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Recuperar pastagens degradadas é uma oportunidade única para impulsionar a produção agropecuária brasileira de maneira sustentável. Pastagens recuperadas podem ser utilizadas para aumentar a produtividade na pecuária ou para conversão em cultivos agrícolas ou sistemas integrados de lavoura-pecuária-floresta. Atualmente, cerca de ²⁄3 das pastagens no Brasil, o equivalente a 100 milhões de hectares,[1] estão degradadas. A recuperação dessas áreas evita a necessidade de novos desmatamentos para expansão da produção. Esse equilíbrio entre a produção de alimentos e a preservação da vegetação nativa é necessário para enfrentar o desafio da emergência climática.

O Brasil comprometeu-se a recuperar 30 milhões de hectares de pastagens até 2030, conforme a sua Contribuição Nacionalmente Determinada (Nationally Determined Contribution – NDC)[2] e o Plano de Adaptação e Baixa Emissão de Carbono na Agricultura (Plano ABC+).[3] Além disso, estima-se que sejam necessários US$ 120 bilhões para implementar o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis (PNCPD),[4] cuja meta é recuperar e converter 40 milhões de hectares. Esses recursos devem ser aplicados de forma efetiva para cumprir a meta nacional.

Buscando gerar evidências sobre políticas públicas de recuperação de pastagens degradadas no Brasil, pesquisadores do Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio) avaliam a efetividade do principal instrumento implementado nos últimos anos: a linha de crédito ABC Recuperação. A análise utiliza imagens de satélite e uma metodologia econométrica para estimar os impactos do crédito sobre as pastagens degradadas e mudanças de uso da terra no Cerrado.[5]

Transições de Uso da Terra nos Polígonos do Crédito ABC Recuperação no Cerrado, Operações Contratadas entre 2016 e 2018

Nota: A categoria “Agricultura e mosaico de usos” agrega diferentes tipos de lavoura, florestas plantadas e áreas de mosaico agricultura-pecuária, que não são distinguíveis entre lavoura e pastagem. A categoria “Vegetação nativa” incorpora formações florestais e não florestais naturais. Transições envolvendo áreas não vegetadas e corpos d’água são muito pequenas e, por isso, não são mostradas no gráfico.
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Sicor/BCB (2024) e Lapig/MapBiomas (2022), 2024

O trabalho traz uma série de recomendações para aprimorar o programa e garantir que os instrumentos de política pública sejam efetivos. Os recursos públicos aplicados no crédito subsidiado precisam gerar efeitos positivos do ponto de vista ambiental. O estudo busca caminhos para aprimorar a linha de crédito desenhada especificamente para a recuperação de pastagens degradadas no Brasil e que é o principal instrumento de operacionalização do Plano ABC +. Desta forma, este trabalho também gera insumos para a implementação do PNCPD.

Principais Resultados

Recuperação e Conversão de Pastagens: O crédito ABC Recuperação tem efeitos muito modestos, sem aumento relevante na qualidade das pastagens e com mudanças marginais no uso da terra. Quase 3/4 das áreas analisadas permanecem inalteradas quatro anos após a tomada do crédito. Não há efeitos significativos em áreas severamente degradadas. A obtenção do crédito reduz a área de pastagem em 3 pontos percentuais (p.p.) em média, com conversão para outros usos econômicos.

Assistência Técnica: Tomadores de crédito que utilizaram os recursos para contratar assistência tiveram redução significativa de 6 p.p. em média na área de pastagem degradada, enquanto o vigor das pastagens permaneceu praticamente inalterado para os que não contrataram o serviço.

Desmatamento: Há evidências de conversão de vegetação nativa para pastagem antes da tomada do crédito. Essa tendência foi interrompida após a obtenção dos recursos.

Metas do Plano ABC: Estima-se que o crédito ABC Recuperação tenha contribuído para no máximo 2,5% da meta de recuperação de 15 milhões de hectares até 2020. O alcance da meta depende de outros instrumentos de política pública e da adoção espontânea de práticas de recuperação de pastagens degradadas pelos produtores.

Implicações para Políticas Públicas

A política de crédito subsidiado precisa ser mais eficaz na transformação das pastagens degradadas. Fortalecer o monitoramento das áreas degradadas e avaliar as condições ambientais dos empreendimentos são ações fundamentais. É importante focar o crédito em produtores que não praticaram desmatamento recente e associá-lo a outros instrumentos de política pública, como assistência técnica e gerenciamento de risco.

O estudo faz uma série de análises complementares para lidar com possíveis limitações dos dados, mas os resultados principais permanecem inalterados. Portanto, a conclusão é que a evidência empírica com os melhores dados disponíveis aponta para a pouca efetividade da linha de crédito ABC Recuperação. É importante empreender esforços adicionais de pesquisa para entender, na ponta, os desafios de implementação dos projetos de recuperação de pastagens.

Recomendações

Monitoramento após o Crédito: Fortalecer o monitoramento das áreas degradadas após a liberação do crédito, avaliando o cumprimento do projeto técnico submetido. Isso deve ir além do acompanhamento feito pelas instituições financeiras, que focam nas condições de pagamento e aplicação dos recursos.

Avaliação Sistemática: Implementar uma avaliação sistemática das condições ambientais dos empreendimentos, compreendendo as dificuldades na aplicação das práticas de recuperação de pastagem degradada. Esse tipo de verificação pode ser custosa, mas o custo pode ser reduzido com verificação por amostragem ou uso de dados de satélite para identificar áreas prioritárias.

Avaliação antes do Crédito: Aprimorar a avaliação antes da obtenção do crédito nos empreendimentos declarados. A declaração das áreas que vão receber os investimentos deve refletir, de fato, a área de pastagem a ser recuperada. No estudo, observou-se que mais de 1/4 das áreas declaradas não corresponde a pastagens no momento da tomada do crédito.[6] Também foram encontradas evidências de desmatamento antes da obtenção do crédito, sugerindo que parte da pastagem a ser recuperada pode ter sido recém-convertida de vegetação nativa.

Foco em Boas Práticas: Focalizar o crédito em produtores que adotam boas práticas e restringir o acesso para aqueles que desmataram recentemente. Direcionar recursos para recuperação de pastagem não é a forma mais eficaz de lidar com áreas recém-desmatadas.

Assistência Técnica: Associar o crédito à contratação de assistência técnica pode ser determinante para melhores resultados. A assistência técnica permite que áreas mais severamente degradadas sejam recuperadas e ajuda a evitar que voltem a se degradar.

Mitigação de Riscos e Viabilidade Econômica: Associar o crédito a outros instrumentos de política pública, como apólices de seguro rural de longo prazo e pagamento de renda de transição nos primeiros anos, pode maximizar os impactos, fortalecendo a viabilidade econômica dos investimentos.

Leia o relatório completo


Os autores gostariam de agradecer a Carolina Moniz de Moura e Marcos Duarte pela excelente assistência de pesquisa e Mariana Stussi pelo suporte com os dados e comentários sobre o trabalho. Esse trabalho também contou com valiosos comentários e sugestões em uma série de reuniões e oficinas de discussão dos resultados preliminares, das quais participaram representantes da Agroicone, do Banco do Brasil, do BCB, do BNDES, da Embrapa, do LAPIG/UFG, do Mapa e do WWF. Agradecimentos também a Natalie Hoover El Rashidy, Giovanna de Miranda, Camila Calado e Maria Carolina Cassella pela revisão e edição do texto, e Nina Oswald Vieira e Meyrele Nascimento pela elaboração das figuras e formatação do texto.


[1] MapBiomas. Plataforma MapBiomas – Pastagem. sd. Data de acesso: 22 de julho de 2024. bit.ly/3WxYOax.

[2] República Federativa do Brasil. Pretendida contribuição nacionalmente determinada para consecução do objetivo da convenção-quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. 2016. bit.ly/3WtuI8h.

[3] Mapa. Plano Setorial para Adaptação à Mudança do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária 2020-2030: Plano Operacional. 2021. bit.ly/3w0yknK.

[4] Mapa. Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis – Decreto nº 11.815. 2023. bit.ly/3LQeXlP.

[5] Os pesquisadores cruzaram os polígonos georreferenciados das operações de crédito rural do Banco Central do Brasil (BCB) com dados sobre uso da terra e vigor de pastagens da Plataforma do Projeto de Mapeamento Anual do Uso e Cobertura da Terra no Brasil (MapBiomas) e do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) da Universidade Federal de Goiás (UFG). São analisadas operações de crédito que ocorreram entre 2016 e 2018 no bioma Cerrado. Os efeitos são observados até o ano de 2022.

[6] Embora existam indícios de erro na declaração das áreas, este é o instrumento oficial utilizado para o direcionamento dos recursos subsidiados do Programa ABC e, portanto, relevantes como objeto da análise de efetividade. No entanto, essa imprecisão não muda as conclusões, dado que os resultados permanecem inalterados se a análise for feita apenas nas áreas de pastagem dos polígonos declarados.

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