INTRODUÇÃO
Um quarto das emissões de gases de efeito estufa do Brasil decorrem de atividades agropecuárias. O setor contribui para o agravamento da crise climática ao mesmo tempo em que é afetado pelos efeitos dela, enfrentando eventos extremos de temperatura e precipitação cada vez mais frequentes (SEEG 2021).
A severidade dos riscos climáticos exige a adoção em grande escala de ações de transição para práticas de baixo carbono, baseadas em tecnologias sustentáveis, que conciliem o aumento da produtividade, sem a expansão da área cultivada, com a resiliência aos eventos climáticos.
Isso inclui tanto medidas de mitigação — como plantio direto, recuperação de pastagens degradadas, sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), sistemas agroflorestais (SAFs), florestas plantadas, rotação de culturas, utilização mais eficiente de fertilizantes e de técnicas para uma melhor gestão do solo — como medidas de adaptação, cujo objetivo é gerenciar o risco climático nas atividades agropecuárias, aumentar a resiliência dos sistemas agropecuários e reduzir sua vulnerabilidade.
Instrumentos como crédito rural, assistência e extensão rural, seguro rural e pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) possuem um papel fundamental para promover a adoção dessas medidas. Mas a implementação desses instrumentos precisa levar em consideração o contexto dos diferentes grupos de produtores para realizar a transição justa para uma agricultura de baixo carbono.
Os produtores rurais são um grupo heterogêneo e são afetados de formas e intensidades distintas pelos riscos climáticos. O Brasil conta com mais de cinco milhões de propriedades rurais, que possuem uma enorme diversidade social, econômica e cultural. Além disso, uma grande parte da produção agropecuária está concentrada em um número reduzido de produtores — aproximadamente 4% das propriedades rurais abarcam 63% das terras agrícolas (IBGE 2017).
Os impactos no volume de produção e na renda gerada também apresentam consideráveis variações de acordo com as culturas e regiões geográficas. Regiões mais pobres do Brasil, como o Nordeste, onde a população apresenta historicamente piores condições de renda, educação e moradia, serão afetadas de forma desproporcional (World Bank Group 2023).
Desta forma, as estratégias para promover uma agricultura de baixo carbono e reduzir em escala as emissões do setor agropecuário devem abarcar, prioritariamente, a maior parte das terras agrícolas, mas sem aumentar as distorções entre os diferentes grupos de produtores rurais, nem resultar na exclusão dos grupos mais vulneráveis.
Neste documento, pesquisadoras do Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio) apresentam um mapeamento das políticas de mitigação e adaptação climática na agropecuária brasileira, identificando os órgãos governamentais responsáveis pela implementação e a presença de elementos de justiça. Esse mapeamento representa um passo importante para compreender as políticas públicas atuais (para onde estão direcionadas, o que priorizam, se incorporam dispositivos para inclusão dos produtores mais vulneráveis na transição) e para delinear estratégias de transição inclusivas, buscando, assim, alinhar objetivos climáticos e sociais, possibilitando políticas mais eficientes.
DESTAQUES
• O setor agropecuário tem políticas públicas que buscam promover a mitigação e a adaptação às mudanças climáticas. Esse arcabouço de políticas governamentais, caso bem implementado, pode ser usado como elemento catalisador para a transição em escala para uma agropecuária de baixo carbono.
• Políticas com viés climático estão concentradas a partir de 2010, o que parece estar associado ao lançamento da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), em 2009, que inaugurou o compromisso do Estado brasileiro com a redução de emissão de gases de efeito estufa e resultou na adoção de um Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura (Plano ABC).
• Elementos de justiça estão presentes tanto em políticas de mitigação quanto de adaptação e encontram-se vinculados, frequentemente, à priorização da agricultura familiar e à elevação de renda.
• A Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), a Política Nacional de Florestas Plantadas e a Política Nacional de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta merecem destaque por serem políticas que visam a transição para uma agropecuária de menor emissão de carbono e que possuem, entre os seus objetivos, elementos de justiça.
• A linha de crédito Pronaf ABC+ é a única política de crédito que incorpora elementos de justiça e de transição para uma agropecuária de baixo carbono.
• O Plano ABC/ABC+ prevê ações de capacitação e assistência técnica, que podem ser fortalecidas e direcionadas para pequenos produtores, agricultores familiares e beneficiários do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
• Em termos de governança, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) é o principal ator para a implementação das políticas mapeadas. O Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) também participa, sendo um co-gestor de políticas relevantes, como o Plano Safra e o Seguro Rural.
RECOMENDAÇÕES DE POLÍTICA PÚBLICA
• Compreender as oportunidades de alinhamento entre políticas climáticas e políticas de desenvolvimento social no meio rural, e seus possíveis trade-offs, é desejável para que o país cumpra com suas metas climáticas e atinja o desenvolvimento socioeconômico e ambiental.
• Fortalecer as políticas de transição para uma agropecuária de baixo carbono que contemplem, em seus objetivos, elementos de justiça, como é o caso da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), da Política Nacional de Florestas Plantadas e da Política Nacional de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, bem como a linha de crédito Pronaf ABC+. Entretanto, é oportuno avaliar se a implementação dessas políticas garante que grupos de produtores mais vulneráveis sejam efetivamente beneficiados e incluídos no processo de transição.
• Ampliar o acesso à capacitação e assistência técnica — inicialmente previstas no Plano de Agricultura de Baixo Carbono (Plano ABC/ABC+) apenas para grandes produtores — com vistas a incluir também pequenos produtores e agricultores familiares beneficiários do Pronaf.
• Alinhar a coordenação entre o Mapa e o MDA no âmbito das políticas que possuem gestão compartilhada.