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Introdução

Pesquisas recentes preveem um aumento tanto no número como na intensidade de eventos climáticos severos (Masson-Delmonte et al. 2021; Assad, Magalhães 2014), o que exige respostas eficazes dos mais diferentes setores do país. Na agropecuária, esse cenário pressiona para a transição para tecnologias de baixo carbono, capazes de diminuir o impacto do setor nas emissões de gases de efeito estufa, atualmente responsável por 25% das emissões brasileiras (SEEG 2021).

O Nordeste, região semiárida, que apresenta, historicamente, baixos níveis de produtividade agropecuária e população com piores condições de renda, tem sentido os impactos mais graves das secas (Marengo et al. 2022). Estudo sobre a vulnerabilidade climática de diferentes regiões do mundo aponta a Caatinga, a vegetação que predomina no Nordeste e cobre 10% do território nacional, como uma das seis áreas mais vulneráveis à variabilidade climática (Seddon et al. 2016). Frente a esses desafios, este relatório analisa o risco climático[1] a que estão expostos os produtores rurais da região.

Ao avaliar a vulnerabilidade agropecuária a eventos de seca, pesquisadores do Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio) identificaram que os produtores com maior nível de vulnerabilidade climática são os agricultores familiares, que representam 79% do total das propriedades rurais na Caatinga. A partir da análise da produtividade das principais atividades exercidas (pecuária e lavoura temporária), os pesquisadores constataram que, frente a episódios de seca, os municípios com maior presença de agricultores familiares tiveram maiores perdas de produção nas últimas três décadas. Os resultados apontam, ainda, que a vulnerabilidade climática a qual esses produtores estão expostos tem consequências não apenas a curto prazo. Há também implicações severas a longo prazo, afetando a produção agropecuária, bem como os indicadores de educação, saúde e pobreza. Para evitar que o efeito das mudanças climáticas se propague no desenvolvimento de longo prazo da região, a vulnerabilidade social precisa ser incorporada no desenho de políticas públicas para os produtores da Caatinga.

Risco Climático e Produtividade Agropecuária

Na Caatinga, a severidade de eventos extremos relacionados à seca é maior quando comparada a outros biomas. Nos últimos 60 anos, o nível de precipitação na Caatinga foi menor que no restante do país, como mostra a Figura 1. Além do nível de precipitação, é importante observar também a capacidade de retenção de água do solo. Características como vegetação, composição e temperatura alteram a umidade do solo, impactando diretamente a capacidade da produção agropecuária da região. A literatura recente de clima tem abordado essa questão ao criar índices de aridez, que incorporam outros fatores, além da precipitação, para medir o balanço hídrico de determinada região (Arora 2002; Dai 2013; Brito et al. 2018).

Os produtores rurais da Caatinga enfrentam grandes desafios impostos pelo clima semiárido. Com uma precipitação média anual de 930mm, volume 39% menor do que nos demais biomas, eles precisam adaptar sua produção à concentração de chuvas, que ocorrem durante apenas três a quatro meses do ano. Adicionalmente, processos de erosão e perda de nutrientes do solo caracterizam o processo de desertificação na região, já em curso em 12,8% do semiárido, de acordo com dados do Lapis/UFAL (Domingues 2019). Com o aumento da temperatura média da região, as mudanças climáticas tornam ainda mais secos os locais com maior déficit hídrico.

Este relatório apresenta um índice de aridez[2] que combina informações de precipitação e evapotranspiração para avaliar o balanço hídrico da Caatinga,[3] seguindo Cavalcanti (2018) e Albert, Bustos e Ponticelli (2021) e usando dados do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). O índice de aridez calcula, para cada ano, a quantidade de água evapotranspirada relativa ao total da água precipitada. Quanto maior o índice, menor a capacidade de retenção de água na região, portanto, maior a aridez do local. Assim, esse índice fornece uma métrica da severidade de episódios de seca de acordo com a sua intensidade e duração.

A Figura 1b mostra que os níveis médios do índice de aridez são maiores para a Caatinga quando comparados com os demais biomas brasileiros. Além disso, nesse bioma, a variação do índice é muito maior que em outras regiões. Isso implica dizer que a Caatinga enfrenta processos de seca não apenas com maior frequência, mas também com maior intensidade.

Figura 1. Variáveis Climáticas na Caatinga e Demais Biomas, 1961-2021

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do INMET e IBGE, 2023

Para medir o impacto do risco climático na Caatinga, os pesquisadores do CPI/PUC-Rio analisaram a produtividade das principais atividades exercidas pelos agricultores familiares do bioma. De acordo com dados do Censo Agropecuário 2017, a principal atividade exercida é a pecuária, compreendendo 51% do total de estabelecimentos da agricultura familiar. A lavoura temporária é a segunda atividade mais frequente, abarcando 38% dos estabelecimentos da agricultura familiar (Figura 2a). Para avaliar o efeito de eventos de seca sobre a produtividade da lavoura, a análise foca nas duas principais culturas, feijão e milho, em termos de número de estabelecimentos e área total (Figura 2b).

Figura 2. Estabelecimentos de Agricultores Familiares por Atividade Econômica e Produção Agrícola
na Caatinga

Figura 2a. Atividade Econômica

Figura 2b. Produção Agrícola

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Censo Agropecuário 2017 (IBGE), 2023

A Figura 3 apresenta a produtividade das principais atividades exercidas por agricultores familiares da Caatinga em comparação com outros biomas brasileiros, com base nos dados da Pesquisa Agrícola Municipal (PAM) e da Pesquisa da Pecuária Municipal (PPM), ambas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE 2020, 2019). É relevante notar que os agricultores da Caatinga apresentam, historicamente, menor produtividade, produzindo menos (kg ou cabeças de gado) por hectare.[4] A Caatinga não é apenas menos produtiva, como também apresenta crescimento consideravelmente baixo ao longo das últimas três décadas. Ao contrário do que se observa em outros biomas, na Caatinga, não houve tendência de aumento de produtividade na produção de feijão e milho nas últimas três décadas. Mais preocupante, na pecuária houve uma queda de produtividade, aumentando a discrepância entre esse bioma e os demais.

Figura 3. Produtividade das Principais Atividades Exercidas pela Agricultura Familiar na Caatinga

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do PAM, PPM e MapBiomas, 2023

Num cenário histórico de baixa produtividade, a sensibilidade da agropecuária frente a choques climáticos[5] é um desafio adicional enfrentado pelos produtores da Caatinga. A Figura 4 apresenta a sensibilidade da produtividade do feijão, milho e pecuária a choques climáticos, medidos pelo índice de aridez.[6] Os municípios na Caatinga apresentam sistematicamente menores níveis de produtividade quando comparados com os municípios dos demais biomas. Para evidenciar a sensibilidade da queda de produtividade do feijão quando o nível de seca aumenta, a Figura 4a explicita o que acontece quando há variação de uma unidade no índice de aridez ao redor do ponto médio de cada reta. Em valor absoluto, a Caatinga apresenta uma queda similar aos demais biomas de cerca de 45 kg/ha quando há o aumento de uma unidade no índice de aridez. No entanto, considerando o menor nível de produtividade, a queda na Caatinga é de 16%, frente a uma queda de 6% nos demais biomas.

A Figura 4b apresenta análise similar para o milho. A diferença na inclinação das retas evidencia que, em termos absolutos, o aumento de uma unidade no índice de aridez leva a uma queda de 155 kg/ha na Caatinga e de 380 kg/ha nos demais biomas. No entanto, considerando o baixo nível de produtividade da Caatinga, isso representa uma perda de 35% de produtividade na Caatinga frente ao aumento na seca versus uma queda de 16% de produtividade nos demais biomas.

Por fim, a Figura 4c apresenta a variação na produtividade da pecuária. Em termos absolutos, na Caatinga, há uma queda na produtividade da pecuária de 0,1 cabeça/ha, enquanto nos demais biomas a relação se inverte, ainda que seja baixa (aumento de 0,02 cabeça/ha). Em termos relativos, a queda percentual de produtividade é expressiva na Caatinga: 9% versus aumento de 1% nos demais biomas.

Figura 4. Sensibilidade da Produtividade Agropecuária ao Aumento da Aridez

Figura 4a. Feijão

Figura 4b. Milho

Figura 4c. Pecuária

Nota: Cada ponto do gráfico representa a média de valores agrupados em intervalos do Índice de Aridez. Observações estão em nível de município-ano, abrangendo um período de 29 anos (1989-2018). Todas as regressões incluem efeitos fixos de ano e município. Erros padrões estão clusterizados em nível municipal.

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do INMET, PAM, PPM, MapBiomas e IBGE, 2023

Como se vê, a Caatinga é um bioma de menor produtividade e maior sensibilidade a choques climáticos. Sendo assim, aumentar a resiliência dos produtores é central para alcançar uma agropecuária sustentável. Ao analisar o Produto Interno Bruto (PIB) do setor agropecuário per capita na Caatinga, é possível identificar discrepância similar à encontrada na produtividade. Enquanto outros biomas apresentam crescimento constante e salto acentuado, principalmente na última década, o PIB agropecuário per capita da Caatinga não acompanhou esse movimento (Figura 5).

Figura 5. PIB Agropecuário Per Capita, 2002-2020

Nota: O PIB agropecuário per capita municipal foi calculado pela razão do valor adicionado referente à atividade agropecuária no PIB municipal sobre a população calculada no Censo Agropecuário (quando disponível) ou das projeções intercensitárias da população utilizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do IBGE, 2023

Abrigando 36% das propriedades rurais do Brasil, a Caatinga é fortemente dependente da agropecuária. Nesse bioma, 44% da população trabalha no setor agropecuário, em comparação com o nível nacional de 36% (IBGE 2010). Contudo, os produtores da Caatinga se encontram em uma região de maior vulnerabilidade social que os produtores de outros biomas.

A Figura 6 mostra que o PIB per capita dos municípios da Caatinga é menor do que a média dos demais biomas. Além disso, mesmo o Brasil tendo apresentado uma redução de pessoas em situação de pobreza nas últimas décadas,[7] a Figura 6 mostra que esse indicador é sistematicamente maior na Caatinga, onde 54% das famílias são beneficiárias do Programa Bolsa Família.[8]

Figura 6. Indicadores Socioeconômicos

Nota: O PIB per capita municipal foi calculado pela razão do PIB municipal sobre a população calculada no Censo Agropecuário (quando disponível) ou sobre as projeções intercensitárias da população utilizada pelo TCU.

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do IBGE e PNUD, 2023

Quem está mais exposto ao risco climático?

Os agricultores familiares constituem o grupo mais numeroso dos produtores rurais no Brasil, e um terço deles está localizado na Caatinga. No bioma, eles chefiam 79% dos estabelecimentos rurais, com um total de 1,36 milhão de propriedades. São também os que têm menos acesso à assistência técnica (apenas 8%, frente à média nacional de 18%), sendo, em sua maior parte, assistência advinda do governo. Em termos do acesso escasso à água, 72% usam cisternas como principal fonte de água. Adicionalmente, a baixa escolaridade pode tornar desafiadora a adoção de tecnologias mais resilientes ao clima: 53% são analfabetos, e 37% possuem apenas ensino primário (de Albuquerque et al. 2023).

Choques climáticos podem afetar produtores de diferentes maneiras, podendo representar maiores riscos para alguns grupos específicos. No caso dos agricultores familiares, o fato de 68% produzirem para consumo próprio sugere que poderiam apresentar maior vulnerabilidade climática. Diante desse cenário desafiador, a Figura 7 exemplifica a sensibilidade da produtividade dos agricultores familiares da Caatinga frente a episódios de seca. Considerando o aumento de um desvio padrão no índice de aridez do bioma para os municípios com pouca presença de agricultura familiar (menos de 10% da área rural), há uma queda de 8% na produtividade do feijão, 19% do milho e 3% da pecuária.

Em contraposição, nos municípios com grande presença de agricultura familiar (mais de 90% da área rural), a queda é de 15% para feijão, 32% para milho e 12% para pecuária. Portanto, quanto maior a área ocupada pelos agricultores familiares no município, maior a perda de produtividade frente a um evento de seca. Para desenhar políticas efetivas que aumentem a resiliência desses produtores, é importante compreender o nível de exposição da produção à vulnerabilidade climática.

Figura 7. Agricultura Familiar e Perda de Produtividade Decorrente do Aumento de Aridez

Nota: Devido à ausência de dados anuais, os dados de porcentagem da área da agricultura familiar foram interpolados entre os períodos de 1989-2005 e 2006-2017, a partir de dados do Censo Agropecuário, com a taxa de crescimento anualizada entre 2006 e 2017. Observações estão em nível de município-ano, abrangendo um período de 29 anos (1989-2018). Todas as regressões incluem efeitos fixos de ano e município. Erros padrões estão clusterizados em nível municipal.

Fonte: CPI/PUC-Rio com dados da PAM, PPM e MapBiomas, 2023

Vulnerabilidade Social e a Exposição ao Risco Climático

Além de avaliar como o aumento da seca afeta a produção agropecuária, é importante compreender a dimensão social dos impactos de eventos climáticos extremos na Caatinga. Esta seção apresenta a relação entre o índice de aridez e algumas variáveis socioeconômicas, focando em dimensões que apresentam efeitos imediatos, como pobreza e mercado de trabalho, bem como dimensões que apontam consequências de longo prazo, como saúde e educação.

De modo geral, o aumento da seca está correlacionado com níveis mais altos de pobreza. A Figura 8 mostra como maiores índices de aridez estão associados a menor renda per capita,[9] maior desigualdade de renda medida pelo índice de Gini[10] e maior proporção de pessoas em situação de pobreza, o que corrobora evidências encontradas anteriormente (Hidalgo et al. 2010). Para dimensionar o tamanho do desafio, a Figura 8 demonstra os resultados do aumento de uma unidade no índice de aridez: perda de 7% na renda per capita, aumento de 9% no índice de desigualdade social e aumento de 13% no número de pessoas em situação de pobreza.

Figura 8. Relação entre Variáveis Socioeconômicas e Índice de Aridez na Caatinga

Figura 8a. Renda Per Capita

Figura 8b. Índice de Gini

Figura 8c. Proporção de Pessoas em Situação de Pobreza

Nota: Observações estão em nível de município-ano, abrangendo os anos de 1991, 2000 e 2010. Os dados de aridez referem-se ao log da média do índice de aridez dos últimos três anos de cada período de análise. Todas as regressões incluem efeitos fixos de ano e município. Erros padrões estão clusterizados em nível municipal.

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do INMET e IBGE, 2023

Esses gráficos, bem como os demais apresentados até aqui, mostram apenas correlações. É possível que a seca, de fato, tenha ocasionado um choque negativo de renda devido à perda da produção agropecuária e tenha colocado o estabelecimento em situação de pobreza. No entanto, também é possível que as pessoas mais pobres não tenham possibilidade de morar em locais em que a terra é mais produtiva, se concentrando justamente em locais com maior exposição à seca.

Considerando o contexto de subsistência da produção agropecuária na Caatinga, episódios de seca que levam à perda de produção estão diretamente relacionados à disponibilidade de alimentos e à capacidade de os pais proverem nutrição adequada a crianças na primeira infância, fase central para o desenvolvimento humano (Glewwe et al. 2001). De modo a analisar possíveis efeitos de longo prazo da seca sobre a dimensão de saúde, a Figura 9 aponta uma relação positiva entre o índice de aridez e as taxas de mortalidade infantil na Caatinga, em linha com evidências anteriores para o semiárido brasileiro (Rocha, Soares 2015). O aumento de uma unidade no índice de aridez está correlacionado com um aumento de 10% na taxa de mortalidade.

Figura 9. Relação entre Mortalidade Infantil e Índice de Aridez

Nota: Observações estão em nível de município-ano, abrangendo um período de 24 anos (1996 a 2020). Todas as regressões incluem efeitos fixos de ano e município. Erros padrões estão clusterizados em nível municipal.

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do INMET e SIM, 2023

Esses efeitos da seca sobre a saúde são ampliados ao longo do tempo, uma vez que podem afetar diretamente outras dimensões relacionadas ao bem-estar de longo prazo, como nível educacional e geração de renda (Maccini Yang 2009). Por exemplo, a literatura aponta evidência sólida sobre como baixos níveis de nutrição explicam baixas taxas de matrícula escolar (Alderman et al. 2001). No contexto da Caatinga, a Figura 10 mostra que existe correlação entre choques climáticos e taxas de atraso escolar, com níveis maiores de seca relacionados a maiores taxas de atraso escolar para o ensino fundamental.[11] O aumento de uma unidade no índice de aridez está correlacionado a um aumento de 19% na taxa de atraso escolar. O efeito relativo do aumento do índice é ainda maior que o crescimento identificado na taxa de mortalidade infantil.

Figura 10. Relação entre Atraso Escolar e Índice de Aridez

Nota: Observações estão em nível de município-ano, abrangendo os anos de 1991, 2000 e 2010. Os dados de aridez referem-se ao log da média do índice de aridez dos últimos três anos de cada período de análise. Todas as regressões incluem efeitos fixos de ano e município. Erros padrões estão clusterizados em nível municipal.

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do INMET e IBGE, 2023

Por fim, a Figura 11 exibe a relação entre choques climáticos e a taxa total de desocupação[12] da população de 18 anos ou mais de idade,[13] mostrando que mais seca está associada a maior desemprego nos municípios da Caatinga. Novamente, o gráfico exemplifica que o aumento do índice está relacionado a um aumento de 20% na taxa de desocupação.

Desta forma, considerando a relação entre choques climáticos e diversas dimensões da vida dos agricultores familiares, encontramos um componente social relevante para desenhar políticas que visem aumentar a resiliência dos produtores na Caatinga. A política social aparece como um componente complementar essencial, considerando as barreiras econômicas de acesso a insumos e técnicas resilientes, bem como os impactos de curto e longo prazo às condições de vida dos agricultores.

Figura 11. Relação entre Taxa de Desocupação e Índice de Aridez

Nota: Observações estão em nível de município-ano, abrangendo os anos de 2000 e 2010. Os dados de aridez referem-se ao log da média do índice de aridez dos últimos três anos de cada período de análise. Todas as regressões incluem efeitos fixos de ano e município. Erros padrões estão clusterizados em nível municipal.

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do INMET e Censo/IBGE, 2023

Conclusão

Com um cenário de baixa produtividade agropecuária e alta vulnerabilidade socioeconômica, a Caatinga se apresenta como uma região altamente vulnerável aos impactos das mudanças do clima. Avaliando o risco climático a que estão expostos os produtores rurais da região, este relatório apontou que deve ser dada especial atenção aos agricultores familiares, o grupo mais vulnerável a eventos climáticos extremos. Frente a episódios de seca severa, os municípios com maior presença de agricultores familiares são os que apresentaram maior perda de produtividade na pecuária e na lavoura temporária nas últimas três décadas.

Além da vulnerabilidade na produção, a vulnerabilidade socioeconômica da região incorpora uma importante dimensão ao debate. As análises apontam que eventos climáticos extremos afetam não apenas a produção agropecuária no curto prazo, mas também podem ter efeitos de longo prazo ao gerar danos sociais expressivos como baixa educação e saúde e alta pobreza.

Um primeiro passo que se apresenta para o avanço da agenda de transição rural justa na Caatinga é a promoção de políticas que incentivem a adoção de tecnologias que impulsionem a transição para uma agricultura de baixo carbono. No entanto, frente aos desafios caracterizados neste relatório, a agenda também deve incorporar políticas focadas em aumentar a resiliência e a capacidade de adaptação dos produtores que estão mais expostos a choques climáticos, em especial os agricultores familiares. Além disso, é central incluir um componente social no desenho de políticas públicas voltadas para os produtores da região. Se não forem incorporadas políticas que promovam o desenvolvimento social, os efeitos das mudanças climáticas podem ampliar e gerar consequências severas no longo prazo, aumentando ainda mais as desigualdades sociais.

Referências

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Os autores gostariam de agradecer Priscila Souza pela supervisão metodológica, Natalie Hoover El Rashidi, Giovanna de Miranda e Camila Calado pela revisão e edição do texto e Meyrele Nascimento pela elaboração das figuras e formatação do texto.


Leia a versão em PDF do relatório

[1] O conceito de risco climático compreende os possíveis impactos negativos de eventos climáticos nas vidas das pessoas. No presente estudo, o conceito é acionado com o intuito de identificar níveis de vulnerabilidade e exposição dos produtores rurais da Caatinga aos impactos negativos das mudanças climáticas.

[2] O índice de aridez pode ser calculado através da equação: AIm,t =  onde t indexa o ano, j o mês do ano, t e m o município.

[3] Para mais informações sobre o cálculo do índice, ver: SPEI. About the SPEI. sd. Data de acesso: 10 de fevereiro de 2023. bit.ly/3BZuTx2.

[4] Para o cálculo da produtividade da pecuária, usou-se dados de área de pastagem do MapBiomas v. 5.0 (2020).

[5] O conceito de choque climático compreende distintos eventos adversos relacionados ao clima, como secas, excesso de chuvas, inundações e tempestades (Do, Nguyen e Grote 2017). As mudanças climáticas aumentam a exposição a choques climáticos.

[6] Neste estudo, os gráficos de sensibilidade apresentam o resultado de regressões onde a variável dependente é o log da produtividade e a variável independente é o log do índice de aridez, tendo como controles efeitos-fixo de município e ano. Para efeitos de visualização, os municípios foram agregados em bins de igual tamanho, num total de 20 bins, e o eixo Y foi transformado novamente em seu valor absoluto através da função exponencial.

[7] A classificação “pessoas em situação de pobreza” refere-se à proporção dos indivíduos com renda domiciliar per capita igual ou inferior a R$ 140,00 mensais, considerando valores de agosto de 2010. O universo de indivíduos é limitado àqueles que vivem em domicílios particulares permanentes (IBGE 2010).

[8] O número total de famílias foi estimado com base na população total da Caatinga dividido por 3,07, que é o tamanho médio da família brasileira, de acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF/IBGE) 2017-2018 (Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos 2021).

[9] Os dados de renda domiciliar per capita são referentes a indivíduos residentes em domicílios particulares, considerando valores de 01 de agosto de 2010 (IBGE 2010).

[10] O índice de Gini mede o grau de desigualdade existente na distribuição de indivíduos, segundo a renda domiciliar per capita. Seu valor varia de zero, quando não há desigualdade (a renda domiciliar per capita de todos os indivíduos tem o mesmo valor), a um, quando a desigualdade é máxima (apenas um indivíduo detém toda a renda). O universo de indivíduos é limitado àqueles que vivem em domicílios particulares permanentes.

[11] A classificação ”taxa de atraso para ensino fundamental” refere-se ao percentual da população de 6 a 14 anos de idade que frequenta o ensino fundamental com um ano de atraso idade-série (IBGE 2010).

[12] O IBGE define como taxa de desocupação a porcentagem de pessoas na força de trabalho que se encontram desempregadas (IBGE 2023).

[13] Os dados referem-se ao percentual da população economicamente ativa (PEA) nessa faixa etária que estava desocupada, ou seja, que não estava ocupada na semana anterior à data do Censo, mas havia procurado trabalho ao longo do mês anterior à data desta pesquisa (IBGE 2010).

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