O Brasil é um protagonista na oferta global de alimentos, serviços ambientais e conservação da biodiversidade. O país é o terceiro maior produtor agropecuário e o maior exportador líquido do mundo (FAO, 2016).1 Políticas adequadas nos setores de serviços financeiros podem contribuir para modernizar e intensificar a agricultura, levando a um gerenciamento mais eficiente dos recursos naturais. Melhorias nas políticas de crédito rural podem aumentar a produção do país e torná-la mais sustentável.
A abundância de terras já desmatadas no Brasil oferece uma oportunidade de expandir a produção agropecuária sem derrubar vegetação nativa. Se o país buscar alcançar seu potencial agrícola em terras já disponíveis – somente por meio da conversão de pastagens em áreas de cultivo e do aumento da produtividade – a produção total poderá quase duplicar sem destruição de florestas (Antonaccio et al., 2018). Para alcançar esse potencial, é necessário destinar recursos relevantes para investimento e custeio.
Desde a década de 1960 o crédito rural tem sido a principal política agropecuária do Brasil. O montante de crédito no ano agrícola 2019/20 representa aproximadamente 30% da produção agropecuária total do país em 2019 (que foi de R$ 631 bilhões de acordo com o MAPA, 2020).2 Essa relevante política tem grande potencial para alinhar a política agrícola com os objetivos de sustentabilidade.
Estudos recentes mostram que o Brasil pode aumentar a produção agrícola entre 79% e 105% e a produção de carne em 27% sem desmatamento (Assunção e Bragança, 2019). No entanto, para obter ganhos significativos na produtividade agropecuária, os produtores devem investir recursos consideráveis para modernizar suas operações, comprando equipamentos agrícolas e gastando mais em fertilizantes. Outro estudo recente constatou que o crédito rural alivia as restrições dos produtores, aumentando a produtividade da mão de obra e da terra, levando à intensificação da produção e à redução da pressão por desmatamento (Assunção, Fernandes, Mikio e Souza, 2020). Os ganhos de produtividade e as melhorias no uso da terra são especialmente relevantes para o crédito direcionado aos pequenos agricultores.
Subsídios governamentais devem incentivar a provisão de bens públicos. Ao alinhar o apoio governamental ao crédito rural com objetivos ambientais, reforça-se a relação entre agricultura e proteção florestal, justificando, do ponto de vista econômico, o direcionamento de recursos públicos para o setor agropecuário.
A produção agropecuária e os ecossistemas naturais estão unidos em um equilíbrio delicado, que deve ser mantido. Além do papel das florestas na manutenção da biodiversidade, elas são um fator determinante do clima, especialmente dos padrões de chuva que são tão importantes para a agricultura brasileira.
A proteção ambiental do Brasil pode impulsionar o sucesso econômico do país. À medida que aumentam as preocupações nacionais e internacionais com a conservação das florestas, mudanças climáticas e riscos de catástrofes, cresce a pressão para o país preservar seus recursos ambientais. Nas negociações de acordos comerciais internacionais, essa já é uma questão prioritária, afetando diretamente as exportações brasileiras.
Nesse relatório, pesquisadores do Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio) apresentam uma avaliação aprofundada das políticas brasileiras de crédito rural e discutem seus progressos recentes e atuais desafios. A análise se baseia em anos de pesquisa e discussões com tomadores de decisões, setor privado e pesquisadores acadêmicos. Esse relatório é organizado em cinco partes.
O Capítulo 1 discute a relação entre agropecuária, desmatamento e necessidade de instrumentos financeiros eficazes. O uso da terra no Brasil se tornou mais eficiente ao longo do tempo. Apesar de tendências mais recentes, o país fez esforços consideráveis para reduzir o desmatamento. Após atingir o auge de mais de 27,000 km2, houve uma redução de 80% nas taxas de desmatamento na Amazônia entre 2004 e 2012. Nesse mesmo período, o PIB do setor agropecuário da região aumentou 12,4%. Pesquisas recentes mostram que a intensificação da agricultura brasileira está relacionada à conversão de pastagem de baixa produtividade para áreas de cultivo agrícola, com redução de pressões por desmatamento. Dessa forma, a modernização permitiu ao país aumentar sua produção agropecuária ao mesmo tempo em que reduziu a expansão da área, que leva ao desmatamento. Se as práticas e políticas públicas forem ainda mais aprimoradas e melhor articuladas para prover instrumentos financeiros adequados aos agricultores, essas tendências de intensificação podem ser reforçadas.
O Capítulo 2 analisa a estrutura do sistema de crédito rural, examinando a fragmentação de regras no crédito rural e seus canais de distribuição. A grande variedade de fontes de recursos e programas de crédito rural criam um sistema complexo para os produtores. Há um amplo leque de fontes de recursos e programas, cada um com condições e termos diferentes para a provisão de crédito aos agricultores. Para o ano agrícola 2020/21, há 16 fontes de recursos e 12 programas (Banco Central do Brasil, 2020a). Os números mudam anualmente devido à criação e à extinção de linhas de crédito. Com bancos e outras instituições financeiras distribuídos de forma desigual pelo país, essa multiplicidade de fontes de recursos e programas dificulta a tomada de decisões financeiras por parte dos produtores. A fragmentação de regras do crédito rural por localização geográfica, tamanho da propriedade e receita agrícola cria variações artificiais adicionais na disponibilidade de recursos e condições de empréstimo, o que gera distorções e ineficiências. Essa análise traz percepções relevantes para políticas públicas. A simplificação de programas e fontes de recursos pode melhorar a eficiência do sistema de crédito rural. Aumentar a transparência e reduzir a interferência política nos programas do governo pode reduzir distorções. Além disso, a redução de restrições excessivas ao uso de recursos permitiria aos produtores uma melhor alocação de recursos. A expansão do horizonte de planejamento do crédito rural é capaz de tornar as condições de financiamento mais previsíveis para os produtores, ajudando nas decisões de produção. Finalmente, o incentivo à expansão da participação do setor privado no crédito rural pode estimular a competição e gerar inovação no setor financeiro rural.
O Capítulo 3 apresenta o impacto do crédito rural na economia real, uso da terra e desmatamento. Ele discute os resultados de Assunção, Fernandes, Mikio e Souza (2020), um artigo do CPI/PUC-Rio em parceria com o Banco Central do Brasil que mostra como o aumento no empréstimo de crédito rural leva a um incremento tanto na produtividade do trabalho quanto da terra. Em termos de uso da terra, um aumento no crédito rural leva a uma expansão da área de cultivo e a uma redução na área de pastagens, com um impacto positivo em áreas florestadas (redução de desmatamento). No geral, as evidências sugerem que restrições de crédito modificam as decisões de produção e levam a ineficiências na produção. O crédito rural incentiva avanços na produção, limita a expansão da área agropecuária e dá prioridade a ganhos de produtividade. Quando a análise é desagregada por linhas de crédito, tipos de produtores e tipo de crédito, se torna claro que esses impactos de maior intensificação agrícola e melhor uso da terra estão profundamente associados com crédito direcionado a pequenos agricultores.
O Capítulo 4 analisa a experiência brasileira com crédito e sustentabilidade, incluindo o Plano ABC e o alinhamento do crédito com a proteção ambiental. Esse capítulo discute a integração de bens públicos e subsídios ao crédito rural. Primeiro, ele fornece uma visão geral das vantagens e das dificuldades de implementação do Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura (Plano ABC). Também são discutidos caminhos para melhorias. Em segundo lugar, o relatório mostra que a ideia de usar de instrumentos de crédito para incentivar a produção de ativos naturais não é novidade no Brasil. Em 2008, a Resolução 3.545 do Conselho Monetário Nacional (CMN) condicionou o empréstimo de crédito rural em municípios na Amazônia ao cumprimento de regras ambientais e à comprovação de legitimidade dos títulos de propriedade. Assunção et al. (2019) calculam que a resolução levou a uma redução de 15% no desmatamento no período entre 2008 e 2011, sugerindo que o crédito rural pode ser um instrumento eficaz para a conservação no Brasil. Duas outras resoluções estabelecidas pelo CMN (4.106/2012 e 4.226/2013) aumentaram os limites de crédito relacionados às condições ambientais da propriedade rural. Esses são exemplos eficazes e inovadores de como a provisão de crédito deve ser atrelada a aspectos ambientais.
O Capítulo 5 discute passos importantes que o sistema bancário tem tomado em direção a um maior alinhamento entre instrumentos financeiros e práticas sustentáveis. O Plano Safra 2020/21 incluiu um aumento de até 10% no limite de crédito de custeio para produtores que submetessem o Cadastro Ambiental Rural (CAR) validado, que é um primeiro passo para cumprir com o Código Florestal. Outra medida importante foi permitir o financiamento para a aquisição de Cotas de Reserva Ambiental (CRA). Em setembro de 2020, o Banco Central lançou a dimensão Sustentabilidade de sua Agenda BC#. Duas iniciativas devem ser destacadas: 1) o anúncio do Bureau Verde, que será associado ao sistema de informações do crédito rural e irá conter informações sobre práticas sustentáveis dos agricultores; 2) o intuito de gerar incentivos para tornar o crédito rural mais verde. O Banco Central já sinalizou a possibilidade de continuar a aumentar os limites de crédito em até 20% para produtores com características sustentáveis (Banco Central do Brasil, 2020b). As próximas etapas potenciais para avançar nesta agenda são discutidas nesse capítulo.
O governo brasileiro tem a oportunidade de alavancar as políticas atuais e garantir que se tornem mais eficientes e atendam aos objetivos relevantes. Melhorar o acesso ao crédito rural permite que os agricultores, especialmente os pequenos, aumentem a produtividade agrícola, aliviando as pressões que impulsionam o desmatamento. O atual contexto de crise fiscal e as taxas de juros em declínio implicam que os subsídios tendem a diminuir no nível agregado. Portanto, é importante direcionar recursos para maximizar seu impacto no setor agrícola brasileiro e atender aos objetivos socialmente desejáveis.