valor de 2021 corresponde à prévia da taxa de desmatamento PRODES divulgada em 19/11/2021 e ainda está sujeita a alterações. Os valores dos demais anos representam a taxa de desmatamento consolidada.
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados de INPE, 2021[7]
Desde 2012, contudo, a tendência de queda deu lugar à retomada do desmatamento na Amazônia. Esse cenário veio acompanhado de um enfraquecimento das ações de controle ambiental. As trajetórias recentes de sanções administrativas aplicadas pelo Ibama na Amazônia servem como um indício disso (Figura 2). Atualmente, o número anual de autos de infração lavrados pelo Ibama que podem ser diretamente associados ao desmatamento na Amazônia representa menos de um terço do nível de 2015. A redução no número de áreas embargadas pelo Ibama foi ainda mais drástica, caindo mais de 90% em relação ao seu pico em 2013.
Figura 2. Número de Sanções Aplicadas pelo Ibama na Amazônia (2009 – 2021)
Nota: As séries contemplam as sanções aplicadas em qualquer município total ou parcialmente dentro do bioma Amazônia entre 1º de agosto de 2008 e 31 de julho de 2021, que constavam nas bases de dados disponibilizadas no Portal de Dados Abertos do Ibama no dia 25 de outubro de 2021. Como os dados originais do Ibama não classificam sistematicamente quais infrações são associadas ao desmatamento durante todo o período analisado, tal classificação foi feita por pesquisadores do CPI/PUC-Rio. Uma autuação foi considerada sobre desmatamento caso, entre as normas infringidas, seja citado ao menos um dentre os artigos “43”, “44”, “49”, “50”, “51”, “52”, “53” e “60-A” do Decreto nº 6.514/2008. Esse critério engloba não apenas desmatamento em corte raso (remoção total ou quase total da vegetação), mas também infrações relativas ao corte seletivo e à exploração florestal não autorizada.
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Ibama, 2021[8],[9]
Ainda que não se possa, a partir de simples comparações de trajetórias, estabelecer causalidade entre ações de controle ambiental e a ocorrência do desmatamento, os números são alarmantes. Enquanto as sanções ambientais caíam a seus menores níveis em mais de uma década, a velocidade da perda anual de vegetação voltou a ultrapassar os 10.000 km² anuais desde 2019. A estimativa para a taxa de desmatamento para 2021, superior a 13.000 km2, representa um retorno ao pior nível de desmatamento observado desde 2006 – um retrocesso de 15 anos.
Paralisação da Etapa de Conciliação Ambiental e seus Impactos nos processos por Desmatamento na Amazônia
A responsabilidade administrativa ambiental se consolidou no Brasil com a edição da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998). Até a edição do Decreto nº 9.760/2019, a regulamentação do procedimento para apuração das infrações ambientais havia sido alterada várias vezes, sempre com o objetivo de trazer segurança jurídica e dar celeridade ao processo. Apesar disso, a literatura mostra que o procedimento administrativo sancionador ambiental é bastante ineficaz, pois os processos tramitam por longos períodos e um percentual muito baixo das multas impostas são pagas.[10]
A instituição da etapa de conciliação ambiental, pelo Decreto nº 9.760/2019, tem como objetivo o encerramento antecipado dos processos administrativos, evitando que os mesmos demorem anos para serem concluídos. No entanto, a implementação tem sido falha.[11]
As audiências de conciliação deveriam ter iniciado em outubro de 2019. No entanto, a instrução normativa regulamentando o novo procedimento administrativo federal só foi editada em janeiro de 2020 e os membros do Núcleo de Conciliação Ambiental (Nucam) só foram designados em setembro de 2020, ou seja, um ano após a entrada em vigor do Decreto nº 9.760/2019. Na prática, as audiências só começaram a ocorrer no início de 2021 e, até o momento, o Ibama realizou apenas um número ínfimo delas, de acordo com os dados levantados nessa pesquisa.
Os pesquisadores do CPI/PUC-Rio solicitaram ao Ibama, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), os dados sobre as audiências de conciliação ambiental relativas aos autos de infração por desmatamento na Amazônia. De acordo com as informações prestadas pela autarquia, foram lavrados 1.154 autos de infração por desmatamento ilegal na Amazônia entre 8 de outubro de 2019 (entrada em vigor do Decreto nº 9.760/2019) e 6 de maio de 2021 (data do levantamento dos dados para a pesquisa).[12]
Os dados mostram que pouquíssimos autuados optam pela quitação da multa logo após a lavratura do auto de infração (Figura 3), indicando que quase a totalidade dos autos segue para as demais etapas do procedimento administrativo sancionador. Dos 1.154 autos de infração levantados, apenas cinco foram encerrados antecipadamente com o pagamento à vista da multa com desconto de 30%.
Figura 3. Informações sobre Audiências de Conciliação de Autos de Infração por Desmatamento Ilegal na Amazônia entre 8/10/2019 e 6/5/2021
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Ibama, 2021
Dos 1.149 autos de infração ainda em tramitação, um autuado renunciou expressamente à audiência de conciliação e apenas quinze se manifestaram a favor. Destes 15 pedidos de audiência de conciliação, 12 ainda não tinham data marcada para a sua realização e apenas três já tinham sido realizadas até 26 de julho de 2021. As três audiências realizadas, foram infrutíferas, pois nenhum dos autuados optou pelo encerramento do processo, seguindo para a fase contenciosa.
Do restante, aproximadamente 900 autos de infração, cuja soma das multas aplicadas passa de um bilhão de reais,[13] tiveram os agendamentos automáticos suspensos, por causa da pandemia de Covid-19, e o Ibama teve que notificar todos os autuados para se manifestarem sobre o desejo de participar da audiência de conciliação em até 30 dias.[14] Passado este prazo sem resposta do autuado, considera-se que ele não tem interesse na conciliação (renúncia tácita) e inicia-se o prazo para defesa. Entretanto, de acordo com o Ibama, a maior dificuldade, no momento, é promover essa notificação, fazendo com que a tramitação destes autos de infração se encontre paralisada.
Para os cerca de 230 autos de infração remanescentes, a notificação sobre as audiências de conciliação ocorreu concomitantemente à notificação dos autos de infração e os autuados teriam 30 dias para se manifestarem sob pena de se considerar renúncia tácita sobre as audiências.[15] Como na data do levantamento dos dados esse prazo já tinha passado, esperava-se encontrar uma informação precisa sobre a situação das audiências. Entretanto, na planilha fornecida pelo Ibama para todo esse grupo, ou não havia informação, ou a informação era que o órgão aguardava a manifestação do autuado, indicando que há falhas graves na gestão da conciliação ambiental.
Os problemas encontrados na regulamentação e implementação da etapa de conciliação ambiental, com a paralisação de 98% dos autos de infração por desmatamento na Amazônia levantados nessa pesquisa, indica que ao invés de trazer celeridade ao procedimento de apuração das infrações ambientais, esta inovação está tornando o processo ainda mais longo, favorecendo aqueles que cometeram o ilícito ambiental e retardando a imposição das sanções, como o pagamento da multa, e a reparação do dano ambiental.
O que revelam os processos relativos aos maiores desmatamentos
A equipe analisou os 17 processos administrativos referentes às 10 maiores multas e 15 maiores áreas desmatadas no bioma Amazônia no período de 1º de agosto de 2008 e 6 de maio de 2021. As 15 maiores autuações, de acordo com o critério da extensão da área desmatada, somam mais de 400 mil hectares de vegetação nativa destruída e as 10 maiores multas somam mais de R$ 386 milhões a preços de dezembro de 2020.[16] Não se tem notícia do pagamento de nenhum valor, até o momento.
Do total de processos examinados, apenas três são referentes a autos de infração lavrados após a entrada em vigor do novo procedimento administrativo sancionador federal, que introduziu a etapa de conciliação ambiental em 2019. Os três estão aguardando o agendamento presencial da audiência de conciliação. Assim, a análise dos 14 processos relativos a autos de infração mais antigos nos permite constatar que há alguns problemas estruturais e que independem das mudanças legislativas recentes.
Dos 14 processos que foram instaurados sob a vigência das normas antigas, apenas quatro tiveram o trânsito em julgado administrativo e estão na etapa judicial de execução fiscal para cobrança das multas impostas. Os outros 10 autos de infração que ainda estão em tramitação estão em etapas distintas do processo administrativo e apenas quatro já foram julgados em primeira instância.
Observa-se, assim, uma longa demora na tramitação de todos os processos, independentemente do rito legal adotado. Esta lentidão pode ser motivada por fatores que vão além do rito legal do procedimento administrativo como, por exemplo, a dificuldade de se identificar a autoria da infração. Desta forma, não basta a adoção de uma nova regulamentação sem que se investigue quais são os motivos que impedem uma maior celeridade dos processos por desmatamento na Amazônia e a responsabilização dos infratores.
A partir dos dados analisados, a inclusão de uma nova etapa no processo não tem se mostrado capaz de dar celeridade à resolução dos conflitos, tendo em vista que a etapa de conciliação se encontra paralisada.
Como Aprimorar a Transparência da Informação
Ainda que não tenha tido como objetivo central avaliar sistematicamente a transparência de informações referentes ao processo sancionador do Ibama, a presente análise revelou diversas dificuldades no acesso e no uso de dados sobre autos de infração e termos de embargos fornecidos pela autarquia. Esta seção traz um resumo das questões que se mostraram mais relevantes para este estudo. Destaca-se, contudo, que outros aspectos importantes para a transparência da informação podem não ter vindo à tona durante a elaboração desta análise e não são, portanto, contemplados neste documento. Além disso, é importante reconhecer as medidas tomadas pelo Ibama para aumentar a transparência em relação aos microdados[17] das sanções administrativas. O órgão possui um Plano de Dados Abertos[18] e uma plataforma virtual para sistematizar as informações e disponibilizá-las diretamente à sociedade.[19]
A principal dificuldade em relação ao uso dos dados disponibilizados no Portal de Dados Abertos é a ausência de documentação completa e robusta (metadados). As bases de dados de autos de infração e termos de embargos são acompanhadas apenas de uma curta descrição das variáveis incluídas. Faltam informações que, apesar de técnicas, são cruciais para que os dados possam ser compreendidos e devidamente utilizados pela sociedade. Exemplos incluem: sistemas de referência de coordenadas geográficas para informações espaciais; datas nas quais determinadas séries são descontinuadas;[20] e orientações sobre a natureza do dado disponibilizado, principalmente em relação aos termos de embargos, que são apresentados em duas bases distintas, porém sem uma explicação da diferença entre elas.
Outra lacuna marcante é a perda de informação referente à extensão geográfica de autuações e embargos a partir de agosto de 2019, momento em que foi implementado novo sistema para lavratura dos autos de infração. Entre agosto de 2008 e julho de 2019, em média 70% das autuações e 80% dos termos de embargo continham informação sobre a área associada à infração.[21] Desde então, esse número caiu de forma acentuada, chegando a 12% dos embargos e 0,3% das autuações em 2021. Não é possível, portanto, calcular os totais de área autuada e área embargada em anos recentes, duas medidas importantes para entender como o controle ambiental tem atuado em um contexto de desmatamento crescente.
Cabe destacar, ainda, que as bases de dados podem estar incompletas. Em particular, informações sobre sanções aplicadas após o dia 8 de outubro de 2019 podem ainda não ter sido incorporadas às bases públicas, conforme consta em um aviso publicado no Portal de Dados Abertos. Este, entretanto, não explicita o que faz com que um auto ou embargo deixe de ser disponibilizado ao público, nem informa a quantidade de sanções afetadas. Logo, não é possível estabelecer, de forma sistemática, como e tampouco se a ausência dessas sanções interfere com a interpretação dos dados disponíveis.[22]
Para além de dados faltantes, há também limitações referentes à qualidade dos dados disponíveis, principalmente devido a frequentes erros no preenchimento das informações. Dois problemas comuns na variável referente à área da autuação são o uso de unidade de medida (quilômetros quadrados ou metros quadrados) diferente daquela informada na documentação (hectares) e inconsistências no uso de pontos e vírgulas como separadores de milhar e decimal. Ainda que esse tipo de erro de preenchimento seja relativamente usual em bases de dados administrativos, ele pode dificultar significativamente a interpretação de resultados.
Informações processuais referentes aos autos de infração por desmatamento também não estão disponíveis à sociedade. O Ibama utiliza o Sistema Eletrônico de Informações (SEI) como ferramenta de gestão dos processos eletrônicos. Entretanto, com base nas informações abertas do SEI, não é possível identificar o andamento processual nem ter acesso aos documentos relevantes, como as manifestações de defesa e as decisões de 1ª e 2ª instâncias. O acesso às informações processuais depende de solicitação expressa ao Ibama, através de uma petição pedindo o ingresso de um advogado ao processo. Manter este procedimento como única forma de acesso às informações processuais impossibilita o acompanhamento de muitos processos e impede que a sociedade civil tenha conhecimento das informações. O Ibama poderia ter um sistema similar aos tribunais de justiça que permitem o acompanhamento de processos judiciais de forma bem mais ampla e fácil.
Por fim, faltam informações sistematizadas sobre o status do débito dos autos de infração. A autarquia disponibiliza, em uma planilha, referências do que seria o “status do débito” de cada autuação.[23] Com informações sobre a confirmação do débito, pagamento, parcelamento ou suspensão seria possível, em princípio, entender também a etapa processual de apuração da infração. Entretanto, a planilha usa mais de 70 tipologias distintas que não permitem identificar, claramente, nem o status do débito nem o andamento processual do auto de infração.
Apesar dos pontos levantados até aqui, cabe reconhecer que servidores do Ibama se mostraram extremamente empenhados em sanar as dúvidas que lhes foram enviadas por e-mail e através de pedidos de acesso à informação.[24] Ainda que tenha seu mérito, isso representa uma carga de trabalho adicional aos funcionários da autarquia, que poderia ser evitada – ou ao menos mitigada – através da adoção de boas práticas para a sistematização e publicação de dados.
Esse trabalho é fruto de uma parceria técnica entre o CPI/PUC-Rio e o WWF-Brasil. Os autores gostariam de agradecer o suporte para a pesquisa de Raul Silva Telles do Valle, Rafael Giovanelli, Marcelo Elvira, Michel Santos, do WWF-Brasil.
[1] Gandour, Clarissa e Juliano Assunção. O Brasil Sabe como DETER o Desmatamento na Amazônia: Monitoramento e Fiscalização Funcionam e Devem Ser Fortalecidos. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2019. bit.ly/3xzgAfA.
[2] Lopes, Cristina L. e Joana Chiavari. Análise do Novo Procedimento Administrativo Sancionador do Ibama e seus Reflexos no Combate ao Desmatamento na Amazônia. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2021. bit.ly/3cXhgSq.
[3] Os valores foram corrigidos pelo Índice de Preços Amplo (IPA) para preços de dezembro de 2020.
[4] Azevedo, Tasso, Marcos R. Rosa, Julia Z. Shimbo e Magaly G. de Oliveira. Relatório Anual do Desmatamento no Brasil 2020. São Paulo: MapBiomas, 2021. bit.ly/36BybqI.
[5] Valdiones, Ana Paula, Paula Bernasconi, Vinícius Silgueiro, Vinícius Guidotti, Frederico Miranda, Julia Costa, Raoni Rajão e Bruno Manzolli. Desmatamento Ilegal na Amazônia e no Matopiba: falta transparência e acesso à informação. Instituto Centro de Vida (ICV), Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (IMAFLORA), Laboratório de Gestão e Serviços Ambientais (LAGESA), 2021. bit.ly/2UZ7Hwz.
[6] Gandour, Clarissa e Juliano Assunção. O Brasil Sabe como DETER o Desmatamento na Amazônia: Monitoramento e Fiscalização Funcionam e Devem Ser Fortalecidos. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2019. bit.ly/3xzgAfA.
[7] INPE. Monitoramento do Desmatamento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (PRODES – Amazônia). 2021. bit.ly/3wSIJft.
[8] Ibama. Fiscalização – auto de infração. Data de acesso: 25/10/2021. bit.ly/3dMORij.
[9] Ibama. Fiscalização – termo de embargo. Data de acesso: 25/10/2021. bit.ly/3dPvWmZ.
[10] Schmitt, Jair. “Crime sem castigo: a efetividade da fiscalização ambiental para o controle do desmatamento ilegal na Amazônia”. Tese de doutorado, Universidade de Brasília, 2015. bit.ly/3FZZt9U.
[11] Lopes, Cristina L. e Joana Chiavari. Análise do Novo Procedimento Administrativo Sancionador do Ibama e seus Reflexos no Combate ao Desmatamento na Amazônia. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2021. bit.ly/3cXhgSq.
[12] Ibama. Resposta e-SIC – 10442867. Esclarecimentos prestados por meio da Lei de Acesso à Informação, em 26 de Julho de 2021.
[13] O valor das multas foi trazido a preços de dezembro de 2020 pelo Índice de Preços Amplo (IPA).
[14] Portaria Conjunta MMA/Ibama/ICMBio nº 589/2020.
[15] Portaria Conjunta MMA/Ibama/ICMBio nº 589/2020.
[16] Os valores foram corrigidos pelo Índice de Preços Amplo (IPA) para preços de dezembro de 2020.
[17] Microdados são informações desagregadas, no nível do evento gerador do dado. No contexto de autos de infração, por exemplo, as informações dizem respeito às autuações individuais.
[18] Ibama. Plano de Dados Abertos: Vigência 2020 e 2021. 2019. bit.ly/3Ev4WV9.
[19] Ibama. Portal de Dados Abertos. Data de acesso: 29/11/2021. bit.ly/3E7m1op.
[20] A base de dados só classifica autos de infração como sendo decorrentes de desmatamento até 8 de agosto de 2019.
[21] A área autuada, quando disponível, é informada como variável numérica. A área embargada, quando disponível, é informada como variável numérica ou calculada a partir de dados espaciais.
[22] Foi informado, através do sistema FalaBr, por onde são realizados os pedidos de acesso à informação, que 33 autos de infração e 3 termos de embargo não constavam na base de dados pública no dia 08/11/2021, pois estavam sendo auditados (Resposta e-SIC – 11283788 em 16/11/2021). Vale notar que esse volume de informações faltantes não é por si só suficiente para justificar a redução observada nas trajetórias de autos de infração e termos de embargo em anos recentes apresentadas na Figura 2. Mantém-se, pois, a interpretação de que essa queda é indício de enfraquecimento das ações de controle ambiental.
[23] Ibama. Consulta de Autuações Ambientais e Embargos. Data de acesso: 25/10/2021. bit.ly/3o64KGE.
[24] Exemplos das informações obtidas por esses canais são: esclarecimentos sobre as sanções que ainda não estavam disponíveis no portal; metadados, inclusive sobre parâmetros espaciais e diferenças entre as bases de embargos disponíveis; e dados sobre as audiências de conciliação que não constam do Portal de Dados Abertos.