Sumário Executivo
O Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), lei de proteção da vegetação nativa com abrangência em todo o país, é uma das políticas públicas ambientais mais importantes do Brasil. A implementação da lei é essencial para o país atingir suas metas climáticas, conservar a sua biodiversidade e desenvolver uma economia verde e com soluções baseadas na natureza, promovendo uma agricultura sustentável e de baixo carbono, restauração de áreas degradadas e manejo florestal sustentável.
Por se tratar de uma política pública extremamente relevante, o Climate Policy Initiative/ Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio) tem uma agenda de pesquisa inteiramente dedicada a essa lei. Esta publicação faz parte de um projeto de monitoramento permanente da implementação do Código Florestal nos estados brasileiros, que conta com a contribuição dos órgãos estaduais de meio ambiente e de agricultura. A partir da análise detalhada das regulamentações estaduais, da coleta de dados e de informações junto aos estados e da troca de experiências entre os analistas e gestores estaduais, em encontros virtuais e presenciais, este relatório traça uma radiografia da implementação da lei florestal com foco no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e no Programa de Regularização Ambiental (PRA). Além disso, o estudo utiliza indicadores específicos, que revelam os avanços alcançados no último ano, e identifica as estratégias adotadas pelos estados que se encontram mais adiantados e que podem ser replicadas, as principais lacunas e desafios existentes, assim como as oportunidades para acelerar a implementação da lei.
Ao publicizar essas informações, este relatório permite o acompanhamento contínuo do status da regulamentação e da implementação do Código Florestal em cada um dos estados brasileiros, servindo como guia para direcionar os esforços e os recursos disponíveis. Este documento é a quinta edição do relatório, cuja primeira versão foi publicada em 2019. A cada ano, as informações são completamente revistas e atualizadas, acompanhando o desenvolvimento da agenda.
Contexto Político em 2023 e seus Reflexos no CAR
Em 2023, ano de retomada do protagonismo da agenda ambiental pelo governo federal e de grandes expectativas em relação à priorização do Código Florestal, muita energia foi gasta em discussões sobre a quem caberia a gestão do CAR, que representa o principal pilar da política. O CAR esteve sob a gestão do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) de 2019 a 2023, quando o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) foi transferido para esse ministério. Com a mudança de governo, em 2023, e o retorno do SFB ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), o CAR passou a ser alvo de acirradas disputas, que se estenderam até a edição da Lei no 14.600, de 19 de junho de 2023, regulamentada apenas em outubro do mesmo ano com a edição do Decreto nº 11.731/2023. Essa normativa passou a gestão do CAR para o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI).
A formalização legal não representou a migração na prática. Até o momento, essa transição ainda não foi concluída e o SFB continua gerindo a base do CAR. A expectativa de migração do CAR gera muita apreensão nos estados, que temem sofrer com novas instabilidades e problemas no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), sistema que reúne e integra todas as bases estaduais do CAR. Em 2022, o sistema que ficava armazenado em uma infraestrutura física (data center), sob a gestão do SFB, migrou para uma infraestrutura de nuvem, sob a gestão do Departamento de Tecnologia da Informação (DTI) do Mapa, gerando uma série de problemas, como instabilidade, demora na integração entre as bases estaduais e o sistema federal e na correção de falhas. Mas há quem veja nessa migração um movimento positivo de colocar a base de dados sob a gestão de um ministério com competência em gestão de dados, capaz de criar uma infraestrutura digital que permita customizar módulos e ferramentas com mais agilidade e realizar a integração do CAR com outros cadastros.
Ao mesmo tempo, o CAR não é formado apenas pela base de dados de inscrição dos imóveis rurais; o CAR integra o Sicar, que é composto por vários módulos para gerenciar as inscrições, as análises (por equipe e dinamizada), a regularização ambiental, dentre outros módulos em desenvolvimento. O MMA e o MGI estão conversando sobre a possibilidade de a gestão do Sicar ser compartilhada entre os dois ministérios, mas não está claro como isso poderá ser operacionalizado. O ano de 2023 termina sem que essa migração tenha se concretizado.
Apesar das mudanças e incertezas com relação ao CAR/Sicar, os avanços constatados pelos estados, em 2023, reforçam a competência e o papel de liderança dos entes subnacionais na implementação do Código Florestal. Os estados não ficaram parados esperando as definições em âmbito federal; eles tomaram decisões e implementaram estratégias e soluções para avançar com as análises e a implementação do Programa de Regularização Ambiental (PRA). Ainda assim, as ações em âmbito federal continuam sendo essenciais para o avanço da agenda, incluindo o fortalecimento do Sicar como prioridade e a disponibilização de ferramentas, insumos e módulos adicionais integrados ao sistema.
Avanços da Implementação do Código Florestal nos Estados
A implementação do Código Florestal nos estados brasileiros vem ocorrendo de forma bastante desigual desde a sua edição. Após cinco anos de avanços concentrados em alguns poucos estados, em 2023, observa-se um salto na agenda, com estados ganhando escala na análise dos cadastros e outros regulamentando e implantando o PRA, ampliando, assim, o grupo de estados na vanguarda do Código Florestal.
O grande destaque de 2023 é Minas Gerais: o estado não só alcançou novas etapas na implementação, como teve um crescimento significativo das análises do CAR tanto em número de análise iniciada como de análise concluída. O estado adotou diferentes estratégias para a análise: contratação de empresa especializada; reforço na equipe técnica do CAR; e uso inicial da ferramenta de análise dinamizada do SFB e, em estágio piloto, da ferramenta CAR 2.0, da Plataforma Selo Verde. Minas Gerais também avançou na implementação do PRA declaratório com aumento no número de termos de compromisso assinados e propostas de adesão ao PRA. Esses avanços foram alcançados, porque a agenda do Código Florestal está sendo encarada como estruturante no estado. O Programa PRA Produzir Sustentável é um programa guarda-chuva que alinha o Código Florestal a outras políticas como restauração, Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), clima e recursos hídricos. O programa pretende promover a adequação ambiental através da restauração produtiva, gerando renda para os produtores rurais.
Outro estado que se sobressaiu no último ano foi Alagoas. O pequeno estado do Nordeste, uma das regiões mais atrasadas na implementação do Código Florestal, teve um progresso importante em 2023. Alagoas avançou nas análises do CAR, regulamentou e implementou o PRA e já conta com alguns termos de compromissos para a regularização ambiental, alcançando todas as etapas de implementação da lei. Esse avanço foi impulsionado graças ao aumento da equipe dedicada à agenda, através da contratação de técnicos para o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA/AL), e por um pedido do Ministério Público Federal (MPF) para o órgão analisar todos os cadastros das propriedades ao longo do Rio São Francisco. As análises ganharam escala e foram expandidas para imóveis rurais dentro de unidades de conservação ou vinculados a processos de licenciamento ambiental.
Dentre os estados que vêm liderando a implementação do Código Florestal na região Amazônica — Pará, Mato Grosso, Rondônia e Acre — Pará é o estado que mais inova e avança nas análises do CAR e na regularização de imóveis rurais, com o incremento de áreas em adequação ambiental. O estado implementou, em 2023, a ferramenta de análise automatizada CAR 2.0 e manteve uma grande equipe técnica dedicada às análises. Com isso, o estado obteve um avanço significativo de cadastros com análises concluídas. O estado também avançou na última e mais importante etapa do processo de regularização ambiental, que é a assinatura de termos de compromisso, no âmbito do PRA, abrangendo uma área de 110 mil hectares em processo de recuperação. Pará tem adotado estratégias diversificadas para implementar a lei florestal, alinhando o Programa Regulariza Pará com outras políticas ambientais. Por um lado, o estado promove o combate ao desmatamento, priorizando a análise dos CARs de imóveis maiores que quatro módulos fiscais com alto índice de supressão ilegal de floresta, e quando não respondem às notificações para regularização ambiental, suspendendo e cancelando os cadastros dos proprietários. Por outro lado, o estado priorizou a análise dos cadastros de agricultores familiares que mantêm a floresta conservada, permitindo o recebimento de mais de 433 mil reais a título de PSA, no âmbito do Projeto Floresta+ Amazônia, do governo federal.
Vale mencionar os avanços em São Paulo, estado que já tinha alcançado um progresso importante, em 2022, com a análise dinamizada, mas que conseguiu avançar ainda mais em 2023, triplicando o número de cadastros com a análise concluída. Para enfrentar o maior obstáculo da etapa de análise do CAR, que é a comunicação com os proprietários para a retificação dos cadastros, São Paulo adotou diferente estratégias: equipe técnica robusta e capacitada, plantões de atendimento presencial, implementação de um call center para tirar dúvidas sobre o Código (FaleCAR) e realização de parcerias com órgãos técnicos para a capacitação de consultores que trabalham na agenda. Além disso, depois de anos de judicialização da regulamentação do PRA, o estado conseguiu implementar o programa, após uma definição da situação jurídica e da adoção do módulo de regularização ambiental (MRA), desenvolvido pelo SFB, mas customizado para atender às peculiaridades do estado.
Por fim, Mato Grosso do Sul e Paraná também tiveram progressos importantes na etapa de análise do CAR com a implementação da ferramenta de análise dinamizada dos cadastros, ao passo que o Distrito Federal alcançou novas etapas com a implementação do PRA.
Há um grupo de estados que não obteve progressos significativos em 2023 e se manteve praticamente no nível de implementação do ano anterior. Nesse grupo, encontram-se: Piauí, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Roraima, Santa Catarina e Sergipe.
O status dos estados em todas as etapas de implementação do Código Florestal pode ser visto na Figura 1, abaixo.
Figura 1. Status da Implementação do CAR e do PRA pelos Estados, 2023
Mapa interativo
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados atualizados fornecidos pelos órgãos estaduais, 2023
Etapas de Inscrição dos Imóveis Rurais no CAR
Inscrição dos Imóveis Rurais no CAR
A etapa de inscrição dos imóveis rurais no CAR já está consolidada em todos os estados.[1] Ainda assim, observa-se um aumento constante na base cadastral em todo o país em decorrência da inscrição de pequenos agricultores e de povos e comunidades tradicionais (PCT) e também pela dinâmica de desmembramento, remembramento e atualizações cadastrais de imóveis rurais. No último ano, o número de inscrições no CAR aumentou em 8,6%, alcançando o total de 7,24 milhões de cadastros em novembro de 2023. Bahia e Minas Gerais são os estados com o maior número de cadastros do país e, atualmente, ambos possuem mais de um milhão de cadastros em suas bases (Figura 2).
Figura 2. Imóveis Rurais Inscritos no CAR, 2023
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados atualizados fornecidos pelos órgãos estaduais responsáveis pelo CAR (novembro de 2023) e dados da Consulta Pública do CAR (atualizada em novembro de 2023), 2023
Inscrição de Territórios de PCT no CAR
A inscrição de territórios de PCT no módulo próprio CAR/PCT vem avançando nos últimos anos em vários estados. Apenas Espírito Santo, Mato Grosso e o Distrito Federal não possuem nenhum território tradicional inscrito no CAR/PCT. Alguns estados se destacam com um elevado número de inscrições, como é o caso do Maranhão com 680 CAR/PCT, Bahia com 345 e São Paulo com 310. Paraná, Piauí, Minas Gerais e Pernambuco possuem entre 100 e 180 CAR/PCT e, em Alagoas, Amazonas, Goiás, Pará e Rio Grande do Norte, as inscrições variam entre 10 e 100 cadastros. Os demais estados — Acre, Amapá, Ceará, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins — possuem menos de 10 CAR/PCT. Alguns estados têm estratégias próprias para promover essas inscrições, como é o caso do Pará. O estado promove encontros e capacitação das próprias comunidades, que participam ativamente de todo o processo para a inscrição no CAR/PCT. O estado criou uma metodologia junto com as comunidades, que envolve várias fases até a inscrição se concretizar (Semas/PA 2023). Essas ações permitiram a inscrição de 37 territórios quilombolas e 13 territórios extrativistas, abrangendo uma área de mais de um milhão de hectares e contemplando mais de 12 mil beneficiários. Há estados em que a competência para a inscrição de CAR/PCT é do órgão ambiental, como Amazonas, Pará e São Paulo, e em outros estados a competência é de órgãos ligados à agricultura e desenvolvimento rural, como no Ceará e no Rio Grande do Sul. A maioria dos cadastros são de comunidades quilombolas, mas há também inscrições de comunidades de cipozeiros, extrativistas, faxinais, fundo e fecho de pasto, geraizeiros, ilhéus, indígenas, quebradeiras de coco babaçu, pescadores e ribeirinhos.[2]
Inscrição Individualizada dos Lotes de Projetos de Assentamentos da Reforma Agrária no CAR
Em 2023, houve um grande avanço com a instituição e operacionalização do Módulo Lote CAR (MLC) para a inscrição individualizada dos lotes de assentamentos da reforma agrária no CAR. A Instrução Normativa no 131/2023 do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), institui formalmente o MLC e estabelece normas e procedimentos administrativos para a individualização automatizada dos lotes de beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) no CAR. Antes, apenas os perímetros dos projetos de assentamento tinham sido inscritos no CAR, o que dificultava o acesso dos assentados a políticas públicas e ao crédito rural, já que usam o CAR como condição para o benefício. Agora, o assentado interessado poderá requerer a inscrição da sua parcela junto às unidades do Incra ou nas instituições parceiras. A individualização dos cadastros dos lotes de assentamentos também é fundamental para promover a regularização ambiental das áreas, já que uma parcela significativa do desmatamento na Amazônia ocorre nos assentamentos rurais (Mourão, Sessim e Souza 2023). A implementação dessa ferramenta já está em curso nas superintendências regionais do Incra em nove estados: Goiás, Maranhão, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima e Sergipe, totalizando 2.273 inscrições realizadas até o momento.
Etapa de Análise do CAR
Análise dos Dados do CAR
Em 2023, vários estados obtiveram progressos importantes na análise dos dados declarados no CAR, como Alagoas, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraná e o Distrito Federal. Esse avanço na etapa mais desafiadora da implementação do Código Florestal ocorreu tanto pelo aumento das equipes técnicas de análise quanto pela adoção de ferramentas de análise automatizada do CAR. Mas quatro estados — Piauí, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Roraima — se mantêm na retaguarda e não conseguiram iniciar essa etapa.
Em 2023, houve um avanço significativo na adoção de ferramentas para análise automatizada do CAR, que já foram implementadas em seis estados, quatro a mais do que no ano passado, abrangendo Amapá, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraná e São Paulo. Alguns estados usam o módulo de análise dinamizada desenvolvido pelo SFB, como é o caso do Amapá, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Paraná; já São Paulo customizou esse sistema para atender às peculiaridades do estado. Pará e Minas Gerais adotaram o CAR 2.0, que também é uma ferramenta de automatização das análises, desenvolvida por uma consultoria para a Plataforma Selo Verde. A análise automatizada do CAR garantiu um ganho de escala nas análises iniciadas e concluídas em todos esses estados, com destaque para Mato Grosso do Sul e Paraná. Mato Grosso do Sul conseguiu analisar 70% da sua base cadastral, um salto significativo com relação a 2022. Paraná está rodando a análise dinamizada por regionais e alcançando resultados bastante positivos, tendo conseguido triplicar o número de CARs analisados.
As ferramentas de análise automatizada do CAR estão sendo bastante úteis para os cadastros que não necessitam retificar os dados e não possuem passivos ambientais, ou seja, elas são particularmente eficazes para imóveis rurais menores que quatro módulos fiscais. Nesse contexto, é interessante notar a relação entre número de cadastros com análise concluída e a área correspondente ocupada. No Pará, cerca de 11 mil CARs foram totalmente analisados pela equipe técnica e 23 mil pelo CAR 2.0. Entretanto, em termos de área, as análises por equipe abrangeram mais de seis milhões de hectares, enquanto a análise automatizada, apenas 776 mil hectares.
Minas Gerais foi o estado que teve o maior progresso no número de análises, passando de 16 cadastros com análise iniciada em 2022 para mais de 13 mil cadastros em 2023 — dos quais, quase 12 mil análises foram feitas pela equipe técnica. Entretanto, o desafio do estado é colossal. Minas Gerais conta com mais de um milhão de cadastros em sua base, e todo esse progresso alcançado representa uma parcela ínfima dos imóveis.
Alagoas também se destacou, neste ano, aumentando em 12 vezes o número de cadastros analisados no estado. Distrito Federal e Goiás triplicaram o número de cadastros analisados, e Sergipe dobrou suas análises em 2023. Em termos absolutos, os estados que mais possuem cadastros com análises iniciadas são São Paulo, com 387 mil CARs, e Pará, com 219 mil CARs. Ceará, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia possuem entre 40 mil e 80 mil CARs com análise iniciada. Acre, Amazonas, Góias, Maranhão e Minas Gerais possuem entre 10 mil e pouco mais de 30 mil CARs analisados. Nos demais estados, menos de 1.500 cadastros já passaram por análise.
Com relação à proporção de CARs com análise iniciada pelo total de cadastros no estado, apenas quatro estados se destacam: São Paulo, Pará, Mato Grosso do Sul e Espírito Santo, com mais de 70% da base cadastral com análise iniciada. Já no Acre, Amapá, Amazonas, Ceará, Goiás, Mato Grosso e Rondônia, essa proporção cai para 10% a 40%. Mesmo avançando nas análises, Minas Gerais e Paraná possuem muitos cadastros e a proporção da análise iniciada pelo total de cadastros da base é muito baixa, indicando o tamanho do desafio que os estados ainda têm pela frente.
A Figura 3 mostra o número total de análises iniciadas e a proporção das análises iniciadas pelo total de cadastros do estado. Considerando o país como um todo, mais de um milhão de CARs já passaram pela análise por equipe ou automatizada, o que representa cerca de 14,1% de todos os cadastros do Brasil.
Figura 3. Proporção da Análise Iniciada do CAR e Número total de CAR com Análise Iniciada, 2023
Mapa interativo
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados atualizados fornecidos pelos órgãos estaduais responsáveis pelo CAR (novembro de 2023), dados da Consulta Pública do CAR (atualizada em novembro de 2023), dados do portal Regulariza Pará (Semas/PA 2023) e dados do geoportal da Sema/MT (2023), 2023
Conclusão da Análise
Em 2023, observa-se um grande avanço em alguns estados na conclusão das análises do CAR, com destaque para o Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná e São Paulo. Esses quatros estados usam ferramentas de análise automatizada do CAR, o que certamente ajudou a impulsionar a conclusão das análises dos cadastros sem pendência. Em termos percentuais, o Mato Grosso do Sul teve o maior progresso, aumentando em mais de 600% o número de cadastros com análise finalizada pelo órgão competente, passando de 1.800 CARs, em 2022, para mais de 14 mil CARs, em 2023. Já em termos absolutos, Pará e São Paulo alcançaram a marca de mais de 34 mil CARs com análise concluída.
Apesar dos progressos alcançados nesses estados, o Espírito Santo continua sendo o mais avançado nessa etapa, com aproximadamente 77 mil cadastros totalmente analisados. O estado conseguiu esse êxito, porque a elaboração dos cadastros de imóveis rurais menores que quatro módulos fiscais foi feita com apoio técnico do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf/ES). Esses cadastros já foram inscritos com informações corretas, o que facilitou as análises pelo órgão competente. Mas o Espírito Santo não vem avançando nas análises dos demais cadastros do estado.
Alguns estados que tinham zero cadastros com análise concluída em 2022 conseguiram finalizar totalmente a análise de alguns cadastros, como é o caso do Amapá, Minas Gerais, Paraíba e Tocantins. Ainda que, em termos absolutos, o número de cadastros com análise concluída seja baixo nesses estados, os avanços na etapa mais desafiadora da implementação do Código Florestal já representam um progresso.
Apesar dos avanços, a conclusão da análise do CAR, com a homologação dos dados declarados no CAR e a análise da regularidade ambiental do imóvel, continua sendo o grande gargalo na implementação do Código Florestal. Como mostra a Figura 4, a proporção de CARs com análise concluída pelo total de cadastros no estado continua crítica, com a exceção do Espírito Santo, que tem cerca de 68% da base cadastral toda analisada, e de Mato Grosso do Sul e Pará, que já possuem mais de 10% dos cadastros do estado com análise concluída. Considerando todos os estados, cerca de 2,7% dos cadastros do país já tiveram a análise concluída por equipe ou pelo sistema de análise dinamizada. Em termos percentuais, o avanço no último ano foi pequeno, mas, em termos absolutos, foram mais de 70 mil cadastros com análise finalizada.
O principal motivo para a análise dinamizada não ter tido a eficácia esperada é que o número de cadastros que precisa de retificação é gigantesco. Só em São Paulo, quase 90% dos cadastros que passaram pelo sistema precisam de alguma retificação. Esse problema não é específico de São Paulo, nem da análise dinamizada; é um desafio de todos os estados, seja na análise por equipe ou automatizada. No Pará, dos 219 mil cadastros que já foram objeto de análise, 123 mil estão aguardando o produtor responder as notificações para retificar ou complementar os dados do CAR. Em Rondônia, dos mais de 49 mil CARs com análise iniciada, o órgão competente aguarda o atendimento da notificação de quase 42 mil cadastros. Vários outros estados enfrentam esse mesmo desafio. Há uma constatação de que os cadastros estão “velhos”, pois os imóveis mudaram ao longo desses 10 anos de implementação do CAR e, hoje, as análises contam com novas bases de referência, com mais precisão e acurácia, apontando inconsistências, que não eram identificadas quando os cadastros foram feitos. Muitos técnicos dizem que está havendo um verdadeiro recall dos cadastros.
Dificuldades na comunicação com proprietários e possuidores é a principal razão pela qual as notificações não são atendidas. Alguns estados, como Acre e São Paulo, conseguiram avanços nesse sentido. O Acre criou, no último ano, o Setor de Notificação no âmbito do Escritório Técnico de Gestão do CAR e PRA. Esse novo setor possui equipe dedicada para contatar os proprietários e falar das notificações e agendar a assinatura de termos de compromisso. Com isso, o estado conseguiu aumentar a quantidade de análises concluídas em mais de 60% e encaminhar os produtores com passivo para a regularização dos imóveis rurais. São Paulo fez plantões de atendimento presencial nos municípios e implementou um call center (FaleCAR) para tirar dúvidas sobre o Código. De abril a novembro de 2023, o FaleCAR recebeu mais de oito mil chamadas para resolver problemas, que vão desde dificuldades com o Sicar até dúvidas sobre compensação de Reserva Legal. Essas estratégias parecem ter sido efetivas: 87% das demandas do FaleCAR foram resolvidas, várias notificações foram atendidas, e o estado conseguiu avançar em mais de 200% na conclusão das análises.
Figura 4. Proporção da Análise Concluída do CAR e Número Total de CAR com Análise Concluída, 2023
Mapa interativo
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados atualizados fornecidos pelos órgãos estaduais responsáveis pelo CAR (novembro de 2023), dados da Consulta Pública do CAR (atualizada em novembro de 2023), dados do portal Regulariza Pará (Semas/PA 2023) e dados do geoportal da Sema/MT (2023), 2023
Cancelamento de CAR Sobreposto a Áreas Não Cadastráveis
O cancelamento de CARs sobrepostos às Terras Indígenas (TIs), Unidades de Conservação (UCs) de domínio público e outras áreas públicas não cadastráveis é um indicador importante da implementação do Código Florestal, mas não foi possível quantificar progressos ou retrocessos, neste último ano. Pará mantém, permanentemente, ações de cancelamento e suspensão de cadastros irregulares, disponibilizando os dados georreferenciados publicamente.[3] O estado vem suspendendo e cancelando centenas de cadastros em TIs e em UCs, mas novos CARs são inscritos, todos os anos, nessas áreas. Acre, Amazonas, Mato Groso e Rondônia são estados que já promoveram o cancelamento de CARs irregulares. Essa questão continua sendo um problema de difícil solução já que não há um bloqueio permanente no sistema de novas inscrições sobre essas áreas. Promover uma solução rápida e eficiente para cancelar os cadastros irregulares e evitar que novos cadastros sejam feitos é uma questão de ordem fundiária, social e ambiental, que deve ser tratada de modo prioritário e urgente.
Etapa de Regulamentação do Código Florestal pelos Estados
Regulamentação do PRA e dos Passivos em Área de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal
Alagoas e Maranhão regulamentaram o PRA no segundo semestre de 2023, alcançando essa nova e importante etapa. Ao todo, 16 estados e o Distrito Federal já regulamentaram efetivamente o PRA e já adotaram normas para recuperação dos passivos em APP e Reserva Legal. Mas 10 estados — Alagoas, Espírito Santo, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Roraima, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins — ainda estão muito atrasados na construção de um conjunto normativo mínimo para a regularização ambiental dos imóveis rurais. Nesses estados, o PRA não está regulamentado ou a regulamentação adotada não é suficiente, e não há procedimentos e critérios estabelecidos para a recuperação dos passivos de vegetação.
No último ano, alguns estados atualizaram a sua legislação com a adoção de novas normas, por vezes complementando normas anteriores, por vezes substituindo totalmente a regulamentação do PRA, como foi o caso de Rondônia. Mais de 30 normas relativas à implementação do Código Florestal foram editadas este ano pelos estados e, ao menos, oito normas federais relevantes foram editadas no último ano.
Rondônia editou a Lei complementar nº 1.193, de 22 de junho de 2023, implantando o Programa Permanente de Regularização Ambiental (PPRA) e reduzindo o percentual de Reserva Legal de 80% para 50% para fins exclusivamente de regularização dos passivos anteriores a 22 de julho de 2008. Mato Grosso foi outro estado da Amazônia Legal que também regulamentou, em 2023, a redução do percentual de Reserva Legal de 80% para 50% para fins de recomposição do passivo, mas estipula como marco temporal a data de edição do Código Florestal, 25 de maio de 2012. Em Mato Grosso, a redução da Reserva Legal é aplicável apenas para recomposição ou regeneração do próprio imóvel; para fins de compensação, o percentual de Reserva Legal se mantém de no mínimo 80%. Além de Mato Grosso e Rondônia,Roraima já tinha regulamentado, em 2022, a redução do percentual de Reserva Legal. Porém, em Roraima, a redução da Reserva Legal não é apenas para fins de regularização, é aplicável para todos os imóveis rurais, pois o estado possui mais de 65% do seu território ocupado por UCs de domínio público e por TIs homologadas, condição exigida pelo Código Florestal para aplicar essa redução (Lopes e Minsky 2023).
Goiás já tinha editado, em 2022, um procedimento alternativo — e ainda mais flexível que o previsto pelo Código Florestal — para a regularização ambiental de passivos de vegetação nativa anteriores e posteriores a 22 de julho de 2008. A Lei estadual no 21.231/2022 amplia, até 2019, a possibilidade de compensação de passivos de Reserva Legal. A compensação, entretanto, deve seguir uma métrica de 2:1, quer dizer, para cada hectare desmatado, o proprietário tem que compensar o dobro. Em 2023, o estado implementou a Declaração Ambiental do Imóvel (DAI) para a regularização dos passivos de APP e Reserva Legal. De acordo com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável/Goiás (Semad/GO), cerca de 4.500 hectares foram doados para UCs, 80 hectares de servidão ambiental foram averbados, e aproximadamente 300 hectares de servidão estão aguardando a averbação, além de 100 hectares que estão em recuperação. Antes da edição dessa lei, dos 150 projetos de recuperação de áreas degradadas (PRADs) apresentados pelos produtores rurais, entre 2011 e 2023, apenas cinco efetivamente recuperaram os danos. Para o órgão ambiental goiano, a nova lei pode gerar mais ganhos ambientais, entretanto, é importante ressaltar que a lei goiana abre um precedente que pode desencadear uma revisão da legislação em outros estados, com retrocessos ainda maiores. Essa regulamentação foi alterada por uma nova lei, em 2023, cujos dispositivos já foram objeto de judicialização perante o Supremo Tribunal Federal (STF), através da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7438/DF. O MPF já se posicionou contrário à legislação (MPF 2023) e há uma possibilidade dos demais dispositivos da Lei estadual no 21.231/2022 também serem questionados por uma nova ADI.
Por fim, o ano de 2023 termina com a expectativa do julgamento pelo STF dos embargos de declaração da decisão sobre as ADIs relativas ao Código Florestal (ADIs nº 4901/DF; 4902/DF; 4903/DF; e 4937/DF). Esse julgamento poderá estender o critério da identidade ecológica para todas as formas de compensação de Reserva Legal, com impactos relevantes na implementação do Código Florestal, especialmente, na regulamentação dos estados, na regularização fundiária de UCs (federal e estadual) e para os produtores que já promoveram a regularização da Reserva Legal por meio da compensação (Lopes, Segovia e Chiavari 2023).O julgamento foi suspenso por conta do pedido de vistas do ministro Luís Roberto Barroso e será retomado na primeira semana de fevereiro de 2024. Seis dos 11 ministros do STF já publicaram seus votos, dos quais cinco são favoráveis à adoção do critério da identidade ecológica e um contrário.
Etapa de Implementação do PRA
Adesão ao PRA
Em 2023, observa-se um progresso na implementação do PRA, com três novos estados alcançando essa etapa — Alagoas, Distrito Federal e São Paulo — e com três estados ganhando escala com o aumento de termos de compromisso assinados para adequação ambiental — Mato Grosso, Minas Gerais e Pará.
Ainda assim, a etapa final de regularização dos passivos em APP e Reserva Legal, por meio da adesão ao PRA, apresentação de Projetos de Regularização de Áreas Degradadas e Alteradas (Pradas) e assinatura de termos de compromisso continua sendo um objetivo distante de ser alcançado no curto ou médio prazo no país.
Assinatura dos Termos de Compromisso
Nos estados em que o PRA está em operação, apenas uma parte dos cadastros com análise da regularidade ambiental concluída — confirmando a existência de passivos — segue para a etapa de adesão ao PRA, apresentação de Prada e assinatura dos termos de compromisso para a regularização de APP e Reserva Legal. As dificuldades vão desde a resistência dos produtores em se comprometerem com a regularização ambiental até o desconhecimento de soluções de restauração florestal produtiva e/ou multifuncional.
Alguns estados têm buscado estratégias para superar esse obstáculo. Por exemplo, desde 2022, as etapas de análise do CAR e adesão ao PRA fazem parte de um único fluxo procedimental em Mato Grosso. Essa unificação impulsiona a adesão ao PRA e a assinatura dos termos de compromisso para a regularização dos imóveis rurais. Em 2023, o número de termos de compromisso assinados no estado aumentou 50% com relação ao ano anterior. O Pará também concentrou esforços na implementação da última etapa do Código Florestal e viu o número de termos de compromisso assinados no estado aumentar em sete vezes. Já Minas Gerais permite que os produtores apresentem um PRA voluntário, se comprometendo a recuperar os passivos antes mesmo da análise do CAR pelo órgão competente. Os interessados apresentam um Prada e o termo de compromisso é assinado pelo produtor e pelo órgão competente. De 2022 para 2023, o número de termos de compromissos em Minas passou de 10 para 118, sem contar com 470 propostas de adesão ao PRA, que já foram submetidas e estão em análise.
A Figura 5 apresenta dados relativos aos estados nos quais o PRA está em operação e traz informações sobre o número de CARs com análise concluída e passivos confirmados, o número de Pradas que já foram apresentados e foram aprovados ou estão em análise pelo órgão competente e o número de termos de compromisso assinados. O termo de compromisso é o documento que formaliza a adesão do produtor ao PRA e estabelece o cronograma da regularização, por isso é o melhor indicador da regularização dos imóveis rurais. Este ano, o relatório apresenta dados relativos aos Pradas de proprietários que ainda não assinaram termos de compromisso como indicativo de que devem formalizar a regularização no curto prazo. Apesar dos avanços recentes em alguns estados, observa-se uma grande diferença entre imóveis cujo status do CAR está “aguardando a regularização ambiental” e imóveis efetivamente em regularização ambiental. Rondônia é o estado que mais chama a atenção pela diferença entre imóveis com passivos e imóveis em regularização.
Figura 5. Número de CAR com Passivos em APP e/ou Reserva Legal, Número de Pradas e Número de Termos de Compromisso Assinados, 2023
Gráfico interativo
Fonte: CPI/PUC-Rio, 2023
Etapa de Monitoramento da Regularização Ambiental
Monitoramento da Regularização dos Passivos em APP e Reserva Legal
Vários estados já estabeleceram regras para o monitoramento da regularização dos passivos em APP e Reserva Legal, mas, na prática, poucos estados adotaram sistemas e ferramentas para o acompanhamento da restauração. A maioria dos estados prevê o automonitoramento por parte do proprietário ou possuidor, com entrega de relatórios periódicos, e também o monitoramento pelo órgão ambiental, através de sensoriamento remoto e vistoria de campo, quando julgar necessário. O uso de tecnologias, como sistemas de monitoramento e plataforma com dados geoespaciais, e o uso de aplicativos, como o AgroTagVEG, desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), são ferramentas essenciais no gerenciamento da restauração florestal.
Alinhamento do Código Florestal com Outras Políticas Públicas
Fortalecer o alinhamento do Código Florestal com outras políticas públicas ambientais, através da integração dos dados do CAR com informações de banco de dados referentes a licenciamentos, autorizações, embargos e desmatamento no imóvel rural, é fundamental para o país avançar com sua agenda ambiental. Alguns estados já estão seguindo nesse sentido. É o caso do Amazonas, que criou uma rotina para coibir o desmatamento ilegal no estado e ainda cobrar a regularização dessas áreas. O estado faz o cruzamento dos alertas de desmatamento do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) com os CARs e, quando identifica que a supressão florestal foi promovida sem autorização, o órgão competente suspende imediatamente o CAR do imóvel, embarga a área e multa o proprietário. Mais de três mil cadastros já foram suspensos, o que impede os produtores de obter crédito, a emissão de guia de transporte animal (GTA) e a concessão de outras autorizações administrativas. Para que o CAR volte à condição de ativo, os produtores precisam apresentar um projeto de regularização ambiental do imóvel e assinar um termo de compromisso, o que pode ser feito no próprio processo administrativo de autuação ambiental.
De modo semelhante, o Pará também tem adotado estratégias diversificadas para implementar a lei florestal, alinhando o Código Florestal com outras políticas ambientais. O governo do estado e o MMA criaram, em abril de 2023, um grupo de trabalho com o objetivo de propor medidas para garantir a efetividade do CAR como instrumento de gestão ambiental rural e monitoramento, de controle do desmatamento e degradação ilegais e de incentivos econômicos. O Pará identificou os municípios prioritários nos quais há imóveis acima de quatro módulos fiscais com desmatamento ilegal acima de 50 hectares, entre 2018 e 2022. O estado realizou mutirões nesses municípios para auxiliar os produtores na regularização ambiental, analisou os CARs dos imóveis prioritários e promoveu a suspensão de quem não atendeu às notificações. A Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade/Pará (Semas/PA) do Pará vai publicar um edital notificando novamente os produtores sob pena de cancelamento do CAR, se não responderem em 30 dias. Além de ações de comando e controle, o estado também está promovendo parceria com o governo federal para pagamento por serviços ambientais (PSA) de conservação, por meio do Programa Floresta+ Amazônia.
Além de políticas de conservação, políticas de restauração de paisagens e florestas associadas a mecanismos de mercado, como PSA, REDD+ e créditos de carbono, também podem ser usadas para incentivar a restauração e o cumprimento do Código Florestal, sobretudo em imóveis da agricultura familiar, promovendo recuperação de áreas degradadas e geração de renda.
Por fim, o alinhamento do Código Florestal com a política de crédito rural também é essencial para promover uma agropecuária sustentável e compatível com a preservação ambiental. Iniciativas do sistema financeiro, como as resoluções do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do Banco Central do Brasil (BCB), atuam tanto no impedimento do acesso ao crédito para produtores que não estão em conformidade com a legislação ambiental quanto em condições facilitadas de acesso para produtores, de acordo com a condição do CAR ativo e do status da análise do cadastro (analisado em conformidade com a lei ou em regularização ambiental).
Introdução
A Lei de Proteção da Vegetação Nativa (Lei nº 12.651/2012), conhecida apenas por Código Florestal, é a principal política pública de conservação em áreas privadas. Ela define como deve ser a ocupação e o uso do solo nos imóveis rurais e estabelece regras claras para a conservação e a restauração de florestas e outras formas de vegetação nativa.
Mais do que simplesmente uma ferramenta de proteção da vegetação nativa no país, o código é também um instrumento de modernização da agricultura brasileira. Ao estabelecer restrições sobre a expansão da área destinada à agropecuária em propriedades rurais, a lei estimula aumentos de produtividade no lugar da supressão de vegetação para a expansão agrícola. Além disso, o cumprimento do código garante que a produção agropecuária brasileira esteja em conformidade com uma legislação ambiental criteriosa, contribuindo para a abertura de novos mercados e a manutenção dos mercados existentes. Nesse sentido, a edição do Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento, que proíbe a importação e o comércio, no bloco europeu, de produtos derivados de algumas commodities — gado, soja, palma de dendê (oil palm), café, cacau, madeira e borracha — provenientes de áreas de floresta desmatadas após 31 de dezembro de 2020, mostra a importância do alinhamento entre produção e proteção (Lopes, Chiavari e Segovia 2023). Finalmente, o código pode ter um papel central de indutor de crescimento verde, atraindo recursos financeiros alinhados à conservação e à restauração florestal.
Além disso, a lei florestal se apresenta como uma política guarda-chuva que através de instrumentos e normas dispõe sobre: a conservação da vegetação nativa; a regularização de passivos ambientais, o monitoramento e controle do desmatamento e queimadas; a compensação de danos ambientais; o manejo florestal sustentável de florestas nativas, monitoramento e gestão ambiental dos imóveis rurais e incentivos econômicos para a preservação e restauração da vegetação.
O Código Florestal é uma lei federal, mas sua implementação se dá no âmbito estadual, por isso o protagonismo dos estados na regulamentação e na operacionalização das regras e instrumentos do código é fundamental para o seu sucesso. Para isso, os estados precisam tomar uma série de medidas, que incluem: (i) a regulamentação dos procedimentos de regularização ambiental — incluindo as regras relativas ao Cadastro Ambiental Rural (CAR) e ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) — e das modalidades e parâmetros de restauração da vegetação; (ii) a implementação de sistemas de informação capazes de processar muitos dados sobre os imóveis rurais e criar interfaces com o produtor rural; (iii) a aquisição de recursos técnicos como imagens de satélites e bases cartográficas; e (iv) a contratação e a capacitação de recursos humanos.
Com mais de uma década de vida, o Código Florestal ainda está longe de ser efetivamente implementado em todos os estados brasileiros. Isso não significa que os estados não têm avançado com essa agenda. Pelo contrário, na maioria deles, podemos identificar progressos alcançados ao longo desses anos, e 2023 é um ano em que é possível observar um salto na agenda. Entretanto, ainda existem gargalos importantes a serem superados, e um pequeno grupo de estados persiste bastante atrasado.
Neste documento, pesquisadoras do CPI/PUC-Rio traçam uma radiografia atualizada do status de implementação da lei nos estados brasileiros, tendo como base o ano de 2023. A radiografia atualizada foi construída a partir do exame do procedimento de regularização ambiental em âmbito federal, como disciplinado pelo Código Florestal, bem como da regulamentação estadual existente, a partir de indicadores específicos e de dados e informações coletados diretamente com os órgãos estaduais de meio ambiente e de agricultura.[4]
Metodologia
Para traçar o panorama do Código Florestal nos estados brasileiros em 2023, as pesquisadoras do CPI/PUC-Rio revisaram os levantamentos realizados em 2019, 2020, 2021 e 2022 de toda a legislação federal aplicável e da regulamentação em vigor em cada uma das unidades da federação. Essa atualização inclui tanto a legislação estadual específica, que regulamenta dispositivos do Código Florestal, como legislações estaduais florestais ou Códigos Ambientais Estaduais revisados após a entrada em vigor da Lei nº 12.651/2012. As normas revogadas foram excluídas e as novas legislações, devidamente analisadas. A seção Legislação Consultada, nas Referências deste relatório, lista todo o arcabouço legal utilizado.
O CPI/PUC-Rio também promoveu o Webinar “Análise do CAR pelos estados: Desafios e Oportunidades”, em 31 de outubro de 2023, para tratar de questões relacionadas à implementação do Código Florestal, especialmente da análise dinamizada e por equipe, debatendo os desafios de cada forma de análise do CAR e explorando formas de otimização e ganho de escala. O evento teve a participação de representantes do SFB e de órgãos de meio ambiente e agricultura de 16 estados, quais sejam: Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo. A programação do webinar contou com a apresentação do SFB sobre a análise do CAR na perspectiva do órgão, de São Paulo sobre os resultados da análise dinamizada no estado, do Pará sobre a implementação do CAR 2.0, do Maranhão sobre a análise por equipe e ainda com roda de conversa com representante dos demais estados sobre os desafios e as oportunidades na análise dos cadastros. Para a elaboração deste relatório, utilizamos as informações e os dados coletados nesse encontro.
Além disso, um questionário foi enviado para os representantes de todas as unidades da federação, com o objetivo de levantar as informações e os dados sobre a edição de novas normas, o número de cadastros com análise iniciada e concluída, o número de termos de compromisso assinados para a regularização ambiental da propriedade e as estratégias de comunicação entre os órgãos competentes e os produtores rurais. As pesquisadoras também solicitaram, através da Lei de Acesso à Informação (LAI), dados atualizados sobre a análise da base de dados do CAR nos estados. Ademais, as pesquisadoras tiveram reuniões bilaterais com representantes dos estados do Alagoas, Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraná, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo. Através das três estratégias de coleta de dados, foi possível obter dados atualizados diretamente com 23 unidades federativas,[5] complementando ainda com dados disponíveis nas secretarias estaduais de meio ambiente e na Consulta Pública do CAR, atualizado em novembro de 2023 (Sicar 2023). Por exemplo, no caso do Pará, os dados do portal Regulariza Pará foram utilizados (Semas/PA 2023). No caso de Mato Grosso, foram utilizados os dados espaciais disponíveis no geoportal da Sema/MT (2023). No caso de Santa Catarina, Sergipe e Tocantins, os dados foram coletados exclusivamente através do Consulta Pública do CAR.
As informações coletadas foram sistematizadas, a partir de indicadores desenvolvidos pelas autoras, a fim de medir o progresso alcançado neste ano pelos estados. Eventuais dúvidas remanescentes foram posteriormente submetidas aos representantes estaduais para complementação. O resultado dessa coleta e análise é apresentado nesta publicação.
Estrutura do Relatório
O relatório está dividido em quatro partes. A primeira parte, o Sumário Executivo, apresenta os indicadores da implementação do Código Florestal nos estados, o progresso alcançado em 2023 e as principais mensagens desta edição.
A segunda parte descreve de forma resumida as principais etapas do procedimento de regularização ambiental, de acordo com as regras estabelecidas pelo Código Florestal. Para facilitar o entendimento do processo de regularização, há um fluxograma representando suas etapas. Essa primeira parte está dividida em duas seções: a primeira seção descreve o processo de regularização ambiental de áreas rurais consolidadas em Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal, antes de 22 de julho de 2008, e a segunda trata da regularização ambiental de imóveis rurais com passivos em APP e Reserva Legal, após 22 de julho de 2008.
A terceira parte descreve e analisa a regulamentação do Código Florestal pelas unidades da federação. Ela também está dividida em seções. A primeira dedica-se à análise da regulamentação dos PRAs estaduais; a segunda expõe detalhadamente as regras de regularização das áreas consolidadas em APP e Reserva Legal; a terceira trata das regras de regularização dos passivos em APP e Reserva Legal, após 22 de julho de 2008; e a quarta apresenta as regras relativas ao monitoramento da regularização ambiental.
A quarta parte descreve a situação atual do CAR e do PRA em todas as unidades da federação. Uma seção preliminar discorre sobre informação e transparência dos dados do CAR e do PRA. A segunda seção informa sobre o status do CAR e é subdividida em quatro partes: (i) inscrição no CAR; (ii) cancelamento de CARs sobrepostos às Terras Indígenas (TI), às Unidades de Conservação (UCs) de domínio público e outras áreas consideradas impeditivas; (iii) análise dos dados do CAR e (iv) principais desafios. Por fim, a terceira seção informa sobre o status do PRA e é subdividida em seis partes: (i) adesão ao PRA; (ii) Módulo de Regularização Ambiental (MRA); (iii) elaboração e aprovação do Projeto de Recuperação de Áreas Degradadas e Alteradas (Prada) e assinatura do termo de compromisso; (iv) execução e monitoramento dos projetos de regularização de APP e Reserva Legal; (v) PRA autodeclaratório e (vi) implementação do PRA.
Este trabalho não seria possível sem o apoio financeiro de Norway’s International Climate and Forest Initiative (NICFI) e do Instituto Clima e Sociedade (iCS).
As autoras gostariam de agradecer a Eduardo Minsky pelo trabalho de análise de dados, Elena Ravaioli pela assistência à pesquisa e Anna Maria Cárcamo e Wagner Oliveira pelos comentários e sugestões. Também gostaríamos de agradecer a Giovanna de Miranda e Camila Calado pela revisão e edição do texto e Meyrele Nascimento e Nina Oswald Vieira pelo trabalho de formatação de design gráfico. Agradecemos aos participantes do webinar promovido pelo Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio) e aqueles que contribuíram com dados e informações, incluindo: Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima, São Paulo e Serviço Florestal Brasileiro (SFB).
[1] O CAR é um cadastro permanente, sem prazo para inscrição de imóveis rurais. Entretanto, para garantir o direito de adesão ao PRA, a suspensão das multas e o benefício das regras mais flexíveis para regularização ambiental das áreas rurais consolidadas, a inscrição do imóvel rural no CAR para os proprietários e possuidores dos imóveis rurais com área acima de quatro módulos fiscais deve ser feita até o dia 31 de dezembro de 2023. Para aqueles com imóveis rurais com área de até quatro módulos fiscais ou que atendam ao disposto no art. 3º da Lei nº 11.326/2006 devem se inscrever no CAR até o dia 31 de dezembro de 2025 para garantir esse direito.
[2] O Decreto nº 8.750/2016, que dispõe sobre o Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, enumera as comunidades que já são formalmente reconhecidas.
[3] Para dados de CAR em Terras Indígenas no Pará, acesse: bit.ly/3Ri9dTV. Para dados de CAR em Unidades de Conservação no Pará, acesse: bit.ly/3RDgcIq.
[4] Este relatório descreve somente o processo de regularização ambiental de imóveis rurais para fins de adequação às principais obrigações estabelecidas pelo Código Florestal. Entretanto, a legislação ambiental impõe outras regras que devem ser observadas por proprietários e possuidores rurais para que seus imóveis sejam considerados totalmente regularizados, tais como: procedimentos relativos ao licenciamento ambiental e outorga de recursos hídricos – normas que não fazem parte do escopo deste trabalho.
[5] As excessões são Mato Grosso, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins. Tais estados não responderam questionário nem solicitação através da LAI.