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Devido ao crescimento desenfreado das emissões globais de carbono nos últimos anos, o planeta está atingindo um ponto crítico e deve ultrapassar o limiar de aquecimento global de 1,5°C até 2040. A agropecuária, a produção de alimentos e o uso da terra são setores responsáveis por um terço das emissões globais (Pinfield 2021).

No Brasil, em 2021, a produção agropecuária foi diretamente responsável por 24,8% das emissões de gases de efeito estufa (GEE) do país e, indiretamente — por meio do uso e da cobertura da terra — por mais 49% das emissões (SEEG 2022). Ao mesmo tempo, o setor agropecuário é um pilar da economia brasileira e representa 25% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional (WeForest 2019).

O Brasil é o quarto maior produtor de alimentos do mundo e o maior produtor global de produtos agrícolas (WeForest 2019), o que confere à produção agropecuária do país um papel vital no atendimento à crescente demanda por alimentos, especialmente dada a previsão de que a população mundial deve chegar a quase 10 bilhões de pessoas até 2050 (Viglione 2021).

O Brasil tem buscado melhorar seu desempenho ambiental e aumentar sua competitividade em um mercado de commodities, que exige cada vez mais uma produção ambientalmente responsável. No entanto, diante das mudanças climáticas, o país também tem enfrentado desafios consideráveis para garantir o aumento da produção coadunado com critérios de sustentabilidade e resiliência. Para o Brasil, o aumento das temperaturas globais trará secas prolongadas e intensas, precipitações e inundações mais extremas, bem como riscos maiores e mais frequentes de incêndios causados pelas mudanças climáticas. Lidar com esses desafios exigirá uma mudança substancial na forma como os alimentos são produzidos, processados e consumidos. Isso não apenas implica em realizar mudanças para reduzir o impacto climático dos modos de produção de um setor agropecuário altamente industrializado, mas também exige que uma atenção especial seja dada aos trabalhadores agrícolas a fim de garantir que seus meios de subsistência não sejam ignorados.

No Brasil, uma transição rural justa para sistemas de produção agropecuários sustentáveis e neutros em carbono é necessária para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Nesse processo de transição, é essencial garantir a proteção das propriedades rurais, dos produtores e das suas comunidades e maximizar as oportunidades sociais e econômicas da ação climática (Viglione 2021). O impacto da mudança climática em grupos e em indivíduos depende tanto de quem eles são quanto de onde estão localizados. Em áreas de extrema pobreza e de condições socioeconômicas precárias, a mudança climática, além de restringir o acesso a recursos, aumenta a vulnerabilidade e a exposição ao risco. A promoção efetiva de uma transição rural justa, que contemple os potenciais impactos para os grupos mais vulneráveis, requer o desenvolvimento de estratégias regionais e setoriais, que ofereçam às comunidades ações práticas para a redução das emissões e o aumento da resiliência, sem exacerbar suas desigualdades e inequidades. Compreender o perfil dos agricultores familiares rurais[1] do Brasil — aqueles que devem estar no centro da reforma das políticas públicas e dos esforços direcionados para uma transição rural justa — é um primeiro passo fundamental para tornar os trabalhadores da agropecuária e seus modos de vida uma parte central da discussão. Pesquisadores do Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio) reconhecem a lacuna de trabalhos empíricos sobre políticas de transição justa, principalmente no Brasil, onde o conceito está começando a emergir e ainda não foi amplamente integrado na agenda sobre políticas públicas.

Este relatório visa fornecer um perfil dos agricultores familiares rurais, que precisam estar no centro da reforma, uma vez que estão em posição de maior vulnerabilidade e colhendo os menores benefícios. A análise fornece um panorama da situação dos agricultores familiares localizados em dois dos biomas mais críticos do Brasil: o Cerrado e a Caatinga.

Os resultados mostram diferenças consideráveis entre os agricultores familiares dos dois biomas em termos de produtividade e métodos de produção. Os agricultores familiares da Caatinga apresentam níveis mais baixos de produtividade e de acesso à assistência técnica. Ainda mais importante é o fato de que um grande número de agricultores familiares depende da agricultura de susbsitência e vive em locais de extrema pobreza. Tal realidade os expõe ainda mais ao risco climático, devido ao acesso restrito a mecanismos de mitigação, como seguros ou insumos resilientes ao clima.

A análise do CPI/PUC-Rio destaca que uma transição rural justa no Brasil exigirá uma abordagem personalizada e uma compreensão detalhada das realidades desses agricultores familiares. Para tanto, embora sejam necessárias soluções tecnológicas, a integração da dimensão social dos produtores será um elemento crucial na concepção de políticas agropecuárias que visam enfrentar as mudanças climáticas juntamente com os desafios da segurança alimentar.

Transição Justa na Agropecuária Brasileira

No Brasil, o setor de agropecuária é caracterizado por grande concentração fundiária. O Censo Agropecuário de 2017 (IBGE) indica que aproximadamente 4% das propriedades rurais abarcam 63% das terras agrícolas. Em contraste, 65% dos estabelecimentos rurais representam 9% das terras agrícolas com áreas correspondentes a menos de um módulo fiscal (Souza, Herschmann e Assunção 2020), que é a área mínima onde a atividade agrícola pode proporcionar subsistência e progresso social e econômico às famílias que nela investem toda a sua força de trabalho, conforme definido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Essa distribuição de terras agrícolas ilustra uma forte dualidade na agricultura brasileira: de um lado, pequenas propriedades de subsistência, menos produtivas, principalmente nas regiões Norte e Nordeste do país; de outro, uma indústria agrícola próspera, comercialmente orientada e capitalizada no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, que está atingindo mercados de exportação com sucesso crescente.

Esse forte contraste do setor agrícola brasileiro é fundamental para pensarmos sobre o significado de uma transição rural justa para o país. Trata-se de uma consideração importante para refletir sobre os efeitos sociais e econômicos da transição para uma sociedade neutra em carbono e ambientalmente responsável, centrada nas regiões, setores, trabalhadores e cidadãos que enfrentarão os maiores desafios (Baldock e Buckwell 2021).

Se, por um lado, a agropecuária é uma das principais fontes responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa no Brasil, por outro lado, o setor apresenta uma capacidade única de contribuir positivamente para o balanço global de carbono, uma vez que seu insumo fundamental de produtividade (o crescimento das plantas, através da fotossíntese) retira o CO2 da atmosfera. À medida que a segurança alimentar e as mudanças climáticas se tornam questões mais prementes, faz-se importante promover a convergência desse duplo papel da agropecuária, identificando e disseminando tecnologias que aumentem a produção, a produtividade e a resiliência às mudanças climáticas e que reduzam suas emissões.

A convergência do duplo papel da agropecuária requer investimentos consideráveis para a promoção de práticas sustentáveis. Por exemplo, aumentos em produtividade agrícola historicamente desaceleraram a expansão de terras, reduzindo, assim, o desmatamento e as emissões de mudanças relacionadas ao uso da terra (Stevenson et al. 2013; Gollin, Hansen e Wingender 2021). Além disso, tecnologias já utilizadas em escala, que aumentam a produtividade e simultaneamente reduzem as emissões, como a segunda safra e o plantio direto, abrem caminhos para o avanço da transição climática na agropecuária brasileira.

No entanto, essa transição requer inovação para melhor adequar a produção a biomas e condições geográficas específicas, investimentos de capital humano em novas práticas, recursos financeiros para realizar os investimentos necessários e, ainda, instrumentos financeiros para lidar com eventuais novos riscos. Essa transição é particularmente desafiadora para os agricultores familiares. A expansão estratégica de recursos e tecnologias para os agricultores familiares constitui uma oportunidade para transformar a agropecuária do país, passando de um modelo extrativo para um modelo mais sustentável e regenerativo.

Os Agricultores Familiares da Caatinga e do Cerrado

Com 3,9 milhões de estabelecimentos rurais,[2] os agricultores familiares representam 76,8% do número de estabelecimentos no Brasil. Ao mesmo tempo, ocupam 23% das terras agrícolas. São o grupo mais vulnerável às mudanças climáticas, uma vez que a maioria possui acesso limitado a recursos financeiros que poderiam ser utilizados para expandir a produção agrícola através do uso de tecnologias inteligentes para o clima. Por exemplo, embora as evidências mostrem que o crédito rural, quando direcionado para agricultores familiares, alcança os maiores benefícios de conservação — permitindo melhor uso da terra, sem necessidade de desmatar novas áreas e avançar a produção sobre áreas florestais — a maioria dos recursos públicos ainda é destinado a médios e grandes produtores (Souza, Herschmann e Assunção 2020). 

Quase metade dos estabelecimentos rurais dos agricultores familiares brasileiros (1,9 milhão) está localizada nos biomas Caatinga e Cerrado, que, juntos, representam cerca de 30% da área do país e contabilizam 53% de suas terras agricultáveis. Os dois biomas estão suscetíveis a secas, em virtude do avanço da desertificação, e os produtores dessas áreas estão cada vez mais expostos aos riscos relacionados às mudanças climáticas. Além do desafio oriundo do risco climático imposto à produção, a Caatinga apresenta um dos maiores indicadores de pobreza do país, com um índice de 22,8, comparado ao nível nacional de 6,6 (IBGE 2010).

O Cerrado e a Caatinga tem diferenças significativas e entender o perfil dos agricultores familiares em cada bioma fornece informações sobre como as políticas e programas podem atender às necessidades desses produtores rurais.

A região da Caatinga é fortemente dependente da agropecuária. De forma geral, mais de um quarto (26%) da população desse bioma trabalha no setor agropecuário, em comparação com o nível nacional de cerca de 6%. A Caatinga abriga 32% das propriedades rurais do Brasil e 18% da população rural mais pobre do país (FBDS sd). Já os agricultores familiares, com 1,4 milhão de estabelecimentos, representam 36,7% de todos os produtores rurais do bioma.

Por outro lado, a região do Cerrado desempenha um papel econômico central no Brasil, representando metade da produção de soja do país (Souza et al. 2021). Devido à sua localização geográfica, também ocupa uma posição única na manutenção dos recursos hídricos do continente (Filho e Costa 2016). No Cerrado, os agricultores familiares representam 15% dos produtores do bioma.

Apesar da notável diferença entre o número de agricultores familiares nos dois biomas, eles ocupam quase a mesma extensão de terra: 19,4 milhões de hectares na Caatinga e 20,2 milhões de hectares no Cerrado (Figura 1). Isso significa que os agricultores familiares do Cerrado têm propriedades maiores: suas terras têm uma média de 36,2 hectares, em comparação a 14,3 hectares na Caatinga. Em termos de valor produzido, surge outro contraste expressivo. Apesar de a Caatinga possuir o maior número de produtores, o valor total de sua produção é menor do que no Cerrado, revelando diferenças significativas de produtividade entre os biomas. Ademais, a despeito da prevalência de estabelecimentos de agricultores familiares na Caatinga, o valor da produção agropecuária é menor do que no Cerrado: o Cerrado se destaca com maior rendimento total da produção, produzindo quase o dobro da Caatinga.

Figura 1. Valor da Produção de Agricultores Familiares no Cerrado e na Caatinga

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Censo Agropecuário 2017 (IBGE), 2023

Também existem disparidades de produtividade entre agricultores familiares e produtores de maior escala dentro dos biomas. Essa diferença, no entanto, é muito mais acentuada no Cerrado: enquanto na Caatinga, os médios e grandes produtores são 9% mais produtivos que os pequenos, no Cerrado, os médios e grandes são 50% mais produtivos que os pequenos. Mais surpreendentemente, os agricultores familiares no Cerrado são mais produtivos do que os produtores de maior escala na Caatinga (Figura 2).

Figura 2. Produtividade dos Agricultores Familiares no Cerrado e na Caatinga

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Censo Agropecuário 2017 (IBGE), 2023

Tais diferenças de produtividade entre os biomas, no entanto, não são causadas pela especialização da atividade agropecuária. Os biomas apresentam perfis de produção semelhantes, sendo a pecuária a principal atividade dos agricultores familiares, seguida de lavouras temporárias; apenas alguns agricultores familiares se dedicam a lavouras permanentes ou à horticultura. No entanto, mantém-se o padrão anterior, em que a Caatinga apresenta menor produtividade em todas as atividades (Figura 3).

Figura 3. Atividade Econômica dos Agricultores Familiares no Cerrado e na Caatinga

Figura 3a. Produtividade da Atividade Econômica

Figura 3b. Estabelecimentos de Agricultores Familiares por Atividade Econômica

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Censo Agropecuário 2017 (IBGE), 2023

Como primeiro resultado, as análises revelam um número maior de agricultores familiares na Caatinga do que no Cerrado. Diferentemente do Cerrado, um número maior de agricultores familiares na Caatinga produz em propriedades menores com rendimentos mais baixos, focados principalmente na pecuária e em culturas temporárias.

Também existem diferenças de gênero e raça entre os biomas e dentro deles. De maneira geral, é mais provável que as mulheres liderem as produções em pequenas propriedades do que em propriedades comerciais. Porém, na Caatinga, a participação feminina supera a média do país. As produtoras são responsáveis por 24% e 17% dos pequenos estabelecimentos na Caatinga e no Cerrado, respectivamente. No entanto, a parcela que as mulheres representam no número de pequenos estabelecimentos não se reflete diretamente na parcela de área que ocupam: 15% e 12% da área na Caatinga e no Cerrado, respectivamente, é ocupada por propriedades lideradas por mulheres, o que significa que elas têm propriedades menores quando comparado com estabelecimentos chefiados por homens (Figura 4).

Em termos de raça, produtores rurais negros dirigem 71% e 54% do total de pequenos estabelecimentos na Caatinga e no Cerrado, respectivamente. No entanto, é mais provável que tenham propriedades com áreas menores — os agricultores familiares negros representam 60% e 46% da área ocupada por agricultores familiares na Caatinga e no Cerrado, respectivamente. Na interseção de gênero e raça, vemos que a Caatinga tem, em média, uma proporção maior de mulheres negras (17,7%) à frente das propriedades do que o Cerrado (10,6%).

Figura 4. Porcentagem dos Estabelecimentos de Agricultores Familiares por Gênero e Raça

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Censo Agropecuário 2017 (IBGE), 2023

Métodos de Produção

O Cerrado e a Caatinga têm perfis climáticos distintos, com implicações sobre o que e como seus agricultores familiares produzem. Enquanto a Caatinga é caracterizada por longos períodos de estiagem, o Cerrado, chamado de “caixa d’água” do Brasil, abriga as nascentes de nove das 12 bacias hidrográficas brasileiras. Embora ambos os biomas apresentem um número de dias de chuvas semelhante à média brasileira (aproximadamente 31 dias), os níveis de precipitação são menores: 141,5 mm no Cerrado e na Caatinga em 2018, em comparação a 152,7 mm no restante do país. A Caatinga e o Cerrado também são áreas mais quentes, ficando 1oC acima da média nacional.

Na Caatinga, onde os produtores enfrentam maior escassez de água, a maioria (72%) dos produtores utiliza cisternas, que é a principal fonte de água do bioma. Menos de 20% dos agricultores familiares têm acesso a um rio e aproximadamente 22% têm acesso a um poço. No Cerrado, apenas 12% dos agricultores familiares utilizam cisternas e têm maior acesso a rios, nascentes ou poços (Figura 5). Agricultores familiares de ambos os biomas apresentam baixos níveis de uso de irrigação na agricultura. Na Caatinga, a taxa de irrigação (10,7%) é ainda maior do que no Cerrado (7,9%), provavelmente porque os períodos de seca são mais curtos no Cerrado do que na Caatinga, permitindo que os produtores mantenham maior produtividade em sistema de sequeiro mais estável (Figura 6).

Figura 5. Porcentagem de Fontes de Água Usadas por Agricultores Familiares

Fonte: CPI/PUC-Rio com base no Censo Agropecuário (IBGE) 2017, 2023

Figura 6. Porcentagem do Uso de Irrigação por Agricultores Familiares

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Censo Agropecuário 2017 (IBGE), 2023

A agricultura comercial (médios e grandes produtores) no Brasil usa uma variedade de insumos para melhorar a qualidade do solo, aumentar os nutrientes para as plantações e controlar ervas daninhas, infestações de insetos e doenças. No entanto, o uso desses tipos de insumos por agricultores familiares em ambos os biomas é baixo. Cerca de 25% dos agricultores familiares utilizam pesticidas. Pouquíssimos produtores praticam a calagem para melhorar a qualidade do solo na Caatinga; no Cerrado, embora esse percentual venha aumentando, ainda parece ser muito baixo (Figura 7a).

Menos de um terço dos agricultores familiares usa algum tipo de fertilizante. Os agricultores familiares da Caatinga usam predominantemente fertilizantes orgânicos, enquanto no Cerrado os fertilizantes químicos (ou uma mistura de fertilizantes químicos e orgânicos) são usados por quase três quartos dos agricultores familiares (Figura 7b). O Cerrado produz mais agricultura orgânica do que a média nacional, porém com um percentual ainda muito baixo: menos de 2% dos estabelecimentos rurais informaram empregar esse tipo de produção agrícola. A Caatinga apresenta a menor proporção, com apenas 0,7% dos agricultores familiares declarando praticar agricultura orgânica (Figura 7c). Considerando que 24% dos agricultores familiares da Caatinga informam usar pesticidas, parece haver uma oportunidade de incluir os 76% restantes na prática da agricultura orgânica.

Figura 7. Uso de Fertilizantes por Agricultores Familiares

Figura 7a. Uso de Pesticidades, Calagem e Fertilizantes por Agricultores Familiares

Figura 7b. Uso de Fertilizantes Químicos e Orgânicos por Agricultores Familiares

Figura 7c. Porcentagem de Uso de Agricultura Orgânica por Agricultores Familiares

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Censo Agropecuário 2017 (IBGE), 2023

A Figura 8 apresenta as principais culturas cultivadas por pequenos proprietários em cada um dos biomas. O feijão e o milho estão no centro de suas produções, sendo cultivados por 68% dos agricultores familiares na Caatinga e 44% no Cerrado. A mandioca aparece como a terceira cultura mais comum nos dois biomas, mas com maior prevalência entre os produtores do Cerrado (Figura 8a).

A análise de cultivos por área nos dois biomas fornece diferentes percepções. Na Caatinga, a maior parte da área é ocupada pelas duas culturas mais comuns — feijões e milho. No Cerrado, todavia, a soja, que é cultivada por menos de 3% dos agricultores familiares, ocupa 29,1% da área total cultivada, seguida do milho. Feijões, a segunda cultura mais cultivada no Cerrado, ocupa apenas 5% da área (Figura 8b).

Figura 8. Produção Agrícola Principal em Estabelecimentos de Agricultores Familiares

Figura 8a. Porcentagem de Culturas em Estabelecimentos de Agricultores Familiares

Figura 8b. Porcentagem de Culturas por Área

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Censo Agropecuário 2017 (IBGE), 2023

Em síntese, na Caatinga, os agricultores familiares enfrentam climas mais extremos e têm as cisternas como principal fonte de água. No Cerrado, os agricultores familiares têm acesso a fontes de água mais perenes e, apesar de terem algum acesso a fertilizantes químicos, o percentual de uso ainda é muito baixo. A Caatinga apresenta maior uso de fertilizantes orgânicos, o que pode estar relacionado ao acesso limitado a fertilizantes químicos.

Desafios para a Adoção de Novos Métodos de Produção

Garantir uma transição rural justa requer a adoção de práticas mais sustentáveis que permitam aos agricultores familiares a mitigação dos impactos das mudanças climáticas e a adaptação aos mesmos. O acesso à assistência técnica tem um papel importante na capacitação dos produtores para a implementação de mudanças na forma como produzem. A análise mostra que a assistência técnica é insuficiente em ambos os biomas, especialmente na Caatinga, onde apenas 8% dos agricultores familiares recebem assistência técnica. Embora esse número seja maior no Cerrado (16,8%), ainda é insatisfatório e reflete um desafio para a disseminação de práticas mais sustentáveis (Figura 9).

Figura 9. Porcentagem de Assistência Técnica Recebida por Agricultores Familiares

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Censo Agropecuário 2017 (IBGE), 2023

Muitos desses esforços parecem depender do governo, especialmente na Caatinga. De fato, cerca de 70% da assistência técnica prestada aos agricultores familiares na Caatinga vêm de financiamento governamental, frente a 36% no Cerrado. No Cerrado, os agricultores familiares têm mais acesso a outras formas de assistência técnica, seja pagando por conta própria ou por meio de cooperativas (Figura 10).

Figura 10. Porcentagem de Origem da Assistência Técnica dos Agricultores Familiares

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Censo Agropecuário 2017 (IBGE), 2023

Além da assistência técnica, o acesso limitado a informações técnicas também parece ser um gargalo para a disseminação e a adoção de melhores práticas. Os agricultores familiares buscam principalmente a televisão e o rádio como fontes de informação técnica. Poucas pessoas acessam informações na Internet, em revistas ou em jornais, principalmente na Caatinga (Figura 11).

Figura 11. Fontes de Acesso a Informações Técnicas Usadas pelos Agricultores Familiares

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Censo Agropecuário 2017 (IBGE), 2023

No que tange à adoção de tecnologias mais sustentáveis, a elaboração de programas destinados a aumentar a capacidade dos agricultores familiares precisa considerar seu nível de escolaridade. No geral, os agricultores familiares têm baixos níveis de escolaridade. Mais de 50% dos agricultores familiares na Caatinga são analfabetos, e pouco mais de 10% concluíram o ensino médio. No Cerrado, os agricultores familiares apresentam níveis de escolaridade melhores, mas ainda baixos — 28% são analfabetos e 52% têm apenas o ensino fundamental completo (Figura 12).

Figura 12. Níveis de Escolaridade dos Agricultores Familiares

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Censo Agropecuário 2017 (IBGE), 2023

A combinação entre baixos níveis de educação, assistência técnica insuficiente e acesso restrito a informações técnicas, principalmente por meio de TV ou rádio, deixa os agricultores familiares com poucas opções para aumentar sua capacidade produtiva e alterar seus métodos de produção de maneira significativa.

Pobreza, Subsistência e Seguro

Além dos métodos de produção, o destino principal da produção (consumo próprio ou comercialização) é um aspecto fundamental que também diferencia os agricultores familiares dos dois biomas. Embora um grande número de agricultores familiares dos biomas produza para consumo próprio, essa taxa é maior na Caatinga (68,3%) do que no Cerrado (43,5%) (Figura 13).

Figura 13. Principal Destino da Produção dos Agricultores Familiares

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Censo Agropecuário 2017 (IBGE), 2023

Em termos da relevância econômica da atividade agropecuária, no Cerrado, 48% dos agricultores familiares têm a comercialização como principal fonte de renda. A Caatinga, entretanto, apresenta quase a metade dessa proporção, com apenas 26% dos agricultores familiares tendo a comercialização de sua produção como principal fonte de renda (Figura 13).

Níveis diferentes de comercialização podem ser o resultado de cenários distintos. No primeiro cenário, os agricultores familiares podem ter como principal fonte de renda outros trabalhos, além da agropecuária, sendo sua produção agrícola uma atividade secundária. Esse seria um cenário em que outras fontes de renda compensariam a falta de especialização como produtor agrícola — por exemplo, ter a agropecuária como uma espécie de seguro para empregos instáveis ou meio de diminuir as despesas familiares com alimentação. Outra possibilidade de cenário é que a produção dos agricultores familiares seja tão pequena que não gere excedentes para comercialização e que a maior parte da sua renda venha de transferências governamentais, o que seria o cenário mais crítico do ponto de vista social.

Essas possibilidades categorizam os agricultores familiares em três grupos potenciais. O primeiro grupo de produtores está inserido em um contexto mais amplo de pobreza, compreendendo aqueles que produzem agricultura de subsistência por falta de meios para comercializar seus produtos. Em segundo lugar, tem-se um grupo de produtores que não estão interessados em ter a agropecuária como sua principal fonte de renda, mantendo a prática agrícola como seguro para outras atividades geradoras de renda.

Finalmente, um terceiro grupo seria composto pelos agricultores familiares interessados em comercializar sua produção. A Figura 14 mostra que, entre os pequenos proprietários focados na comercialização (da Figura 13 acima, 32% na Caatinga e 57% no Cerrado), apenas 40% deles têm a comercialização como principal fonte de renda na Caatinga. Isso representa uma oportunidade para o desenho de políticas voltadas para atender esse público, que tem interesse em comercializar sua produção, mas que ainda não a tem como principal atividade geradora de renda.

Figura 14. Porcentagem de Estabelecimentos de Agricultores Familiares para Comercialização

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Censo Agropecuário 2017 (IBGE), 2023

Figura 15. Porcentagem de Estabelecimentos Usados para Comercialização cuja Fonte de Renda é a Produção Agropecuária

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Censo Agropecuário 2017 (IBGE), 2023

A Figura 15 mostra a proporção de estabelecimentos em que a agropecuária é a principal fonte de renda, no conjunto das propriedades voltadas para a comercialização. Os resultados indicam uma disparidade de gênero. A proporção de estabelecimentos, cuja principal fonte de renda é a venda da produção, cai consideravelmente quando analisamos apenas os estabelecimentos geridos por mulheres. Essa queda é especialmente acentuada no bioma Caatinga. Isso apresenta uma situação de vulnerabilidade de renda para as produtoras do bioma Caatinga, onde a maior parte da produção é destinada à subsistência. Adicionalmente, na Caatinga, nos estabelecimentos administrados por mulheres, cujo foco é a comercialização e não o consumo próprio, a principal fonte de renda não é a comercialização de produtos.

Uma análise adicional é necessária para compreender melhor o contexto de pobreza e de produção desses agricultores familiares, considerando que, mesmo para os produtores que se destinam à comercialização, fontes adicionais de renda se fazem necessárias. Por exemplo, a Figura 16 mostra o número de famílias que recebem transferências do governo por meio do Programa Bolsa Família (PBF). Mais de 4,2 milhões de beneficiários vivem na Caatinga, representando 29% do total de beneficiários em todo o Brasil.

Figura 16. Número de Famílias Beneficiadas pelo Programa Bolsa Família (PBF)

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Censo Agropecuário 2017 (IBGE), 2023

Mais da metade da população vive com menos de meio salário-mínimo[3] na Caatinga (67,2%) e 40,2% no Cerrado (Figura 17). Juntos, esses números compõem um cenário mais amplo de pobreza rural, que, possivelmente, está correlacionado com os altos índices de agricultura de subsistência, especialmente na Caatinga.

Figura 17. Porcentagem da População Vivendo com Menos de Meio Salário-mínimo

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Censo Agropecuário 2017 (IBGE), 2023

Todos esses números podem ser resumidos em mapas que apresentam os pontos críticos de produtores mais produtivos versus regiões com altos níveis de pobreza, onde os agricultores familiares produzem para a subsistência (Figure 18). A Figura 18a mostra que, na maioria dos municípios da Caatinga, a participação dos agricultores familiares é superior a 80% do número total de produtores. No Cerrado, especialmente nos estados de Mato Grosso e Goiás (grandes polos de cultivo de grãos), a maioria dos produtores são fazendeiros comerciais. A Figura 18b mostra que há níveis mais altos de produtividade onde esses fazendeiros comerciais estão localizados. A Figura 18c relaciona isso ao fato de que a maior parte dos fazendeiros da Caatinga produz para consumo próprio. Finalmente, a Figura 18d mostra que os sistemas de subsistência também estão em locais com altos níveis de pobreza.

Figura 18. Perfil Socioeconômico dos Agricultores Familiares do Cerrado e da Caatinga

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Censo Agropecuário 2017 (IBGE), 2023

Conclusão

A promoção de uma transição rural justa que efetivamente apoie os esforços de mitigação do clima e melhore os modos de vida das comunidades rurais no Brasil requer uma compreensão detalhada das realidades e das necessidades dos agricultores familiares. Esse mapeamento destaca três considerações importantes para avançar com a agenda de transição rural justa no Brasil. 

1. O tipo de produção dos agricultores familiares varia consideravelmente e deve estar no centro da formulação de políticas. Os agricultores familiares não são um grupo homogêneo — eles apresentam características diferentes entre os biomas e dentro deles. Nos dois biomas, os agricultores familiares apresentam diferenças consideráveis em termos de produtividade e de métodos de produção. Os agricultores familiares na Caatinga apresentam menores índices de produtividade e acesso à assistência técnica, mas, por outro lado, utilizam a menor quantidade de fertilizantes químicos na produção.

2. Um grande grupo de agricultores familiares envolvidos na agricultura de subsistência enfrenta desafios sociais que precisam de apoio mais amplo para além das políticas agrícolas usuais (por exemplo, acesso a crédito ou assistência técnica). Para esses produtores, políticas sociais com foco na melhoria dos indicadores de educação e de saúde são fundamentais para atender às suas reais necessidades e garantir que os impactos das mudanças climáticas não os deixem em situação de maior vulnerabilidade. Além disso, as produtoras rurais apresentam níveis mais altos de vulnerabilidade socioeconômica, principalmente na Caatinga.

3. Um subconjunto de agricultores familiares demonstra interesse na comercialização e tem mais capacidade de aumentar sua produção. Aproveitar o potencial desses produtores, tendo em vista que possuem uma vantagem competitiva no tocante à intensidade de mão de obra, oferece uma oportunidade única para o Brasil avançar na transição rural justa em todo o setor. Segundo o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (FIDA), ao acessarem os mesmos insumos e condições, as pequenas propriedades tendem a ser mais produtivas do que as maiores, dada a qualidade e a capacidade de monitoramento da mão de obra familiar, em comparação com as grandes propriedades. Além disso, os pequenos proprietários estão mais empenhados em proteger a fertilidade do solo e em contribuir para a agrobiodiversidade (Houngbo 2020), o que aumenta seu potencial como protagonistas na redução do impacto da agropecuária no meio ambiente.

Os diferentes perfis de produtores requerem que as soluções sejam adaptadas para atender as necessidades de cada grupo.

Para que o Brasil possa promover um setor agropecuário mais inclusivo e sustentável, deve colocar os agricultores familiares no centro das discussões. Por exemplo, para aqueles interessados em comercializar e melhorar sua produção, políticas focadas em inseri-los em mercados de produtos que exigem uso mais intensivo de mão de obra, como horticultura orgânica e agricultura extrativista, podem ser eficazes para reduzir o uso de práticas agrícolas convencionais. Promover uma estratégia de leapfrog que permita aos agricultores familiares aumentar a produção sem recorrer ao uso intensivo de agrotóxicos, por exemplo, representa uma oportunidade para uma agenda de transição rural justa no Brasil.

No entanto, as atuais políticas agrícolas não priorizam os agricultores familiares ou esse modelo de transição rural, abrindo, assim, uma janela de oportunidade para o desenho de políticas efetivas voltadas para esse grupo de produtores. Isso exigirá que sejam desenhadas soluções tecnológicas e financeiras. Dado que as transições tecnológicas geram mudanças sistêmicas que podem afetar produtores de modos distintos, as políticas focadas em promover a difusão de tecnologias de baixo carbono entre os agricultores familiares devem ser complementadas por políticas dedicadas a suavizar também os impactos sociais para esses produtores.

Perseguir e garantir uma transição rural justa requer a adaptação de políticas e o engajamento dos agricultores familiares nas discussões de políticas para transformar os sistemas alimentares e de uso da terra. Para enfrentar e promover a adaptação às mudanças climáticas, é preciso colocar a justiça, a equidade e os meios de subsistência rurais no centro desses esforços, bem como reconhecer que certos produtores enfrentam barreiras maiores ao lidar com essas transições. Isso gera um grande desafio que requer mudanças sistêmicas, em que instituições redirecionem políticas e estratégias para permitir que a agropecuária proporcione um bem comum, sendo validado e inspirada por movimentos de base.

Referências

Baldock, David e Allan Buckwell. Just transition in the EU agriculture and land use sector. Bruxelas: Institute for European Environmental Policy (IEEP), 2021. bit.ly/3HxW2e9.

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Os autores gostariam de agradecer Arthur Bragança e Francisco Luis Lima Filho pela análise dos dados, Camila Calado pela revisão e edição do texto e Nina Oswald Vieira pela elaboração das figuras e formatação do texto.


[1] Considera-se “agricultores familiares”, nesta análise, como trabalhadores da agricultura familiar que exercem atividades no meio rural, atendendo simultaneamente aos seguintes requisitos: não deter, sob qualquer regime, área superior a quatro módulos fiscais; utilizar predominantemente mão de obra familiar nas atividades econômicas de seu estabelecimento ou empreendimento; ter um percentual mínimo da renda familiar proveniente das atividades econômicas do próprio estabelecimento.

[2] Para o IBGE, estabelecimento agropecuário é qualquer unidade de produção/exploração dedicada, total ou parcialmente, às atividades agropecuárias, florestais e aquícolas, independentemente de seu tamanho, forma jurídica (se pertence a um produtor, a vários produtores, a uma empresa, a um conjunto de empresas etc.) ou localização (zona urbana ou rural), com o objetivo de produção, seja para venda (comercialização da produção) ou para subsistência (sustento do produtor ou de sua família).

[3] O salário mínimo vigente no Brasil em fevereiro de 2023 é de R$ 1.302. bit.ly/3YmrvFD.

[4] De acordo com o Censo Demográfico de 2010 (IBGE), a pobreza extrema é definida como “indivíduos cuja renda mensal é igual ou inferior a R$ 70”.

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