Menu
Paisagem-scaled


No Brasil, existe hoje uma importante oportunidade de alinhar o crescimento da agropecuária com a proteção dos recursos naturais. Segundo estimativas, podemos dobrar nossa produção agrícola aproveitando as áreas já abertas, sem a necessidade de novos desmatamentos.[1] A Lei de Proteção da Vegetação Nativa (Lei nº 12.651/2012), ou, simplesmente, Código Florestal, é um instrumento fundamental para estimular os esforços do Brasil nessa direção, pois seus dispositivos de proteção que limitam a expansão em termos de área de produção, as Áreas de Preservação Permanente (APP) e a Reserva Legal, criam incentivos para que os produtores rurais invistam em tecnologias para a modernização da agricultura e em práticas que promovam ganhos de produtividade.

Além disso, a 26a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 26), realizada em Glasgow, em novembro de 2021, abre espaço para a recuperação verde da economia do país, pós-pandemia, ao tornar operacional o mercado de carbono e reconhecer as soluções baseadas na natureza como tendo um papel crítico para o controle das mudanças climáticas. Neste caso, o Código Florestal também é um instrumento essencial, pois promove a conservação e restauração florestal, sendo ele próprio um indutor do crescimento econômico verde.

Porém, a implementação da lei ainda constitui um desafio importante. Às vésperas de completar dez anos de sua promulgação e apesar dos avanços alcançados, o Código Florestal está longe de ser efetivamente implementado em todos os estados brasileiros.

Esta publicação do Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio) faz parte de um projeto de monitoramento permanente da implementação do Código Florestal nos estados brasileiros, que conta com a contribuição dos órgãos ambientais e de agricultura estaduais. A partir da análise detalhada das regulamentações estaduais, da coleta de dados e informações junto aos estados e da troca de experiências entre os analistas e gestores estaduais em encontros virtuais e presenciais, o relatório traça uma radiografia da implementação da lei florestal. Além disso, o estudo utiliza indicadores específicos que revelam os avanços alcançados no último ano e identifica as estratégias adotadas pelos estados que se encontram mais adiantados, as principais lacunas e desafios existentes, e as oportunidades para acelerar a implementação da lei.

Ao dar publicidade a essas informações, este relatório permite o acompanhamento contínuo do status da regulamentação e implementação do Código Florestal em cada um dos estados brasileiros, servindo como guia para direcionar os esforços e recursos disponíveis. Este documento é a terceira edição do relatório, tendo sido a primeira versão publicada em 2019. A cada ano, as informações são revistas e atualizadas.

A regularização ambiental das propriedades envolve várias etapas e a intervenção de diferentes atores. A inscrição, análise e validação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) são as etapas iniciais, mas os estados também precisam regulamentar e implementar o Programa de Regularização Ambiental (PRA). O status dos estados em todas as etapas de implementação do Código Florestal pode ser visto nas figuras interativas abaixo:

Status da Implementação do CAR e do PRA pelos Estados, 2021

Fonte: CPI/PUC-Rio, 2021

Imóveis Rurais Inscritos no CAR, 2021

Fonte: CPI/PUC-Rio, 2021

Diferença entre o Número de Cadastros Inscritos, Analisados e Validados nos Estados, 2021

Fonte: CPI/PUC-Rio, 2021

Todos os estados já estão bem avançados na etapa de inscrição dos imóveis rurais no CAR, mas a base do CAR continua sendo ampliada permanentemente, com novos cadastros em 2021 em todas as unidades da federação. Em alguns estados este avanço se deu principalmente no registro de pequenos proprietários, possuidores e povos e comunidades tradicionais, como no Amazonas, Bahia, Maranhão, Pará, Pernambuco e Piauí. O Pará desenvolveu uma metodologia própria de inscrição que contou com a participação ativa das comunidades. Apesar disso, na maioria dos estados este grupo ainda necessita de auxílio do poder público para progredir. É importante ressaltar que o prazo para os produtores inscreverem seus imóveis rurais no CAR, sem perder o direito de aderir ao PRA, se esgotou em 31 de dezembro de 2020.

etapa de análise e validação dos cadastros já foi inaugurada pela maioria dos estados, mas continua sendo o principal gargalo para a implementação do Código Florestal. A grande novidade de 2021 foi a implantação, ainda que de forma incipiente, da análise dinamizada no Amapá, Amazonas, Distrito Federal, Paraná e Rio de Janeiro. Embora a ferramenta já esteja disponível em todos esses estados, ela está em operação apenas em alguns municípios pilotos no Amapá e Paraná. Os demais estados ainda estão avaliando as áreas estratégicas ou corrigindo mapeamentos temáticos. A expectativa é que a análise dinamizada se estenda para mais 18 estados até o final de 2022. Com a implementação da análise dinamizada, o Amapá conseguiu avançar da etapa de inscrição para a etapa de análise e validação do CAR.

Quase todos os estados já conseguiram implementar a análise dos dados declarados nos cadastros pela equipe técnica. Apesar de muitos estados já terem alcançado esta etapa, a situação entre estados é bastante heterogênea, alguns estão muito mais avançados que outros. Dentre os estados que já possuíam uma rotina “ativa” de análise dos cadastros pela equipe técnica, apenas Acre, Amazonas, Maranhão e Rondônia tiveram um aumento significativo no volume de cadastros analisados por mês, durante o ano de 2021. Mato Grosso e Pará, que já tinham atingido um grande progresso no ano anterior, conseguiram manter uma elevada taxa de análise esse ano.

Apesar do avanço na análise dos cadastros em diversos estados, a validação continua sendo um enorme desafio em todos que já alcançaram esta etapa. Apenas Acre, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Rondônia e Pará tiveram progresso no número de cadastros validados em 2021, com destaque para o Maranhão que aumentou em 700% a validação. Em termos absolutos, o número de cadastros validados nos estados varia muito. Em Alagoas, Distrito Federal, Goiás e Santa Catarina este número ainda é muito baixo, de 1 a 100 cadastros. A situação no Amazonas, Rio de Janeiro, São Paulo, Acre e Paraná é um pouco melhor, mas, ainda assim, estes estados possuem apenas 100 a 550 cadastros validados. Outros estados já conseguiram avançar um pouco mais e já possuem entre 1.000 a 3.000 cadastros validados, como é o caso do Ceará, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pará e Rondônia. Mato Grosso já conseguiu validar em torno de 6 mil cadastros. Apesar dos progressos nestes estados, o Espírito Santo continua sendo o mais avançado nessa etapa, com aproximadamente 73 mil cadastros já validados, o que representa 72% dos cadastros do estado.

Dentre os desafios identificados nesta fase, destacam-se o elevado volume e baixa qualidade dos cadastros, a dificuldade de comunicação com proprietários e possuidores e escassez de bases cartográficas, recursos técnicos e humanos para executar a validação. Minas Gerais, Pernambuco, Piauí e Roraima ainda se encontram na fase de inscrição e não começaram a análise e validação do CAR.

Como o CAR é um instrumento do Código Florestal que tem sido usado em outras políticas públicas, como licenciamento ambiental, acesso ao crédito rural e regularização fundiária, avançar na etapa de análise e validação do CAR deve ser prioridade máxima dos governos estaduais. O cancelamento de mais de mil cadastros no Pará que estavam sobrepostos à Terras Indígenas e Unidades de Conservação, mostra o quanto é importante validar as informações do CAR para assegurar uma base cadastral confiável.

A regulamentação do PRA já foi editada por quinze estados, sendo que Amapá, Ceará e Minas Gerais regulamentaram nesse último ano. Embora não tenham regulamentado o PRA, Goiás, Maranhão, Rio Grande do Norte e Roraima possuem minutas em tramitação. Os oito estados restantes continuam bastante atrasados e aguardam a implementação do Módulo de Regularização Ambiental (MRA) pelo Serviço Ambiental Brasileiro (SFB) para editar a regulamentação. A falta de regulamentação impede que o estado avance nas etapas subsequentes à análise dos cadastros.

Na maioria dos estados a implementação do PRA ainda está longe de acontecer. Em apenas seis estados, Acre, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Pará, o programa está em operação, com sistema em pleno funcionamento, termos de compromisso assinados e projetos de regularização de APP e Reserva Legal em execução e monitoramento. Dos estados que não haviam implementado o programa até o ano passado, nenhum avançou em 2021. Com relação ao número de termos de compromisso já assinados e em execução nos estados, os números variam: Rondônia possui em torno de 140, Acre e Pará entre 280 e 300, enquanto Mato Grosso possui pouco mais de 450 termos de compromisso assinados. Observa-se um pequeno aumento na assinatura de novos termos de compromisso em 2021, o que mostra a dificuldade de levar a regularização ambiental até o fim. Na Bahia e Mato Grosso do Sul há termos de compromisso auto-declaratórios, mas não foi possível saber quantos estão em execução.

A implementação do PRA depende também da regulamentação pelos estados das modalidades e parâmetros para a regularização ambiental das áreas consolidadas em APP e Reserva Legal. A tabela, abaixo, sintetiza a legislação dos estados com relação à regularização dos passivos em APP e Reserva Legal.

A maioria dos estados já estabeleceu as regras mínimas sobre recomposição de APP e Reserva Legal. Dentre os estados que não haviam editado normas sobre a regularização dos passivos até 2020, apenas Amapá, Ceará, Maranhão e Minas Gerais avançaram em 2021. De modo geral, a regulamentação dos estados segue as regras gerais do Código Florestal, mas cada estado traz uma inovação própria. Alguns estados instituíram regras jurídicas estabelecendo diretrizes e critérios sobre a elaboração, execução e monitoramento de projetos de restauração da vegetação nativa em áreas degradadas e alteradas, enquanto outros estão dispondo sobre este assunto por meio de manuais e cartilhas.

Regulamentação nos Estados com Relação à Regularização dos Passivos em APP e Reserva Legal, 2021

Clique na tabela para acessar as legislações.

A compensação de Reserva Legal por meio de doação ao poder público de área em Unidade de Conservação pendente de regularização fundiária continua sendo privilegiada, tendo sido regulamentada em 14 estados. São Paulo, por exemplo, instituiu em 2020 o Programa Agro Legal, estabelecendo expressamente que a compensação da Reserva Legal por meio da doação de áreas em Unidades de Conservação constitui uma das diretrizes do programa e deve ser facilitada.

A regulamentação e implementação, pelos estados, do artigo 68 do Código Florestal, que dispõe sobre a aplicação do percentual de Reserva Legal de acordo com a lei em vigor à época da supressão de vegetação, permanece complexa e de difícil aplicação. Apenas Amapá, Amazonas, Goiás e Paraná e São Paulo regulamentaram este dispositivo em lei estadual, enquanto a maioria apenas faz menção à lei federal. São Paulo, por exemplo, estabeleceu em lei estadual uma lista de marcos legais que devem ser considerados para o cálculo da Reserva Legal no estado. O dispositivo foi declarado constitucional pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em 2019, mas o Ministério Público interpôs um recurso extraordinário contra a decisão, que ainda não foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal. A decisão do Supremo sobre este recurso será de grande importância, pois delimitará os critérios a serem observados no exercício da competência dos estados para legislar e definir os marcos legais para a aplicação do artigo 68.

A maioria dos estados, ao regulamentar o PRA, somente dispõe sobre a regularização ambiental dos passivos em APP e Reserva Legal anteriores a 2008. Apenas dez estados estabelecem em legislação o procedimento para a regularização dos passivos que foram constituídos após 2008. Dentre eles, Acre, Bahia, Pará e o Distrito Federal preveem que os passivos anteriores e posteriores a 2008 serão regularizados no âmbito do PRA. Já Amapá, Rio de Janeiro e Paraná estabelecem procedimentos distintos. Apesar de não haver previsão legal expressa, alguns estados, a exemplo de Rondônia, estão resolvendo esta questão diretamente nos sistemas do CAR e PRA. Essa situação deve melhorar com a implementação do Módulo de Regularização Ambiental (MRA) pelo SFB. O MRA poderá ser usado para a recuperação de passivos constituídos antes e depois de 2008. O sistema já terá embutido as regras diferenciadas para cada situação, já que os passivos anteriores a 2008 seguem um regime jurídico mais flexível, com parâmetros de recuperação mais brandos.

Além dos avanços alcançados pelos estados neste ano, outras atividades capazes de impactar a implementação do Código Florestal merecem destaque:

Com o objetivo de criar incentivos para o avanço da validação do CAR, o Conselho Monetário Nacional (CMN) incluiu no Plano Safra 2020/21 um dispositivo que aumenta o limite de crédito em 10% para os produtores com CAR validado. É uma proposta que oferece aos produtores com CAR validado um acesso diferenciado aos recursos subsidiados. Mas também incentiva os estados a avançarem no processo de validação para que seus produtores possam desfrutar do benefício. O Banco Central (BC) também anunciou a dimensão de Sustentabilidade da Agenda BC#, com diretivas que podem aprofundar esse processo de direcionamento do recurso público privilegiando a sustentabilidade do agronegócio. No último ano, o BC promoveu três consultas públicas relacionadas ao tema e editou a Resolução no 140/2021 instituindo uma nova seção no Manual do Crédito Rural, dispondo sobre a caracterização de empreendimentos com restrições de acesso ao crédito rural em razão de dispositivos legais ou infralegais atinentes a questões sociais, ambientais e climáticas. É um processo ainda bastante incipiente, mas que pode ser utilizado para criar outros incentivos para a implementação do Código Florestal.

O SFB também tem desempenhado um papel relevante como desenvolvedor de sistema e infraestrutura de tecnologia da informação para a implementação dos módulos do CAR e do PRA. Em 2021, com uma mudança na gestão, o SFB conseguiu implementar a análise dinamizada em alguns estados e prevê lançar até o final do ano a primeira versão do módulo de regularização ambiental. Além disso, o SFB está desenvolvendo outros módulos que vão ajudar na gestão dos cadastros analisados, desmembramento e remembramento de imóveis rurais, compensação de Reserva Legal e monitoramento dos termos de compromisso de recuperação florestal.

Existe uma situação de insegurança jurídica que tem impactado negativamente a implementação do Código Florestal. Há ações judiciais cuja decisão está pendente de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ou Superior Tribunal de Justiça (STJ), como a controvérsia com relação à aplicação da Lei da Mata Atlântica, dificultando a análise e validação dos cadastros nos estados na Mata Atlântica, a legalidade da regulamentação do artigo 68 pela legislação de São Paulo e a possibilidade de revisão dos termos de compromisso firmados antes da edição do Código Florestal.

Finalmente, as propostas de alteração ao Código Florestal que vêm sendo apresentadas no Congresso Nacional não arrefeceram em 2021. É o caso do PL nº 36/2021 que propõe novos prazos de inscrição ao CAR para manter o direito de adesão ao PRA. É fundamental que nenhuma alteração ao Código Florestal seja proposta sem uma análise muito criteriosa dos impactos que tais mudanças possam vir a causar na implementação da lei nos estados. Qualquer alteração legislativa que acarrete revisão significativa das regras estaduais, implicaria ignorar todo o empenho e os recursos que vêm sendo aplicados pelos estados para regulamentar e implementar essas normas, além de retardar a implementação do código e a regularização dos passivos ambientais nos imóveis rurais.


[1] Antonaccio, Luiza, Juliano Assunção, Maína Celidonio, Joana Chiavari, Cristina L. Lopes, Amanda Schutze. Ensuring Greener Economic Growth for Brazil. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2018. bit.ly/3oZHgSY.

up

Usamos cookies para personalizar o conteúdo por idioma preferido e para analisar o tráfego do site. Consulte nossa política de privacidade para obter mais informações.