Para um país do tamanho do Brasil, promover reflorestamento em larga escala é sabidamente uma tarefa desafiadora. No entanto, pode também ser uma oportunidade única, dadas as características específicas e estratégicas do país. Internamente, o Brasil tem muito a ganhar ao encarar uma significativa fonte de ineficiência em seu uso do solo: enormes quantidades de terras desmatadas e degradadas que atualmente não têm propósito produtivo. Ao serem reflorestadas, tais áreas virariam importantes ativos ambientais e ainda contribuiriam para a redução das emissões brasileiras de gases de efeito estufa. No âmbito internacional, o país já desempenha papel de destaque nos mercados globais de commodities agropecuárias e exerce cada vez mais influência na arena ambiental. Implementar o reflorestamento em larga escala confirmaria o compromisso brasileiro com o esforço mundial de mitigar os danos causados pela mudança climática e, assim, fortaleceria o potencial estratégico do Brasil no cenário ambiental e em outros fóruns multilaterais.
Além disso, o país é capaz de promover reflorestamento em larga escala sem prejudicar sua produção agropecuária. Com isso, o Brasil conseguiria reconciliar mitigação de mudanças climáticas com metas de desenvolvimento econômico e, assim, assumir a liderança na implementação de medidas concretas para alcançar o desenvolvimento sustentável.
Desmatamento e regeneração em terras públicas na Amazônia
O reflorestamento em escala vem acompanhado de diversos desafios práticos. Neste sumário, pesquisadores do Climate Policy Initiative/Núcleo de Avaliação de Políticas Climáticas da PUC-Rio (CPI/NAPC) propõe um ponto de partida para encarar tais desafios. Eles argumentam que áreas desmatadas sob domínio público na Amazônia oferecem uma oportunidade única para o Brasil implementar o reflorestamento em larga escala recorrendo à regeneração florestal natural. Esse fenômeno natural já está em andamento. A área regenerada na Amazônia brasileira cresceu mais de 70% entre 2004 e 2014, aumentando de 10 milhões para 17 milhões de hectares. Em meados da década de 2010, a regeneração já cobria quase um quarto da área historicamente desmatada na Amazônia.
Esse fato tem duas implicações importantes. Primeiro, ele sugere que uma quantidade expressiva de terras desmatadas na Amazônia não são utilizadas para produção e são abandonadas, indicando um padrão de uso do solo marcado pelo desperdício. Segundo, ele revela que o salto impressionante em regeneração
observado na Amazônia ocorreu apesar da ausência de políticas públicas voltadas a esse objetivo específico. Isso demonstra que a regeneração tropical é viável em um curto espaço de tempo, até mesmo em um contexto de vulnerabilidade. A disponibilidade de terras desmatadas sem uso produtivo e o comprovado potencial de regeneração natural na Amazônia constituem cenário favorável à implementação de reflorestamento em larga escala.
As terras públicas são um ótimo ponto de partida. Mais da metade da Amazônia está sob proteção como terra indígena, unidade de conservação de proteção integral, ou unidade de conservação de uso sustentável. Em 2014, o desmatamento acumulado dentro de território protegido somava cinco milhões de hectares. Nesse mesmo ano, último para o qual há dados disponíveis, a regeneração se estendia por dois desses cinco milhões de hectares. Os três milhões de hectares que restam desmatados em território protegido são localidades ideais para receber os primeiros esforços de reflorestamento em escala.
Áreas desmatadas dentro de território protegido são tipicamente de domínio público e têm governança bem estabelecida, o que fornece um sólido arcabouço regulatório para execução de políticas públicas focalizadas. Elas também estão sujeitas a maior escrutínio de atividades potencialmente negativas, pois contam com monitoramento dedicado por parte de agências especializadas e atraem atenção tanto da sociedade civil quanto da mídia. Isso pode auxiliar o reflorestamento na medida em que restringe a interferência humana, permitindo que um processo natural de regeneração ocorra. Soma-se a isso que áreas desmatadas em território protegido tipicamente estão próximas a florestas primárias, que são, por sua vez, fundamentais para o processo de regeneração natural. Tais florestas detêm bancos de sementes e abrigam animais que as espalham, assim como polinizadores e predadores de patógenos que ameaçam o reflorestamento. A combinação de governança bem-definida e características ecológicas e geográficas favoráveis oferece uma oportunidade única para promover o reflorestamento em território protegido.
Contudo, há terras públicas na Amazônia que não estão sob proteção. Em torno de 90 milhões de hectares de território público permanecem sem uso designado. Mais de dois terços do desmatamento na Amazônia encontra-se em terras não-designadas, totalizando quase 13 milhões de hectares de áreas desmatadas até 2014. Ainda que a regeneração em terras não-designadas não seja tão comum quanto em território protegido, sua extensão em 2014 aponta que ela é possível. Expandir o reflorestamento nessas áreas é sabidamente mais difícil, devido às altas taxas de conflitos por direitos de propriedade, violência rural e grilagem em terras não-designadas. No entanto, promover o reflorestamento junto à regularização fundiária poderia ajudar a alavancar tanto o desenvolvimento local quanto objetivos ambientais. Isso porque poderia auxiliar na transformação de padrões ineficientes de uso do solo, como observado nas áreas desmatadas em terras não-designadas, que não raro hospedam ocupações ilegais.
Conclusão
O Brasil está diante de uma oportunidade inédita de promover reflorestamento em escala, mas também enfrenta metas ambiciosas. Após o Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas, o país se comprometeu, de maneira voluntária, a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em mais de um terço abaixo dos níveis de 2005. Como parte da estratégia proposta para alcançar essa meta, o Brasil pretende restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de terras desmatadas ou degradadas em todo o país até 2030. Lançado pelo Ministério do Meio Ambiente em 2017, o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg) propõe mecanismos para atingir essa meta com foco em áreas privadas. Portanto, uma estratégia para promover reflorestamento em áreas públicas permanece necessária e seria complementar aos esforços do Planaveg.
Ainda que o acréscimo de 12 milhões de hectares de reflorestamento seja uma contribuição valiosa ao esforço global para alcançar um interesse comum — mitigar mudanças climáticas e melhorar o bem-estar humano — ela requer ação deliberada e inabalável vontade política. Para cumprir seu compromisso internacional de redução de emissões e consolidar sua posição como produtor sustentável de bens agropecuários, o Brasil precisa dedicar mais atenção e recursos — financeiros, legais, técnicos e de pessoal — para apoiar a regeneração da vegetação nativa. Fazer isso em terras públicas é um bom começo.