Introdução
Itaipu e Belo Monte são as duas maiores Usinas Hidrelétricas (UHEs) do Brasil, desempenhando um papel essencial no setor elétrico. Com capacidades instaladas de 14 GW e 11,2 GW, respectivamente, elas correspondem, juntas, a cerca de 11% da capacidade nacional de geração de eletricidade. No entanto, a plena realização desse potencial depende diretamente da disponibilidade de água nos rios onde as usinas estão situadas. O desmatamento na Floresta Amazônica modifica o regime de chuvas em bacias hidrográficas, localizadas dentro e fora do bioma, reduzindo, por conseguinte, o fluxo dos rios e impactando negativamente a geração de energia nas UHEs.
Pesquisadores do Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio) e do Amazônia 2030 analisam o impacto das alterações dos padrões de chuva, causadas pelo desmatamento, na geração elétrica e na receita das UHEs Itaipu e Belo Monte. A análise identifica que, juntas, as UHEs estão perdendo, anualmente, 3.780 GWh — o equivalente ao consumo de eletricidade de, aproximadamente, 1,5 milhão de pessoas — e R$ 1,1 bilhão em receita como consequência do desmatamento.
A hidroeletricidade tem sido, historicamente, a principal fonte de geração do sistema elétrico brasileiro, representando 48,6% da capacidade instalada e 60,2% da geração total em 2023.[1] Esta publicação evidencia como as alterações nos regimes hidrológicos, decorrentes do desmatamento na Amazônia, colocam a resiliência da matriz elétrica em xeque, expondo a vulnerabilidade das duas maiores UHEs do Brasil.
O primeiro estudo de caso avalia os efeitos do desmatamento na Amazônia na maior usina hidrelétrica do país, a UHE Itaipu. Situada no estado do Paraná, na fronteira com o Paraguai, a quilômetros de distância do bioma Amazônia, a usina representa 6% da matriz elétrica brasileira, tendo gerado o equivalente a 15,7%[2] da energia consumida no Brasil em 2023. Nesse caso, a perda potencial de geração média anual induzida pelo desmatamento é estimada em 1.380 GWh, o que se traduz em uma perda anual de, aproximadamente, R$ 500 milhões em receita. Essa cifra equivale a, aproximadamente, 6% do lucro médio recente da hidrelétrica.
O segundo estudo de caso demonstra o impacto do desmatamento na UHE Belo Monte, a segunda maior hidrelétrica do país. Localizada no estado do Pará, dentro do bioma Amazônia, a usina corresponde a 5% da matriz elétrica nacional, tendo fornecido 5,9%[3] de toda a energia utilizada no país em 2023. A perda potencial de geração média anual decorrente do desmatamento é estimada em 2.400 GWh, resultando em uma perda de R$ 638 milhões por ano em receita — aproximadamente 20% do lucro antes dos juros, impostos, depreciação e amortização (Earnings before interest, taxes, depreciation and amortization – EBITDA) da hidrelétrica.
O estudo identifica, ainda, as áreas na Amazônia que impactam a geração hidrelétrica nas usinas analisadas. A UHE Belo Monte tem uma área de influência concentrada, já a UHE Itaipu tem sua área de influência mais dispersa, uma vez que as trajetórias de correntes de ar que chegam à usina se estendem por várias regiões do Brasil. O mapeamento das áreas prioritárias para geração de energia orienta uma melhor implementação de políticas de conservação e restauração, permitindo o direcionamento adequado de recursos para mitigar os efeitos adversos sentidos pelo setor de energia.
Os resultados apontam que atores relevantes do sistema elétrico brasileiro já vêm sendo afetados pelo desmatamento na Amazônia. Com isso, torna-se estratégico e necessário que o setor elétrico participe ativamente da agenda ambiental. Uma maior integração e definição de estratégias que conciliem as políticas de conservação e restauro com aquelas de geração de energia é fundamental para a segurança do setor elétrico e para a potencialização do restauro da floresta.
Cenário Hidrelétrico: Itaipu e Belo Monte
A UHE Itaipu é uma hidrelétrica binacional localizada no Rio Paraná, na fronteira entre o Brasil e o Paraguai. Sua barragem foi construída entre os anos de 1975 e 1982, tendo iniciado suas operações em 1984. É a segunda maior usina hidrelétrica do mundo, contando com 20 unidades geradoras que totalizam uma capacidade instalada de 14.000 MW, aproximadamente 6% da capacidade da matriz elétrica do Brasil.[4] Em 2022, a usina forneceu 8,7%[5] da energia consumida no mercado brasileiro e 86,4% do mercado paraguaio.
A usina de Itaipu é essencial para o sistema elétrico brasileiro.[6] A UHE é capaz de prover, em poucos minutos, uma quantidade de potência elétrica na ordem de milhares de MW tanto para atender picos de consumo quanto para substituir outras fontes de energia, que eventual e repentinamente parem de funcionar. A usina também contribui para a manutenção da estabilidade do Sistema Interligado Nacional (SIN), garantindo a segurança técnica do escoamento de energia para os consumidores.
Dentro do bioma Amazônia, no rio Xingu, encontra-se a quarta maior hidrelétrica do mundo e maior hidrelétrica 100% brasileira,[7] a UHE Belo Monte, situada no norte do estado do Pará. Suas obras iniciaram em 2011 e se estenderam até 2019; as operações da usina começaram em 2016. Belo Monte tem capacidade instalada de 11.233 MW, representando cerca de 5% da capacidade instalada da matriz elétrica nacional.[8] Em 2022, a usina forneceu 6%[9] da energia consumida no Brasil, evidenciando sua importância para a economia nacional.
As duas usinas avaliadas neste estudo são do tipo fio d’água. Esse tipo de configuração induz a geração de energia elétrica aproveitando a força da vazão dos rios, utilizando pequenos reservatórios de acumulação de água, se comparados à capacidade de geração. Evidencia-se, assim, a importância da vazão dos rios, fortemente influenciada pelo regime de chuvas, para sua operação.
Floresta e Geração de Energia: Quantificando os Rios Voadores
O fenômeno dos rios voadores é definido na literatura como as correntes de ar carregadas de umidade que, a partir da Amazônia, margeiam o leste da Cordilheira dos Andes no sentido norte-sul, transportando uma grande quantidade de umidade.[10],[11],[12],[13] As florestas tropicais exercem um papel fundamental de recarga dessa umidade para as correntes de ar e, uma vez que o regime de chuvas nas bacias hidrográficas é influenciado por tais correntes, estas tornam-se essenciais para a produção de energia.[14] Araújo[15] estabelece, assim, um nexo entre o desmatamento e a perda de geração de energia, ilustrado na Figura 1.
Conforme descrevem Pinto et al.,[16] quando as correntes de ar atravessam áreas desmatadas, não recebem a recarga de água que obteriam em áreas florestadas e, assim, ficam menos úmidas, o que diminui a incidência de chuva ao longo do trajeto. Consequentemente, a vazão dos rios situados na trajetória das correntes de ar é reduzida, o que, por fim, diminui a capacidade de geração hidrelétrica nas usinas. Nesse sentido, a perda de vegetação florestal impacta diretamente a produtividade das usinas hidrelétricas.
Figura 1. Nexo entre Desmatamento e Perda de Geração de Energia
Fonte: CPI/PUC-Rio, 2024
A Figura 2 ilustra como as correntes de ar provenientes do Oceano Atlântico atravessam a Amazônia e cruzam as bacias dos rios Paraná e Xingu, onde estão localizadas, respectivamente, as UHEs Itaipu e Belo Monte. Apesar da trajetória das massas de ar variar ao longo do ano, elas atravessam parte relevante das bacias hidrográficas em questão, indicando como o mecanismo descrito na Figura 1 afeta a geração de hidreletricidade nas usinas abordadas neste estudo.
Figura 2. Rios Voadores e as Bacias que Alimentam as UHEs Itaipu e Belo Monte
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados de Copernicus-ERA5 (2023), MapBiomas (2023), Aneel (2023) e IBGE (2021), 2025
Os Efeitos do Desmatamento na UHE Itaipu
O primeiro estudo de caso analisa os impactos na usina hidrelétrica Itaipu, localizada no rio Paraná, na fronteira entre Brasil e Paraguai. Com início de operação em 1984, ela tem, hoje, capacidade instalada de 14.000 MW, o suficiente para abastecer 50 milhões de residências.[17] A usina está localizada a mais de 1.000 km da fronteira do bioma Amazônia, evidenciando a extensão do impacto do desmatamento.
Para estimar a influência da floresta na geração da usina, o estudo toma como base o desmatamento de aproximadamente 710 mil km², acumulado entre 1985 e 2022 no bioma Amazônia. O método aplicado identifica as áreas de floresta que influenciam a vazão na usina, a partir do mapeamento das áreas que impactam o regime de chuvas nessas regiões e, por conseguinte, o fluxo dos rios que alimentam as usinas. É gerado, então, um cenário hipotético como se não houvesse ocorrido desmatamento. Com isso, o modelo estima o volume de chuva que teria havido nos locais de influência para a UHE Itaipu, na hipótese de ausência de desmatamento no período analisado.[18]
A Figura 3 apresenta as perdas acumuladas do potencial de energia gerada e receitas associadas. Aqui, considerou-se o período de 21 anos,[19] entre 2002 e 2022, no qual a perda acumulada de energia foi de 29.030 GWh,[20] que corresponde a uma perda média anual de 1.382 GWh, quantidade equivalente ao consumo de 552 mil brasileiros em 2023.[21],[22],[23]
Considerando o preço de venda de energia ao longo do período, o Preço de Liquidação de Diferenças (PLD), essa perda em geração de energia equivale a uma perda financeira acumulada de R$ 10,4 bilhões, que representa, em média, uma perda de R$ 500 milhões por ano para a usina.[24] Avaliando os demonstrativos de resultados da Itaipu Binacional, detentora de 100% da UHE Itaipu, observa-se que essa perda representa aproximadamente 6% do lucro líquido médio da empresa.[25]
Figura 3. Perda Acumulada de Geração de Energia e Receita para UHE Itaipu, 2002-2022
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados de Copernicus-ERA5 (2023), ONS (2023), CCEE (2023) e MapBiomas (2023), 2025
A Figura 4 identifica a área de floresta que é atravessada pelas correntes de ar relevantes para a geração de energia na UHE Itaipu, abrangendo regiões tanto no Brasil quanto em outros países amazônicos. Parte dessa área está desmatada e outra segue conservada. Especificamente olhando para os 25% das áreas mais visitadas pelas trajetórias de ventos (1.625.835 km²), 16,8% estão desmatados, o que corresponde a 273.759 km². Como a perda de receita da usina decorre da perda florestal observada no período, tal valor indica a importância de a usina investir na conservação e restauração das áreas de floresta que são relevantes para a manutenção do fluxo dos rios que a alimentam.
Figura 4. Áreas de Maior Relevância para Geração de Energia para UHE Itaipu
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados de Copernicus-ERA5 (2023), ONS (2023), CCEE (2023) e MapBiomas (2023), 2025
A partir da perda de receita estimada de R$ 500 milhões anuais, verifica-se que a área da floresta Amazônica que exerce influência na geração de eletricidade em Itaipu tem valor, na perpetuidade, de em média R$ 4.731,07/km². Contudo, focando apenas nos 5% das áreas mais visitadas pelas trajetórias de ventos — ou nos 5% de área mais relevante para a geração de energia na usina, ilustrados na Figura 4 —, o valor da floresta para a geração de energia sobe para R$ 12.990,58/km².
Mapear as categorias fundiárias das áreas que afetam a geração da UHE Itaipu é crucial para direcionar políticas de combate ao desmatamento e desenvolver mecanismos e instrumentos eficazes de conservação e restauração dessas áreas. Se, a partir da região indicada na Figura 4, apenas o território brasileiro for selecionado, é possível fazer uma análise das categorias fundiárias mais prevalentes na trajetória dos ventos até a UHE Itaipu e que exercem influência significativa na operação da usina. Verifica-se que Imóveis rurais privados, cadastrados no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), são a principal categoria fundiária, correspondendo a 39,6% da área atravessada pelos ventos no Brasil. Em segundo lugar, estão as Terras Indígenas (TI), com 31,8%. A Figura 5 ilustra a distribuição dessas frações por categoria fundiária.
A adoção de ações de conservação e/ou recuperação da floresta deve levar em consideração as categorias fundiárias das áreas de influência das usinas. Para imóveis rurais cadastrados no Sigef, as ações devem ser norteadas, fundamentalmente, pela implementação do Código Florestal, que impõe obrigações de conservação e/ou recuperação dos passivos de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e de Reserva Legal (RL). Adicionalmente, a implementação de instrumentos econômicos que gerem incentivos para a conservação e/ou o restauro da floresta é essencial. No caso de TIs, a proteção da floresta advém tanto de ações de monitoramento e fiscalização por parte do poder público quanto de programas — como de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) ou de Redução das Emissões de Gases de Efeito Estufa Provenientes do Desmatamento e da Degradação Florestal, Conservação dos Estoques de Carbono Florestal, Manejo Sustentável de Florestas e Aumento de Estoques de Carbono Florestal (REDD+) — que beneficiem as populações indígenas pela conservação da região.
Figura 5. Distribuição das Categorias Fundiárias nos 25% da Área de Maior Relevância para UHE Itaipu
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados de Copernicus-ERA5 (2023), MapBiomas (2023), Sicar (2023), Sigef/Incra (2023) e Funai (2023), 2025
Os Efeitos do Desmatamento na UHE Belo Monte
O segundo estudo de caso analisa os impactos na usina hidrelétrica Belo Monte, localizada no rio Xingu, no norte do estado do Pará, em meio à floresta Amazônica. Com início de operação em 2016, ela tem, hoje, capacidade instalada de 11.233 MW, o suficiente para abastecer 60 milhões de pessoas.[26]
A metodologia adotada para avaliar o impacto do desmatamento em Belo Monte é equivalente àquela adotada para o estudo da UHE Itaipu. Tal como verificado no primeiro estudo de caso, a perda de energia é consequência da menor vazão do rio onde a usina está localizada, em razão da menor incidência de chuvas no local, advinda do efeito do desmatamento na floresta Amazônica.
As perdas acumuladas de energia gerada e receitas associadas para a UHE Belo Monte estão ilustradas na Figura 6. No período de análise, a perda acumulada de energia foi de 50.259 GWh. Esse valor corresponde a uma perda média anual de 2.393 GWh, quantidade equivalente ao consumo de 956 mil brasileiros em 2023[27] e a 6,4% do total gerado pela UHE naquele ano. Ao levarmos em conta o preço da energia, a perda energética no período ocasionou uma perda financeira acumulada de R$ 13,4 bilhões. Na média, isso representa uma perda de R$ 638 milhões por ano para a usina. Avaliando os demonstrativos de resultados da Norte Energia, detentora de 100% da UHE Belo Monte, observa-se que a perda representa aproximadamente 21% do EBITDA da empresa.[28]
Figura 6. Perda Acumulada de Geração de Energia e de Receita para UHE Belo Monte, 2002-2022
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados de Copernicus-ERA5 (2023), ONS (2023), CCEE (2023) e MapBiomas (2023), 2025
A Figura 7 identifica as áreas de floresta relevantes para a geração de energia na UHE Belo Monte. Diferente de Itaipu, é possível ver que, para esta usina, a região de maior valor é muito mais concentrada, especificamente no leste do Pará e oeste do Maranhão. Isso se deve à localização geográfica de Belo Monte, que está mais próxima do oceano, sendo influenciada por correntes de ar que percorrem distâncias menores e são canalizadas através da região de influência em questão. Essas áreas estão localizadas no arco do desmatamento, região onde encontram-se os maiores índices de desmatamento da Amazônia, junto à expansão da fronteira agrícola.[29] De fato, na região por onde passam as 25% correntes de ar mais influentes para a operação de Belo Monte, já foram desmatados 213.841 km² de um total de 1.659.021 km². Isso equivale a 12,8% da área atravessada. No caso das 5% correntes mais influentes, o percentual de desmatamento é ainda maior, chegando a 27,5%. Esses dados evidenciam a grande relevância de se implementar ações de restauro para garantir a segurança energética de Belo Monte.
Figura 7. Áreas de Maior Relevância para Geração de Energia para UHE Belo Monte
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados de Copernicus-ERA5 (2023), ONS (2023), CCEE (2023) e MapBiomas (2023), 2025
A partir da perda de receita anual estimada, verifica-se que a área da floresta Amazônica que exerce influência na geração de eletricidade em Belo Monte tem valor, na perpetuidade, de em média R$ 4.511/km². Focando nos 5% de área mais relevante para a geração de energia na usina, ilustrados na Figura 7, o valor médio da floresta para a geração de energia sobe para R$ 85.395/km², substancialmente maior do que o observado para as regiões que afetam a geração da UHE Itaipu. Essa diferença está associada à maior abrangência da área de influência da UHE Itaipu, de modo que a perda financeira dessa usina se dilui por milhares de quilômetros de floresta.
Considerando a região de alta influência na geração da UHE Belo Monte, apontada na Figura 8, a análise da malha fundiária localizada na Amazônia brasileira revela que Imóveis rurais privados cadastrados no Sigef são a principal categoria fundiária, com 29% da área atravessada pelos ventos, como mostra a Figura 8. Unidades de Conservação (UCs) de Uso Sustentável, representando aproximadamente 23%, ficam em segundo lugar.
Como já abordado, as ações para a promoção do restauro e/ou da conservação em Imóveis rurais cadastrados no Sigef devem priorizar a implementação do Código Florestal e a adoção de mecanismos financeiros que incentivem a adoção de práticas indutoras de proteção e/ou recuperação florestal. Do ponto de vista das UCs de Uso Sustentável, além de políticas públicas de conservação, de inclusão rural e produção sustentável, mecanismos de remuneração da conservação, como PSA e REDD+, também devem ser considerados.
Figura 8. Distribuição das Categorias Fundiárias na UHE Belo Monte
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados de Copernicus-ERA5 (2023), MapBiomas (2023), Sicar (2023), Sigef/Incra (2023) e Funai (2023), 2025
Implicações para Política Pública
Os impactos do desmatamento na Amazônia vão além da Região Norte, afetando a segurança energética e a economia em todo o país. As evidências apresentadas nesta publicação demonstram que a perda florestal já compromete significativamente a geração hidrelétrica das duas maiores usinas do Brasil, resultando em perdas anuais superiores a R$ 1,1 bilhão e na redução da oferta de energia limpa suficiente para abastecer mais de 1,5 milhão de consumidores.[30] Esse cenário pode comprometer a capacidade de o SIN atender à demanda nacional, aumentando o risco de maior utilização de usinas termelétricas. Essas usinas possuem custos operacionais mais elevados — o que pode encarecer a energia elétrica — e, em sua maioria, dependem de combustíveis fósseis, induzindo o aumento das emissões de gases de efeito estufa e intensificando as mudanças climáticas.
Para mitigar esses impactos, é essencial adotar políticas públicas que combatam o desmatamento, controlem a degradação florestal e incentivem a restauração de áreas críticas para a manutenção dos regimes hidrológicos. A preservação da floresta não apenas fortalece a segurança energética do país, como também evita prejuízos econômicos e reduz a necessidade de uso de fontes mais caras e poluentes. A redução na capacidade de geração hidrelétrica compromete diretamente o fluxo de receita das usinas, afetando os lucros dos empreendimentos e colocando em risco sua sustentabilidade financeira. Diante desse cenário, é fundamental que as empresas do setor elétrico assumam um papel ativo na defesa de políticas ambientais eficazes, reconhecendo que sua viabilidade econômica está diretamente ligada à manutenção da floresta em pé.
Uma estratégia fundamental para aprimorar essas políticas é o mapeamento das áreas da Amazônia que são mais estratégicas para a manutenção da geração hidrelétrica. Identificar e priorizar essas regiões permitirá direcionar esforços para a implementação de políticas e mecanismos de financiamento voltados à conservação e restauração. Para que essas iniciativas sejam eficazes, é indispensável considerar as especificidades fundiárias de cada área, garantindo que as soluções propostas sejam adequadas às realidades locais e contem com o engajamento dos diversos atores envolvidos.
O conjunto de evidências aqui apresentado demonstra a necessidade de se estruturar políticas públicas que integrem a conservação ambiental e a segurança energética, garantindo um modelo sustentável para a matriz elétrica nacional. O alinhamento entre o setor elétrico, o governo e os demais atores será determinante para viabilizar soluções que conciliem a proteção da floresta com a estabilidade do fornecimento de energia, promovendo benefícios ambientais e econômicos de longo prazo. Para fundamentar esse planejamento, é essencial que a pesquisa aqui desenvolvida seja ampliada para considerar os impactos do desmatamento em outras usinas do país e nos reservatórios de relevância, bem como suas interações com dinâmicas climáticas.
[1] EPE. Anuário Estatístico de Energia Elétrica 2024 – Ano base 2023. 2024. bit.ly/3BdxE0D.
[2] Itaipu Binacional. Geração. sd. Data de acesso: 17 de dezembro de 2024. bit.ly/3VGZCct.
[3] Norte Energia. Relatório de Sustentabilidade 2023. 2024. bit.ly/3XejVyT.
[4] Considerando uma capacidade instalada total de 226 GW. Para saber mais: EPE. Anuário Estatístico de Energia Elétrica 2024 – Ano base 2023. 2024. bit.ly/3BdxE0D.
[5] Itaipu Binacional. Participação nos mercados. sd. Data de acesso: 17 de dezembro de 2024. bit.ly/3BnNdTX.
[6] Itaipu Binacional. Desempenho operacional. sd. Data de acesso: 20 de dezembro de 2024. bit.ly/49OzylC.
[7] Lu, Marcus. “These are the world’s largest hydroelectric dams”. World Economic Forum. 2022. Data de acesso: 17 de dezembro de 2024. bit.ly/3ZJgG2y.
[8] Considerando uma capacidade instalada total de 226 GW. Para saber mais: EPE. Anuário Estatístico de Energia Elétrica 2024 – Ano base 2023. 2024. bit.ly/3BdxE0D.
[9] Norte Energia. Belo Monte fecha 2022 com recorde de produção anual de energia. 2023. Data de acesso: 17 de dezembro de 2024. bit.ly/4gAEGvG.
[10] Nobre, Antônio D. The Future Climate of Amazonia: Scientific Assessment Report. São José dos Campos: Articulación Regional Amazônica, 2014. bit.ly/4gxLzid.
[11] Marengo, José A. et al. “Changes in Climate and Land Use Over the Amazon Region: Current and Future Variability and Trends”. Frontiers in Earth Science 6 (2018). bit.ly/3UOflVT.
[12] Marengo, José A. et al. “Climatology of the Low-Level Jet East of the Andes as Derived from the NCEP-NCAR Reanalyses: Characteristics and Temporal Variability”. Journal of Climate 17, nº 12 (2004): 2261-2280. bit.ly/3ZArXnr.
[13] Araújo, Rafael e João Mourão. O Efeito Dominó da Amazônia: Como o Desmatamento Pode Desencadear uma Degradação Generalizada. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2023. bit.ly/Efeito-Domino.
[14] Araújo, Rafael. “The value of tropical forests to hydropower”. Energy Economics 129 (2024). bit.ly/3ys5Cgl.
[15] Ibid.
[16] Pinto, Gustavo R. S. et al. (Des)matando as Hidrelétricas: A Ameaça do Desmatamento na Amazônia para a Energia do Brasil. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2024. bit.ly/DesmatandoAsHidreletricas.
[17] Itaipu Binacional. Desempenho operacional. sd. Data de acesso: 20 de dezembro de 2024. bit.ly/49OzylC.
[18] Pinto, Gustavo R. S. et al. (Des)matando as Hidrelétricas: A Ameaça do Desmatamento na Amazônia para a Energia do Brasil. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2024. bit.ly/DesmatandoAsHidreletricas.
[19] A análise se inicia em 2002, pois o preço de energia passa a se tornar mais estável a partir desse período, o que diminui um potencial viés nos impactos financeiros.
[20] Para as estimativas realizadas, foram utilizados os dados de geração de eletricidade disponibilizados pelo Operador Nacional do Sistema (ONS). O acesso foi realizado em junho de 2023 e, como informado pelo ONS, os dados podem ser alterados após a sua divulgação. Para saber mais, acesse: ONS. Geração por usina em base horária. 2023. Data de acesso: 30 de junho de 2023. bit.ly/3XwJBql.
[21] Foi considerado o consumo total de 532 TWh em 2023. Para saber mais: EPE. Anuário Estatístico de Energia Elétrica 2024: Ano base 2023. 2024. bit.ly/3BdxE0D.
[22] Foi considerada uma população de 212,6 milhões. Para saber mais: Belandi, Caio. População estimada do país chega a 212,6 milhões de habitantes em 2024. Agência IBGE Notícias. 2024. Data de acesso: 20 de dezembro de 2024. bit.ly/3ZXmLtL.
[23] Considerando um consumo de 532 TWh e uma população de 212,6 milhões, o consumo per capita estimado foi de 2.502 kWh.
[24] É importante destacar que, ao utilizar o Preço de Liquidação de Diferenças como referência para o preço da energia, o Mecanismo de Realocação de Energia (MRE) não é considerado. As usinas participantes desse mecanismo são compensadas quando sua produção fica abaixo de um determinado limite. Durante um período específico, o MRE redistribui o excedente de energia gerado por algumas usinas para aquelas que produziram menos do que suas garantias físicas. Embora esse mecanismo ajude a mitigar as perdas potenciais de geração identificadas neste estudo, sua eficácia depende da existência de energia excedente para redistribuição. Se os efeitos do desmatamento forem sistêmicos e impactarem um número significativo de usinas, a capacidade do MRE de mitigar perdas será substancialmente comprometida.
[25] Foram considerados os lucros dos últimos sete anos.
[26] Santana, Jéssica. Belo Monte celebra 5 anos de operação plena. Norte Energia. 2024. Data de acesso: 17 de dezembro de 2024. bit.ly/41CWuSw.
[27] Considerando um consumo per capita de 2.502 kWh (ver notas de rodapé 19-21).
[28] Por ser um empreendimento recente, a UHE Belo Monte ainda não apresenta lucros por estar amortizando os investimentos para construção. Por isso, comparou-se o impacto com seu EBITDA médio dos últimos cinco anos.
[29] IPAM. Arco do desmatamento. sd. Data de acesso: 17 de dezembro de 2024. bit.ly/49FQI4O.
[30] Tais valores foram obtidos somando as perdas médias de receita para as duas UHEs e traduzindo a soma da perda média de energia em consumo médio por consumidor (2.502 kWh).
Este relatório contou com apoio financeiro de Instituto Itaúsa e Norway’s International Climate and Forest Initiative (NICFI).
Os autores gostariam de agradecer a Salo Coslovsky, Augusto Monnerat e Thiago Nasseh pelo suporte para pesquisa; Juliano Assunção, Beto Veríssimo e Natalie Hoover pelos comentários e sugestões; Rafael Araújo e grupo empírico do CPI/PUC-Rio pelas discussões; Giovanna de Miranda e Camila Calado pela revisão e edição do texto; e Meyrele Nascimento e Nina Oswald Vieira pela elaboração das figuras e formatação do texto.